O Tempo e O Vento

9/27/2013 11:46:00 PM |

Há alguns dias atrás quando me perguntaram que filme brasileiro deveria ser escolhido para representar o país no lugar do escolhido "O Som ao Redor", fui categórico em indicar mesmo sem ver "O Tempo e O Vento", por um motivo bem simplista que já pode ser notado no trailer: possuir uma fotografia perfeita e aparentar ser uma megaprodução. Pois hoje após assistir, talvez não manteria o longa por um único motivo, o qual alguns vão falar que esse Coelho ficou louco: ter uma duração maior do que os 127 minutos. Explico o motivo dizendo que o filme é baseado em apenas 2 dos famosos livros de Erico Veríssimo, mas a história possui tantos detalhes que mereciam uma atenção especial e foram mostrados em questão de minutos para que coubesse numa mídia padrão, e isso é um pecado, pois matou muita coisa que ficaria interessante na tela. Conforme uma amiga mesmo disse no Facebook hoje no mercado internacional transformam um livro minúsculo em 2-3 filmes enquanto aqui preferimos perder cenas importantes para condensar num longa padrão. Em momento algum falo que o filme ficou ruim, muito pelo contrário, acredito que depois de "Olga", o diretor Jayme Monjardim teve em seu segundo longa uma produção de nível de esforço igual ou maior e merecia apenas mais uns 40-50 minutos que ficaria perfeito.

O filme conta a história da família Terra Cambará e de sua principal opositora, a família Amaral, durante 150 anos, começando nas Missões até o final do século XIX. Sob o ponto de vista da luta entre essas duas famílias, são retratadas a formação do Rio Grande do Sul, a povoação do território brasileiro e a demarcação de suas fronteiras, forjada a ferro e espada pelas lutas entre as coroas portuguesa e espanhola. Além de ser uma notável história épica, plena de heróis como Capitão Rodrigo e o índio castelhano Pedro Missioneiro, O Tempo e o Vento é uma profunda discussão sobre o significado da existência, da resistência humana diante das guerras. Por isso, para a adaptação cinematográfica, tomamos como estrutura o olhar feminino da quase centenária Bibiana Terra Cambará. Em meio ao cerco do casarão de sua família pelos Amarais, ela se valerá de sua memória, sempre deflagrada em noites de vento, para lembrar e contar sua história e as de seus antepassados. E, assim, resistir ao tempo e protestar contra a morte.

O trabalho de um bom roteirista, principalmente quando se trata de uma adaptação literária, é conseguir passar o conteúdo da história numa duração considerável. Claro que alguns diretores aumentam e outros cortam demais os roteiros. Aqui após 27 versões, acredito que a dupla de roteiristas conseguiu chegar num ponto razoável, mas que mereceria um pouco mais, não posso afirmar que bons trechos do livro tenham sidos acelerados pelos roteiristas ou pelo diretor, mas como já disse e repito, mesmo não sendo um grande apoiador de que livros devam ser adaptados de forma mais integral, aqui valeria a pena terem trabalhado mais tempo em cada passagem do filme. Mas, também podemos utilizar de uma forma simbólica e totalmente poética de que como o filme segue contado pelas memórias de uma velha quase centenária, sua memória está com lags e por isso temos momentos que ela não se lembra muito resumidos. Vou preferir então ficar com essa versão poética, afinal como produtor gostei da forma geral que souberam usar os R$ 13 milhões gastos. Outro fator bem interessante é notarmos que Monjardim mesmo sendo um conceituado diretor de novelas, optou por deixar muito mais com cara de cinema do que com cara de algo feito para virar minissérie, o que já foi notificado que irá passar na Rede Globo em alguns meses, e isso só mostra que ele poderia muito bem mudar o conceito de cinema no Brasil se quisesse, afinal quem não se lembra do primeiro filme do diretor que foi uma obra-prima chamada "Olga"?

No quesito atuação também possuímos um problema que precisaria ser lapidado melhor, afinal no livro temos uma tonelada e meia de personagens que em hipótese alguma caberiam num longa. Os principais até foram bem desenvolvidos, mas alguns foram exagerados demais para tentar promover os atores em questão. Fernanda Montenegro é uma lenda, todo mundo sabe disso, e seu personagem não poderia ser outro senão uma lenda gaúcha também, aqui o papel cabe perfeitamente nela, mas poderia nos momentos que está enquadrada usarem sua expressão a favor da câmera, colocando todo o sentimentalismo que ela sabe muito bem fazer, abrindo o quadro e não ficando apenas em closes, ficaria bem mais rico o filme e mostraria que aos 84 anos ainda bate em muitas atrizes da nova geração. Um exemplo claro de quem apanharia mais ainda do que apanhou é Cléo Pires, não vou negar que ela melhorou muito ultimamente, mas pra quem teve cerca de 20 minutos na tela sem dizer uma palavra não expressar um movimento ou olhar que o público falasse "nossa que atriz" é demais né, depois ela até desenvolve mais seu personagem, mas ainda caberia outras atrizes melhores. Marjorie Estiano ao contrário de Cléo, já é mais dinâmica nas expressões do que nos diálogos, embora tenha uma entonação gostosa de ouvir, mas como seu personagem é um dos que foram trabalhados muito rapidamente, então não deu para grafarmos muito sua atuação, porém mesmo assim se saiu bem. Um ponto bem engraçado é o personagem de Thiago Lacerda, pois não lembrava muito do que ocorria no livro, já que li ele há pelo menos uns 15 anos atrás, e estava completamente bravo com a divergência dele com a Fernanda, porém tirando esse fato icônico, o ator mais uma vez manda bem nos trejeitos que criou para o personagem, mas ainda está muito preso à interpretação novelesca, e em certos momentos cansam. Dos demais atores todos aparecem em momentos minúsculos, então ficar citando o que fez de melhor e pior daria praticamente uma dissertação de mestrado, mas vale destacar o trio Amaral, José de Abreu, Leonardo Medeiros e Paulo Goulart que agradaram mesmo fazendo muito pouco em tela.

Já ressaltei que é um filme extremamente bem produzido e como também já falei diversas vezes o que mais olho nos filmes é essa questão do quanto uma produção pode valorizar uma obra. Tecnicamente temos figurinos precisos de várias épocas, uma guerra bonita de se ver na tela, elementos cênicos bem empregados, e maquiagem interessante que até poderia ser melhor, mas agrada. Então tirando certos momentos que existem pequenas falhas técnicas de visual, o longa é perfeito e minucioso em detalhes, e isso pra mim basta como uma nova fase do cinema brasileiro, onde se quisermos sair das comédias sem graça, é possível. A fotografia trabalhou bem com a imagem mais suja de terra, o que é costume de filmes onde estamos falando de sertão, talvez pudessem usar mais tons escuros e frios, afinal estamos no sul do país ao invés de puxar para o amarelo e marrom, e embora agrade visualmente talvez isso possa ser considerado um erro técnico. Mas se unirmos as belas paisagens escolhidas pela equipe de arte e aliarmos a isso a foto trabalhada, tudo fica um deslumbre.

Enfim, um filme de época muito bem trabalhado que agradará tanto o espectador de novelas quanto o de cinema, e isso é mais um ponto positivo, já que ganhar os noveleiros não é uma tarefa fácil para o pessoal do cinema. Só poderiam ter pecado menos nos cortes de momentos importantes e em alguns momentos uma trilha mais emocionante agradaria mais, além de fechar os créditos com uma música americana nada a ver com a produção totalmente nacional que ainda estou tentando entender. O ingresso pago no geral vale bem a pena, mas gostaria de ter saído da sala de cinema bem mais feliz com o que vi, afinal era um dos longas nacionais que mais estava esperando nesse ano. É isso pessoal, fico por aqui hoje, mas essa semana será bem recheada de posts por aqui, então abraços e até bem breve.


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