É interessante ver como o cinema nacional evolui de uma forma bem estranha, pois mesmo aumentando o tamanho das produções, ainda insistem em utilizar muitas cenas de arquivo e câmera na mão para dar ritmo frenético a um filme. Isso é um pouco do mostrado em "Serra Pelada", que além disso contém um roteiro bem trabalhado nos diálogos e mais ainda numa reconstrução de época que há tempos não víamos em nossos filmes. Talvez se tivessem acalmado mais a mão sairia um excelente filme, mas em contrapartida não seria um longa de Heitor Dhalia, que é reconhecido pela câmera desordenada. Em diversos momentos você achará que está assistindo à "Cidade de Deus" ou até mesmo "Carandiru", mas as referências acabam sendo apenas jogadas ao utilizar um ou outro elemento de cada filme.
O longa nos situa em 1980. Juliano e Joaquim são grandes amigos que ficam empolgados ao tomar conhecimento de Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo, localizado no estado do Pará. A dupla resolve deixar São Paulo e partir para o local, sonhando com a riqueza. Só que, pouco após chegarem, tudo muda na vida deles: Juliano se torna um gângster, enquanto que Joaquim deixa para trás os valores que sempre prezou.
Muitos que lerem o parágrafo inicial podem achar que não gostei do que vi, mas muito pelo contrário, eu achei fascinante a forma que o diretor desconstrói os personagens de todos os atores, mostrando o que ele frisou em diversos diálogos que aquele lugar transforma as pessoas. E mesmo utilizando de diversos momentos em que a câmera parece maluca na mão do cinegrafista, isso vai fazendo com que o espectador também entre no mesmo clima que os protagonistas, trabalhando cada vez mais as expressões deles junto do momento em que o filme vai passando. Heitor já havia feito isso brilhantemente em "O Cheiro do Ralo" e agora utilizou das mesmas técnicas para trabalhar com muito mais personagens e com um orçamento muito maior também, aonde pode recriar o garimpo da melhor forma criativa possível, utilizando 1600 figurantes, o que deu um visual monstruoso em diversas cenas.
Se Heitor é famoso por fazer seus atores trabalharem muito bem, então vamos falar deles, afinal uma das melhores coisas do filme está no elenco. Se muita gente acha fraco o trabalho de Juliano Cazarré nas novelas, precisa assistir rapidamente os filmes que participa até mesmo os que praticamente figura, pois o cara é o ator de cinema com mais expressões possíveis, e aqui ele embora comece com cara de bobo, mas que só não vê suas reais intenções quem não quer, só vai piorando sua forma íntegra, denegrindo sua imagem e virando praticamente um assassino a sangue frio que faz de tudo pelo poder, e isso sempre sendo autêntico, o que é muito bom de ver na tela em um único ator, para melhorar poderia ter sido mais sujo em alguns momentos, que agradaria mais ainda do bom que foi. Julio Andrade também trabalha bem, mas seu personagem começa como principal, faz cenas boas como principal, atua como principal, mas vai numa decaída de interpretação no final que se tivesse mais uns 30 minutos de filme era capaz de ficar preso na figuração recebendo o mesmo cachê dos 1600 peões de obra, pois vai ficando apagada demais sua interpretação de forma que em sua última cena não consegue convencer nem mesmo dentro da sua própria família. Matheus Nachtergaele é um mito, e quando está disposto a entrar de cabeça num personagem, vai com os trejeitos na melhor forma possível até ir pra vala, e sua interpretação é ímpar em todos os momentos de forma que até repetindo frase fica bom de ser visto. Wagner Moura que era pra ser um dos protagonista, mas como o longa demorou demais para sair do papel, fez apenas algumas cenas e mostra que sua loucura é melhor ainda em papéis pequenos e carecas, pois fiquei com medo dele na cena junto do delegado. Sophie Charlote inicia no cinema de forma contundente e trabalha muito bem, ficaremos no aguardo de um papel maior para que possa trabalhar mais os diálogos, mas no quesito expressão, aqui já deu para conferir que é melhor ainda no cinema do que na TV.
A cenografia que se passa tanto em Belém como em Mogi das Cruzes e Paulínia, foi feita embasada numa pesquisa muito rica que só quem viveu mais ou menos perto da época ou já viu filmes que se passam nessa época saberá valorizar, pois desde ótimos figurinos totalmente dentro do contexto e muito bem colocado, até os puteiros que eram bem místicos com suas coisas estranhas foram caracterizados com perfeição pela melhor equipe de arte que conhecemos comandadas pelo brilhante Tulé Peak. O uso excessivo de imagens de arquivo que reclamei de início foi compensado por uma fotografia mais que perfeita, suja na medida exata para integrar as imagens existentes com as filmagens sem que ficassem exageradamente escancaradas, e isso poderia até ter sido melhor visto se não exagerassem tanto nas câmeras corridas na mão.
Uma coisa que ao mesmo tempo ficou bonita pela reconstrução de época, mas que cansa demais é ficar ouvindo durante toda a duração do filme as péssimas músicas que tocavam. Sinceramente não sei como as pessoas aguentavam ouvir aquilo. Como uso do filme excelente, mas como gosto musical é doído demais a breguice que tocavam na noite de bordéis e por aí afora.
Enfim, é uma produção de nível exemplar que poderia figurar como o melhor filme nacional do ano, mas que acaba pecando por alguns excessos. Agrada muito como algo marcante duma época difícil e também pela desconstrução que o dinheiro e poder faz em qualquer pessoa, seja na época em que for, e nesse quesito o longa é um acerto gigante. Então haverá críticas espalhadas de toda forma possível, onde alguns adorarão, outros odiarão e outros pontuarão coisas boas e ruins como fiz, mas que tem muito mais boas do que ruins. Recomendo para quem gostar de filmes mais certinhos que tente ver ele como uma série mais rebelde, senão a chance de reclamar do que verá é bem grande, e para quem gostar de filmes mais diferenciados tentar não entrar tanto no clima novelesco que algumas cenas possuem. Pois tirando esses detalhes que citei, o longa deve agradar a todos. Fico por aqui hoje encerrando as estreias da semana, mas ainda tenho de conferir os atrasados que apareceram agora por aqui, então abraços e até bem breve pessoal.
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