Soundtrack

7/07/2017 01:25:00 AM |

Sempre gosto de dizer que o cinema nacional possui alguns pólos que não se conectam de forma alguma, sendo tão distintos que não tem como o mesmo público que assiste uma comédia boba goste de algo completamente introspectivo e que pontue ideias diferenciadas durante sua concepção. Ou seja, talvez você veja Selton Mello e Seu Jorge no pôster de "Soundtrack" e se interesse para ver qual ideia a trama vai mostrar e se não for realmente fã de dramas filosóficos com uma pegada até que bem ousada por trabalhar frio, solidão, músicas, ciência, entre outros pontos, certamente irá sair da sessão se perguntando o que foi fazer naquela sala. Não digo em momento algum que o longa soe cansativo, seja ruim, ou chato, só que é daqueles que só quem realmente gosta disso, irá gostar do que verá, pois o trabalho da dupla de diretores 300ml (Bernardo Dutra e Manitou Felipe) é algo bem elaborado, feito com minúcias, e que mostrou que nem sempre você será bem recebido por uma equipe.

A sinopse nos conta que o fotógrafo Cris viaja para uma estação de pesquisa polar, onde pretende realizar selfies para uma exposição de arte. Sua ideia é reproduzir em imagens as sensações causadas pelas músicas de uma playlist selecionada para a experiência. Lá ele se surpreenderá com visões de mundo completamente diferentes, na companhia de quatro cientistas que se dedicam a projetos grandiosos: Cao, botânico brasileiro que investiga a flora em situações extremas; o britânico Mark, especializado em aquecimento global; o biólogo chinês Huang e o pesquisador dinamarquês Rafnar. Juntos, eles descobrirão novos pontos de vista a respeito da vida e da arte.

Desconhecia o trabalho dos diretores, que conseguiram fazer de seu curta-metragem ("O Código Tarantino") um viral que pegou o mundo e deu certo (ainda não conferi, mas pretendo o quanto antes para saber o motivo do furor) e agora com sua estreia em longas-metragens, eles mostraram que sabem bem o que desejam com suas produções e trabalharam suas cenas com um intimismo bem colocado tanto por parte do roteiro bem dosado de ideias, quanto pelas escolhas de ângulos para incumbir a trama como algo mais abrangente. Confesso que nem todas as ideias conseguiram me pegar, mas isso mostra que o filme foi feito para diversos momentos e situações do público, criando "mais" do que um único filme para se assistir, e sim vários que irão se conectar com cada pessoa de modo diferente. Talvez para ficar perfeito, o longa devesse focar mais no nome realmente que é algo incrível de se pensar, pois uma trilha sonora diferente irá nos fazer enxergar um filme, uma paisagem, ou até mesmo uma foto de uma forma diferente, e com isso a proposta trabalharia junto com as diferentes personalidades dos cientistas na base e criaria uma perspectiva mais ampla, ou seja, seria um longa pontual e bem colocado, mas ao trabalhar síndromes, reflexões e até mesmo distopias, o longa acabou tomando um ar levemente cult e se perdeu um pouco, não fechando da melhor maneira possível.

Sobre as interpretações, todos que já leram minhas críticas sabem que pego muito na expressão de Selton Mello, e aqui não vai ser diferente, pois ao demonstrar excesso de seriedade com seu Cris, o ator diversas vezes parece mais emburrado do que qualquer outra coisa (parecendo aquelas crianças marrentas), mas nos momentos que trabalhou um pouco mais de densidade com os diálogos, conseguiu se expressar bem, e mostra o quanto de boas técnicas de direção ele já vem pegando nos últimos anos e só tem a melhorar, ainda prefiro ele atrás das câmeras do que na frente, mas isso vai ser algo difícil de tirar dele. Agora mesmo com poucas cenas para demonstrar um estilo expressivo forte, Seu Jorge conseguiu mostrar muita personalidade com seu Cao, colocando um inglês firme e bem trabalhado, forçando o semblante algumas vezes, mas aparentando cada dia melhor na atuação, quem sabe em breve protagonize algo maior e chame ainda mais atenção. Ralph Ineson colocou um tom forte na interpretação de seu Mark, mas também demonstrou uma vivência bem interessante que provavelmente estava descrita nas características do personagem, e com isso mesmo com muita truculência vamos nos afeiçoando a ele, e ficando com um final bem pontuado e bacana de ver por sua parte. Mesmo com um elenco bem enxuto, Thomas Chaanhing e Lukas Loughran ainda conseguiram chamar menos atenção ainda com seus Huang e Rafnar, só sendo lembrados realmente quando falavam com eles, ou faziam alguma ação mais impactante, como os momentos de controvérsia do chinês com o brasileiro, mas tirando isso, quase passam despercebidos na base, mesmo a ideologia do personagem chinês sendo algo bem trabalhado.

Outro trabalho magnífico da produção foi a de filmar quase que o longa inteiro em estúdio, na Islândia claro, e tudo parecia perfeitamente bem colocado no meio de uma imensa geleira, e com muita simplicidade, tudo ficou agradável, singelo e perfeitamente parecido com o que deveria aparecer na tela, e claro que sempre quando temos muito frio, neve, gelo, roupas pesadas, o longa acaba entrando numa densidade maior, a equipe de arte foi bem centrada para que seu longa não ficasse duro demais com poucas cores, sempre apoiando um detalhe aqui, outro ali, e o resultado ficou muito bom. Quanto da fotografia, sou suspeito, afinal todo longa com neve e gelo, o branco fica tão perfeito que qualquer ângulo escolhido a luz estourava bem levemente dando contrastes bem pontuais e interessantíssimos de acompanhar, ou seja, um ótimo trabalho técnico.

Não localizei a trilha sonora do filme para compartilhar o link, mas como o próprio nome do filme diz, ela é importantíssima para a maioria dos momentos, e os diretores falaram muitas vezes em depoimentos que diversas cenas foram feitas a partir da trilha, e não o contrário como costuma ocorrer, e cada momento bem marcado, pontuado por sons diversos, outros sem som nenhum deram um ritmo tão bem colocado que acabamos realmente entrando no clima do longa.

Enfim, é um filme diferenciado, que poderia ser daqueles de tirar o chapéu arrepiando em cada momento de tensão e que acabaria criando um clima magistral, porém acabou reflexivo demais para acabar simples demais, e assim sendo, é um filme que quem gostar do estilo irá sair bem feliz da sala, mas quem não gosta de longas introspectivos vai achar o maior porre da face da Terra. Volto a frisar que é algo que merece ser visto, mas com as ressalvas que fiz acima, e principalmente pontuando que não é um longa para todos os gostos. Bem é isso pessoal, fica assim sendo minha recomendação para esse longa nacional, quase todo falado em inglês, mas volto amanhã com o blockbuster da semana, então abraços e até breve.

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