O cinema nacional quando sai das comédias novelescas consegue nos surpreender de diversas formas, e até mesmo um drama simples de nosso cotidiano pode virar uma história envolvente, bem feita e que com ares de situações corriqueiras que também são comuns nos grandes países na atual economia, aonde as pessoas trabalham demais e vivem pouco com seus filhos, o longa "Que Horas Ela Volta?" não apenas vai agradar muito quem gosta de um filme sem muita enrolação, mas que simbolicamente representa muita coisa, como também internacionalmente pode arrebatar muitos prêmios para o nosso cinema dramático, e quem sabe até voltarmos para um lugar que muitos sonham em voltar nas premiações. E dessa maneira Anna Muylaert que andou sumida dos cinemas por 6 anos, volta pra mostrar que não brinca em serviço, e vai conseguir assustar muitos brasileiros que acham que Regina Casé é apenas apresentadora, sem saber que antes de seu dominical, já foi atriz.
O filme nos mostra que a pernambucana Val se mudou para São Paulo a fim de dar melhores condições de vida para sua filha Jéssica. Com muito receio, ela deixou a menina no interior de Pernambuco para ser babá de Fabinho, morando integralmente na casa de seus patrões. Treze anos depois, quando o menino vai prestar vestibular, Jéssica lhe telefona, pedindo ajuda para ir à São Paulo, no intuito de prestar a mesma prova. Os chefes de Val recebem a menina de braços abertos, só que quando ela deixa de seguir certo protocolo, circulando livremente, como não deveria, a situação se complica.
Dezoito longos anos! Esse foi o tempo que a roteirista e diretora Anna Muylaert demorou para concluir o roteiro desse longa que tanto tem a ver com sua história pelo que disse nas entrevistas do filme. E quem for assistir ao filme, irá ver que ela se preocupou com cada detalhe da trama, pois até mesmo na cena mais simples de levar um cachorro para fazer as necessidades fisiológicas, tem algum simbolismo ou interrogação para pensarmos na vida, em como os empregados secundários que dão o sangue para uma casa ou empresa acabam sendo nem lembrados quando precisam de uma ajuda, ou até mesmo, o quanto esses se doam tanto para seus trabalhos que esquecem de como a família necessita deles também, do seu amor, de sua presença, e ao ser largada de canto, nem entra em questão o ciúmes, mas sim a precisão de cada toque para chamar a atenção e dizer que está ali também, pronta para retribuir um carinho que não virá do outro que você tanto preza, mas sim de quem está lhe dando, ou seja, um filme que pode ser visto, ou sentido. E essa visceralidade a diretora já mostrou ser boa em seus outros longas "É Proibido Fumar" e "Durval Discos", mesmo que de forma menos explícita, mas aqui além de alcançar um salto mais alto, conseguiu trabalhar com uma história mais universal, e dessa maneira em qualquer festival que está entrando, emociona o público e acaba levando aplausos e prêmios, ou seja, se forem coerentes na indicação do longa como representante nacional para o Oscar, quem sabe a chance seja mais real.
Se eu disser que me apaixonei pela atuação de Regina Casé estarei mentindo, mas inegavelmente sua Val é um dos melhores papéis que a atriz já fez, pois ao impregnar trejeitos nortistas tão comuns, e ser tão conectada com o garoto Fabinho até mais do que a própria mãe, e não dando a mesma importância devida para sua filha que saiu de seu ventre, é algo totalmente comovente e interessante de ver, pois a atriz se doou ali, e junto de um texto preciso pontuado da forma que ela fez, é algo que certamente comove e agrada muito de ver na telona, portanto Regina, abandone de vez as coisas estranhas que você faz aos domingos e volte pro cinema, que aqui você mostra que é boa mesmo. Camila Márdila nem era a vontade da diretora para o papel de Jéssica, mas não só mostrou no filme, o porquê de ter sido a melhor no teste de elenco como dissecou um papel que certamente ficaria não secundário, mas menos importante do que foi, e dosou olhares, sentidos e tudo mais na seu jeito de falar para que ficássemos presos em suas cenas esperando acontecer somente o pior com ela, e assim temos certamente de parabenizar o trio que fez com Casé e a diretora, pois foi impecável. Fico na dúvida da análise de personagem de Karine Teles, pois sua Barbara é estranha, mas bem feita pela atriz, porém em diversos momentos me peguei vendo ela num estilo novelesco demais de atuar, e isso me incomoda de tal maneira, que mesmo seus joguinhos e ironias acabam virando sempre pra o estilo vilã necessitada e ambígua, então nesse personagem poderiam ter aparado mais as arestas para agradar mais. Lourenço Mutarelli entregou para o seu Carlos uma condição íntegra e bem simbólica, pois a cada cena que aparecia certamente tínhamos algo para analisar de suas falas e atitudes, e dessa maneira o ator conduziu tão bem, que valeria até mais tempo de tela do que teve, ou seja, preciso para com o texto e assustador nos momentos certos. E para finalizar o elenco principal é claro que tenho que falar de Michel Joelsas, que embora não tenha sido o Fabinho dos sonhos de um diretor, afinal é fácil notar que muitas cenas suas foram cortadas da versão final do filme, mas nas que sobraram seu carinho com a personagem de Casé e até mesmo nos entreolhares com a família em si, conseguiu mostrar o excesso de mimo que muitos jovens possuem e acabam sendo estragados para com a sociedade, ou seja, o ator conseguiu mostrar que é bom no que faz, mas faltou mais atitude e até tempo para amadurecer mais o personagem em si, mas aí acabaria virando novela, então é melhor deixar como ficou. Dos demais, alguns até tentam aparecer bem, mas só funcionam para incrementar os simbolismos e assim sendo caíram bem sem atrapalhar o conteúdo exato que a trama passou.
No conceito cenográfico, assim como a jovem analisa a planta da casa de uma maneira bem interessante, e numa cena anterior acaba conhecendo cada um dos ambientes nos mostrando detalhes da própria vida dos envolvidos na trama, a equipe de arte soube trabalhar cada elemento com precisão cirúrgica para que o filme não ficasse chato, nem amarrado como alguns longas acabam ficando para ser somente simbólico, mas de maneira que cada pessoa ao ver a ação e conhecesse cada cantinho da casa como a protagonista conhece, "usufrui" e vive, tirasse suas próprias conclusões e se envolvesse com a vida dos protagonistas, e isso ficou muito bonito de ver, mesmo que o ambiente em si não tivesse tantas locações. É interessante ver o trabalho da diretora de fotografia Barbara Alvarez, pois escolheu junto com a diretora alguns planos incomuns em ângulos que nem foram tão bonitos e usando sempre da iluminação mais rebaixada para dar sombras nos cantos, o filme ficou mais pesado do que deveria, e incrementou uma dramaticidade cênica que alguns podem até gostar, mas certamente poderia ter amenizado alguns momentos que deixaria o longa num tom mais amplo e gostoso de acompanhar.
Enfim, é um filme simples, muito bem feito e que vem de encaixe perfeito na falta de longas mais reflexivos no circuito de longas nacionais, e como disse ficarei na torcida para que seja nosso indicado à estatueta dourada, claro se novamente não fizerem a cagada de escolher um filme completamente errôneo como ultimamente vem acontecendo. Friso que é um filme diferenciado, portanto muitos que não são realmente fãs de dramas familiares com muito simbolismo talvez saia da sessão se perguntando o motivo de tanta gente estar falando bem do filme, mas aqueles que souberem apreciar o estilo irão se comover, emocionar e sair da sessão com muitas emoções sobre tudo o que aconteceu, e dessa maneira prefiro recomendar o longa mais para esse segundo grupo, do que falar que é um filme para todos. Bem é isso pessoal, com toda certeza esse tinha de ser o longa inicial dessa semana lotada de estreias, pois a curiosidade era gigantesca pelos prêmios que o filme vem arrebatando, agora que já vi e deixei aqui minha opinião, vamos para os próximos. Então abraços e até breve meus amigos.
2 comentários:
É impressionante como o Brasil só faz filmes favelados, não estou dizendo que o filme é bom ou ruim, não assiti, mas da natureza dos filmes brasileiros. O Brasil faz um desfavor a si mesmo ao mostrar ao mundo só a pobreza, como se aqui não houvesse coisas melhores.
Olá Amigo, é um gênero que funciona aqui, assim como em outros lugares funcionam comédias do estilo stand up, então tem de ser sim aproveitado. Mas se você não viu, vá e aí sim tire suas conclusões, não apenas pelo gênero! Abraços!
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