Sempre dizemos que o cinema de arte nacional peca por fazer somente histórias para o umbigo do diretor, e que não trabalham beleza e envolvimento maior para cativar o público fazendo com que esse sonhe bastante, mas sempre existem diretores dispostos a inovar e criar um mundo lúdico incrível que acaba agradando do começo ao fim com uma história simples que se pararmos para pensar pode refletir muita coisa através de anedotas ou misticismos do povo simples do sertão. Ou seja, "Por Trás Do Céu" acaba sendo mais um acerto do diretor Caio Sóh que faz os olhos brilharem dentro da imaginação da protagonista e de tudo o que ela já viveu junto de seu marido rancoroso, e que através de muita simbologia e poucos personagens consegue fluir sem rumos dentro de uma direção de arte fantasiosa e perfeita.
O longa nos mostra que Aparecida vive no sertão em meio à pobreza. Ela não entende e não suporta o fato de viver naquele lugar. Seu marido se isola cada vez mais por causa de uma tragédia. Por isso, Aparecida anseia em um dia deixar tudo para trás e ir para a cidade grande.
É interessante ver o cinema de alegoria presente no estilo de direção e roteiro de Caio Sóh, pois em seu longa anterior, "Minutos Atrás", ele já havia trabalhado bem a forma singela dos personagens, explorando bem a imaginação deles e ousando com uma direção de arte abstrata, porém muito bonita de se ver, mas se lá foi um começo ousado, aqui o diretor já se mostra promissor de um molde e faz de seu filme quase uma obra de arte pintada ao mesmo tempo que a projeção, criando vertentes e situações com simplicidade e muita criatividade, ousando por deixar que a expressão visceral dos protagonistas desencadeasse todo o ritmo e que por trás de tudo estivesse analogias incríveis e gostosas de se pensar. Talvez nem seja um longa para se refletir tudo numa única olhada, pois há tantos elementos em cena que certamente se você adentrar mais ainda no ambiente é capaz de chegar em outras conclusões maiores, tanto que logo que o filme volta no tempo pela segunda vez (felizmente sem usar artifícios de flashback, ousando apenas numa montagem diferenciada), ficamos na dúvida de ter perdido alguma coisa, pois nada é detalhado do que aconteceu para o que é mostrado ocorrer, mas com o desenrolar da trama imaginamos e nem seria necessário mostrar o ato em si realmente, mas numa terceira volta, tudo é forçadamente mostrado em detalhes crus e duros de serem vistos. Ou seja, o diretor mesmo trabalhando de uma forma artística, ainda se preza em dar detalhes do seu real pensamento, não querendo ser daqueles diretores que jogam apenas a situação no ar e o público que compre ou não a ideia e tire suas conclusões, o que posso certamente dizer que vejo grande futuro para ele, pois esse sim é o estilo certo de grandes artistas, fazer um cinema belo, mas que exprima sua opinião e que isso também envolva a arte complementar. Sendo assim, ver a mágica do roteiro ser permeada por uma direção clássica e bem colocada, fez o filme fluir de uma forma tão bela, que a vontade que temos ao final é de aplaudir tudo, de querer mais da história dos personagens, que fosse uma série de 200 capítulos, mas não, vemos essa parte da vida dos protagonistas e só, e isso é tão belo que já basta, ao menos por enquanto.
Junte um ótimo roteiro, com uma ótima direção e coloque ótimos atores dispostos a trabalhar sotaques junto de expressões ímpares e não tem como dar errado nada, e só isso já estaria bom de falar da precisão que todos atores tiveram em todas as cenas, criando e incorporando com a melhor característica que poderíamos esperar deles. Dito isso, só temos elogios para rasgar sobre Nathalia Dill, que fez de sua Aparecida algo que poucas atrizes conseguiriam expressar, que junto de um brilho no olhar e a dinâmica nas mãos, juntou trejeitos difíceis no linguajar do sertão e criou uma pessoa ingênua, porém bem agradável de ver e que nos deixa invadir seus sonhos e dimensionar tudo o que quer de sua vida simples, mas que pode ser enorme com o que pensa, ou seja, perfeita é pouco para definir o que a atriz fez. Emílio Orciollo Netto ficou com uma expressão rígida do começo ao fim com seu Edival, e ao vermos sua festa de casamento ficamos pensando como ele ficou duro assim, mas no desenvolver da trama tudo faz bastante sentido e mostra que o ator não apenas interpretou seu texto, mas sim desenvolveu um personagem maior e mais interessante, tanto nas expressões, quanto no visual carregado que teve de usar, saindo muito bem também. Renato Góes fez um Micuim tão divertido e cheio de perspectivas que acabamos gostando demais de um personagem secundário, coisa que raramente ocorre em dramas nacionais, mas ao juntar simplicidade na forma desenvolvida com muita garra para expressar seus sentimentos, o ator trabalhou olhares e dialetos tão bem colocados que agradaram muito, fazendo ser algo vital para o desenvolvimento completo da trama. Embora entre meio que como um ponto de virada na trama, e não tenha feito tantas expressões bem colocadas, Paula Burlamaqui agrada com sua Valquíria, e mostra que lá pelos confins do nosso sertão, ser uma mulher da vida é algo que nem de longe é bom, mas ao cair dentro do grupinho fantasioso, sua realidade acabou sendo algo que mudou bem a paz existente ali. Dos demais personagens, a maioria é apenas funcional para desenvolvimentos, não chamando nem responsabilidade cênica, nem muita incorporação para o que se desenrola, sendo imprescindível apenas o coronel para a história, podendo ser qualquer ator, assim como o pai da moça na cena do casamento, mas não atrapalharam também e isso é o que importa.
Agora se temos de aplaudir de pé algo na produção, certamente é a direção de arte do longa, que ao construir toda a cenografia, com uma casa completamente feita de restos de materiais, um foguete também todo artesanal e trabalhar com cada elemento sendo representativo para a história como o diretor desejava, fez com que o longa fosse mais do que simbólico, ficasse incrível e bem colocado, cheio de nuances e elementos cênicos que funcionaram mais do que alegorias apenas, mas sim parte total do filme. E como uma boa direção de arte não funciona sem uma boa fotografia, o trabalho de iluminação feito apenas com lampiões, velas, fogueiras e tudo mais alaranjado que fosse para contrastar com a escuridão de um lugar bem ermo escolhido pela produção, acabou dando um resultado tão bonito e bem feito que agrada até mesmo os mais exigentes do estilo.
Enfim, um filme mágico, poético e incrível de se assistir, que faz nossa mente viajar através de coisas simples e que acaba nos envolvendo tanto pela situação em si, como pela vivência completa que a obra nos mostra. Ou seja, fazia tempo que não tinha um bom filme nacional para recomendar, mas agora posso dizer, que se você tiver um tempinho para ir ao cinema, e este longa estiver passando por aí, vá, que é certeza de lhe fazer refletir sobre sonhos, simplicidade e muito mais. Claro que há erros, como diversas cenas desnecessárias, afinal para dar o tempo de um longa, muitas vezes acaba sendo necessário colocar algumas cenas extras, mas felizmente isso não atrapalha o resultado completo, e sendo assim, o filme funciona. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com a última estreia que veio para o interior, então abraços e até mais.
4 comentários:
Que bom que curtiu assim! Que experimentou assim o filme! Muito gratificante ler sua viagem no filme. Já tinha curtido muito o que escreveu sobre o MINUTOS ATRÁS. Grade abraço e parabéns pelo trabalho e incentivo ao cinema. abs Caio
Obrigado Caio!!! Que bom que curtiu meus textos... Filmes bons fazem a gente viajar mesmo! Preciso dar um jeito de conferir seu primeiro filme, "Teus Olhos Meus", que se o segundo e o terceiro já foram bons, se os três forem já pode pedir música no Fantástico! Rss... Abraços!
Crateras, espinhos, no solo, na pele, na alma, na vida. Uma mistura de passado e futuro. O presente é estático. Aparecida 'Blimunda' 'José Arcadio Buendia', numa Macondo desabitada. Uns 'Cem Anos de Solidão' num sertão solitário e sem fim. 'O Sertão é grande, é perigoso', meu Riobaldo, minha Diadorim. Uma Aparecida 'Dom Quixote de La Mancha'. O Tempo, esse jabuti com patas de andar arrastado e dura carcaça, caverna escura para nos escondermos do medo de nos aventurarmos num vôo com asas de latão (a imagem que mais me marcou no filme). "Não volte, não. Só volte quando Deus morrer"... "Passarim, bora pá cidade"... (Rosana Diôgo - João Pessoa/PB. Vi o filme e amei! Como nada é perfeito, só teria cortado o termo 'lance', na cena em que Edivaldo 'fala com Deus' sobre as ideias de Aparecida).
Bem isso rosaluna... você foi mais profunda na reflexão, mas disse muito sobre o filme que é lindo demais! Abraços e obrigado pelo complemento no site!
Postar um comentário
Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...