Poucas vezes torci tanto para que um filme brasileiro fosse indicado ao Oscar como este que assisti hoje, não bastasse ter uma história polêmica por trás numa época adversa do Brasil, "Flores Raras" ainda consegue ter a fotografia e a interpretação mais perfeita que já vi em filmes nacionais, e olha que mais uma vez um filme nacional que é dito o mínimo em nosso idioma consegue entrar pro hall dos meus longas prediletos. Embora seja bem linear, a trama consegue tomar rumos interessantes com a narração mesmo que em pensamentos dos poemas perfeitos de Bishop e aliado a paisagem magnífica que conseguiram fotografar, temos um exemplar único em nossa filmografia nacional que realmente poderia concorrer de igual para igual nas premiações mundiais.
O longa nos mostra que o Brasil nos anos 50/60 passa por grandes transformações, Brasília é construída, a Bossa Nova faz grande sucesso e o Rio de Janeiro se transforma rapidamente preparando-se para deixar de ser a capital federal. É quando Elisabeth Bishop, poetisa americana, chega para conhecer o Rio de Janeiro e passar alguns dias com Lota de Macedo Soares, mulher forte e empreendedora da sociedade carioca. Com personalidades muito a frente de seus tempos, elas rapidamente estabelecem uma relação pessoal gerando muitas conquistas e perdas, que se refletem até os dias de hoje.
O instigante da trama é ver que mesmo sendo um longa com temática trabalhada e até difícil de ser explorada, o diretor Bruno Barreto optou por não transformar ele em um filme artístico complexo, mas sim em algo acessível a qualquer um que goste de um belo drama, onde elucida tanto os sentimentos das protagonistas quanto coloca pitadas históricas já que o filme é baseado em fatos reais. Dessa forma acabamos conhecendo parte do que ocorreu no período, mas acabamos também nos afeiçoando a tudo que elas sentiam uma pela outra sem colocar qualquer sentimento preconceituoso à tona. É essa beleza que o roteiro adaptado do livro "Flores Raras e Banalíssimas" consegue transmitir nas mãos de um diretor que soube utilizar todos os elementos de uma ótima produção de época a seu favor e não pestanejou ao utilizar câmeras em ângulos diferenciados e com muitos movimentos para que a linguagem sentimental de afastamento de personagens e tudo mais fosse mostrada sem precisar ser dita.
Numa frase dita no trailer que mantiveram no filme, Elisabeth pergunta para Lota onde ela aprendeu a falar inglês tão bem, e podemos fazer essa mesma pergunta para a atriz Glória Pires, pois sua fluência faz parecer que a atriz é uma nativa não tendo sotaque quase nenhum, e juntando isso com uma atuação precisa e interpretações minuciosas aonde com o tempo todo vai melhorando a cada cena, não hesitaria em dizer que ela teria muito mais chances de uma indicação à prêmios internacionais agora do que Fernanda Montenegro teve na época do "Central do Brasil". Miranda Otto transformou a poetisa numa personalidade que vai muito além do que qualquer um pudesse imaginar ter, joga ela outro patamar, elucidando suas fraquezas, seus sentimentos, seu modo de ser e até arriscando alguns diálogos em português com um sotaque bem divertido colocou a atriz em outro nível com sua atuação brilhante e concisa. Em compensação o sotaque de Tracy Middendorf aparentou ser brasileira, pois logo de início falou tão bem vários diálogos maiores em português que me deixou tentando lembrar quem era aquela atriz, só é uma pena que como a história praticamente é focada 100% entre Lota e Bishop, seu personagem acaba desaparecendo um pouco e perdendo forças, pois ela mostrou que teria um ótimo potencial dramático para chamar bastante atenção no filme. Todos os demais atores fazem bem seus papéis para chamar a atenção no momento em que estão enquadrados, mas praticamente nenhum obteve destaque nem mostrou muito forte para mostrar quem era na sociedade brasileira da época, tirando Marcelo Airoldi que segurou bem a personalidade política. Um destaque negativo que poderia ter sido removido é apenas a pequena cena da adoção, onde o diretor utilizou uma figurante cliché que fez ainda algumas caras estranhas que não condizem com a forma que qualquer pessoa faria numa situação daquelas, mas felizmente é um trecho de apenas 2-3 minutos no máximo que não atrapalharam tudo de bonito que o filme fez.
Que lugar é esse que arrumaram para rodar o filme? Se qualquer diretor procura algum lugar para fazer um filme paradisíaco é só chamar a mesma equipe de arte desse longa que não precisa de mais nada. Nos foi mostrado um cenário magnífico onde tudo ajudou para que os sentimentos fossem demonstrados juntamente com a beleza ímpar de cada elemento colocado na trama, por ser um lugar apto à mudanças, tudo que foi sendo construído e colocado no decorrer do tempo em que se passa o filme foi dando um ar característico de cada elemento que o diretor queria passar e com isso até mesmo um gato de rua passa a ter importância para a trama. Além dessa primeira cenografia na serra, o retrato de uma Rio de Janeiro épica onde as festas e celebrações de qualquer motivo eram regadas à muita champanhe pelos poderosos e políticos foi muito bem retratada com elementos cênicos perfeitos e instigantes de forma a ser usado até mesmo num dos diálogos mais fortes da protagonista. Agora o fotógrafo Mauro Pinheiro Jr. teve uma precisão ímpar em capturar as cores do cenário sem precisar colocar nenhuma gramatura para fazer época, deixando que cores vivas predominassem e aumentassem mais ainda a beleza do filme, tanto que se sair da sala sem sonhar com aquele lugar maravilhoso que a fotografia nos mostrou é ter dormido durante o filme e não ter aproveitado nada.
Enfim, um filmaço com todas as letras que vai morar juntamente com "Olhos Azuis" como sendo os melhores filmes nacionais que já assisti, é um retrato perfeito tanto da sociedade da época como algo sentimental altamente explorado por um ótimo diretor e atrizes magníficas que jogaram uma produção num nível difícil de ser comparado. Como falei no Facebook, se esse não for o filme indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar podem com toda certeza esquecer de concorrer por muitos anos, pois irão merecer ficar fora da premiação mesmo. A única coisa que fiquei com pena dele é não terem acreditado tanto no filme e colocado pouquíssimas cópias no circuito comercial, tanto que aqui no interior estreou somente 15 dias após a estreia nacional, e tenho certeza que em muitas cidades ainda demorará muito para aparecer. Fico por aqui agora, mas mais tarde teremos mais um filme para postar a opinião por aqui, então abraços e até mais pessoal.
2 comentários:
Dizer que ela não tem sotaque já é demais! Ela tem muito sotaque. Ninguém após os 12 anos consegue perder o sotaque da língua nativa.
Olá... Não disse que ela não tem sotaque... disse que "não tendo sotaque quase nenhum"... não se baseie apenas pelo trailer e confira o filme completo que notará muito pouco o acento carioca tradicional que estamos acostumado ouvir principalmente em eventos onde qualquer um tenta falar um mínimo de inglês que seja!
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