Já falei diversas vezes que o cinema nacional só tem crescido quando sai da tradicional comédia novelesca, e é tão bom quando vemos um longa com cara de abstrato, história montada propositalmente de forma mais poética para virar artística demais, uma direção centrada em não revelar tantos detalhes, mas deixar que o filme flua de maneira gostosa e ambiciosa, e com isso, "O Filme da Minha Vida" salta do básico e simbólico que vemos casualmente em séries nacionais mais ousadas para um vértice poético, bem dirigido e que volto a dizer Selton dirige muito melhor do que atua, e o veremos muito grande ainda, pois foram três filmes, e três acertos (ainda que os dois últimos exista muita discordância) e dessa forma, aliando uma fotografia maravilhosa com uma história que nos remete aos tempos áureos do cinema, com todo a síntese de pequenas cidades do sul, o resultado não poderia ser outro, senão algo belo, que mesmo com leves defeitos (a abstração moral poderia ser menos usada) fecha com chave de ouro, dando o cerne que esperávamos ver, e completando o nome do filme. Portanto semana que vem, quando o longa estrear, não vamos deixar que seja mais um filme brasileiro bem feito que é visto por poucos, mas sim, daqueles que são bem feitos e lotam sessões, pois vale muito adentrar dentro da síntese da trama e viajar por tudo que a história pode contar, afinal, certamente você já disse que sua história daria um livro, um filme, ou algo do tipo, então vá conhecer a do Johnny ou melhor, descubra o final, pois o final, esse eu não posso contar!
O longa nos situa nas Serras Gaúchas, em 1963. O jovem Tony Terranova precisa lidar com a ausência do pai, que foi embora sem avisar à família e, desde então, não deu mais notícias ao filho. Tony é professor de francês num colégio da cidade, convive com os conflitos dos alunos no início da adolescência e vive o desabrochar do amor.
Apaixonado por livros e pelos filmes que vê no cinema da cidade grande, Tony faz do amor, da poesia e do cinema suas grandes razões de viver. Até que a verdade sobre seu pai começa a vir à tona e o obriga a tomar as rédeas de sua vida.
O trabalho de Selton Mello como diretor, já é algo bem reconhecido e mostra um estilo que mistura muita poesia na forma alegórica com um teor também voltado para uma dramaticidade quase fora dos eixos romanceados, ficando quase algo melancólico, e isso, por mais estranho que possa parecer, é muito bom, pois acaba dando um floreio na trama que muitos acabam não esperando. Por diversos momentos ficamos pensando na forma que o longa pode acabar, o que aconteceu com o pai do garoto, o motivo real de tudo, e até mesmo adentramos ao ar denso da serra gaúcha de cidadelas tão pequenas que algo que dê errado vai acabar mudando tudo. Ou seja, baseando-se no livro "Um Pai de Cinema" de Antonio Skármeta (que aparece no filme na cena do puteiro como Esteban), Selton e Marcelo Vindicato criaram um roteiro bem dosado, que com a direção certeira foi trabalhado aos poucos, comovendo e direcionando o público para um final perfeito, que talvez até pudesse ocorrer antes para que a sintonia ficasse melhor e não cansasse tanto como no começo e nas diversas cenas de flashback, mas certamente não chegaria no tom que conseguiram de dramaticidade. Portanto é um filme feito, com leves deslizes de ritmo, mas que emociona e agrada tanto que esses deslizes passam batidos e tudo acaba nos envolvendo de forma que talvez Selton seja agraciado mais uma vez como a escolha para representar o Brasil nos indicados à concorrer a vaga do Oscar de estrangeiro (dessa vez com até mais chance que "O Palhaço").
Sobre as interpretações, vou começar falando que Johnny Massaro já havia mostrado seu estilo de interpretação melancólico perfeito em "Amorteamo" e aqui caiu como uma luva para a personalidade dúbia de Tony, que ao mesmo tempo que procura encontrar o amor, também procura encontrar as respostas que entornam sua vida, ou seja, o rapaz está em apuros, e ele foi perfeito, agora preciso ver um novo filme seu para saber se quem impregnou o estilo Selton Mello nele foi o diretor, ou o jovem fala mansamente igual ao diretor, com o mesmo tom, mesmo estilo de interpretação calma demais, e isso em diversos momentos chega a cansar até, ou seja, precisa melhorar rapidamente seu estilo. Já que falei tanto de Selton Mello, volto a frisar que ando adorando seu estilo de dirigir, mas me incomoda demais a mesma expressão para todo tipo de papel, e aqui com seu Paco foi feito da mesma forma, então deixasse o papel para outro bom ator, que certamente faria melhor e agradaria mais, não que tenha feito algo ruim, muito pelo contrário, foi coerente nas diversas cenas, mas qualquer bom ator faria muito melhor. Agora se teve alguém que surpreendeu nem tanto pela interpretação e expressão que sabemos que sempre se sai bem, mas sim por falar tão bem português, foi Vincent Cassel, que chega a ser incrível dentro das duas fases do longa apenas removendo a barba para as cenas de flashback, e depois deixando tudo bagunçado para as cenas mais atuais de seu Nicolas, e se antes já gostávamos do ator, agora com seu jeitinho brasileiro, acabará conquistando todos, pois foi muito bem. Dentre as mulheres, todas foram bem expressivas e colocadas dentro de um certame correto ao menos da personalidade de cada uma, para a proposta de cada ato, desde Martha Nowill como a prostituta Camélia bem divertida com seu jeito diferenciado, passando pela beleza e ternura excêntrica de Bruna Linzmeyer com sua Luna, chegando até o gostoso lado maternal de Ondina Clais como Sofia, que teve poucas mas bem encaixadas cenas, até finalizar com o ar de suspense de Bia Arantes com sua Petra, ou seja, todas com leves detalhes, mas bem colocadas. Agora quanto aos garotos, todos foram divertidíssimos com suas colocações adolescentes bem pertinentes e cômicas, claro com destaque para João Prates que chega a ser chato com sua insistência, mas acerta no tom do personagem. E para fechar, mas não menos importante, temos de pontuar os ótimos olhares de Rolando Boldrin voltando aos cinemas após 18 anos, agora como Giuseppe, mostrando como se faz para o diretor, que tanto insisto que tem uma expressão só.
Agora certamente o longa merece um destaque importantíssimo para todo o visual dos anos 60 que a produção de Vânia Catani junto com toda a equipe de arte conseguiu fazer com locações perfeitas, carros da época, cinema de época com projetores, montagem de filmes, figurinos, tudo muito bem escolhido e reproduzido com destreza que nem grandes longas de altíssimos orçamentos se preocupam tanto, mostrando que podemos sim fazer filmes grandiosos, basta ir a fundo e trabalhar bem o orçamento. Mas poderia ter o melhor visual do mundo, e errar a mão no tom da fotografia, fazendo com que o filme ficasse simples demais, o que de forma alguma é o caso aqui, pois Walter Carvalho que já fez grandes longas nacionais, acertou demais no tom amarelado, criou nuances cênicas incríveis e fez com certeza o longa nacional melhor fotografado até hoje, montando os diversos ambientes para cada momento, na densidade correta de luz, passando apenas frestas para dizer exatamente o sentimento de cada cena.
Outro ponto excelente do longa ficou a cargo das escolhas musicais, que assim como a fotografia, acabou criando o ambiente certo e emocionando com o ritmo correto para que o filme passasse rapidamente, e até mais, fazendo com que o público ficasse nos créditos ainda escutando as belas canções, ou seja, vale a pena demais ouvir, e não iria deixar de fora um link para que todos curtisse em casa também.
Enfim, é um ótimo exemplar do que deveria ser realmente nosso cinema nacional, que baseando em diversas outras obras internacionais o acerto de Selton Mello e sua equipe foi gigantesco e merece demais ser conferido, pois combina arte bem feita com uma história bela e envolvente, ou seja, consegue bem fugir do estilo novelesco que dramas desse estilo acabam se tornando. Bem é isso pessoal, essa acaba sendo a recomendação da próxima semana, ou para hoje em algumas cidades que o longa está em pré, mas logo mais irei conferir as estreias dessa semana, então abraços e até logo mais.
PS: Daria nota 9,5 para o filme, mas como não tenho notas quebradas, vou reduzir meio ponto por Selton querer fazer tudo e não dar o Paco para outro bom ator.
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