Quando um filme nacional estreia tão falado de rodar festivais, ter grandes comentários, alguns burburinhos por cenas de nudez, e tudo mais, já é mais do que suficiente para que eu vá assistir o filme com os dois pés atrás, e foi assim que fui hoje pronto para ver mais um longa confuso de Karim Aïnouz, já que seus dois últimos filmes não me agradaram muito. Mas o que vi hoje foi algo mais bem trabalhado, não feito apenas para pensar e funcionando mais como um filme dramático mesmo, onde até fazer em 3 capítulos funcionou bem, e para quem estava com receios de ver um filme homossexual no cinema, basta ir de cabeça aberta que as cenas entre os protagonistas nem incomodam tanto, pois o foco aqui está mais em querer mostrar os opostos e que todos possuímos algum medo, mesmo que não o revelamos nem sob tortura, e o final do filme, que o diretor finalmente imprimiu sua opinião, diz tudo de uma forma muito bonita.
O longa nos mostra que Donato é salva-vidas na Praia do Futuro, em Fortaleza. Ayrton é um menino que sonha com motos e super-heróis e admira a coragem do irmão mais velho em se jogar nas ondas para salvar desconhecidos. Quando falha pela primeira vez em resgatar uma vida no mar, Donato acaba conhecendo Konrad, um alemão piloto de moto velocidade, amigo do afogado. Donato parte com Konrad para Berlim e desaparece, deixando o irmão mais novo para trás. Anos depois, Ayrton, já adolescente, se aventura em busca de Donato para um acerto de contas com aquele que considerava seu herói.
O diretor soube fazer algo que poderia ser totalmente forçado e que só recairia reclamações sobre o filme, mas optou por trabalhar uma vertente mais psicológica para criar emoção que o caso homossexual se não fosse tão explícito, acabaria nem sendo tão necessário para a trama, embora o envolvimento inicial dos protagonistas seja meio fraco, eles acabam tendo uma convivência até que interessante na segunda e terceira parte do filme. Além disso, as escolhas das tomadas de câmera bem proximais foram um grande trunfo para enfatizar sempre o momento, não importando que o filme se passasse no Ceará, em Berlim, ou onde quer que fosse, a história é mais abrangente e pode ser vivida por qualquer um independente do sexo, o que deu ao filme uma vivência maior para ser trabalhada. Claro que nem tudo são flores, e o diretor em certos momentos abusa do simbolismo e faz o ponto de virada de um relacionamento sempre em boates, gostaria de saber o porquê dessa escolha se algum dia tiver a oportunidade de perguntar em algum evento, e com esses simbolismos somente quem já viu algum filme dele poderá entender, senão vai aparentar apenas uma briga cotidiana de casal sem um fundo qualquer. Mas as cenas dentro do mar já fazem valer inúmeros pontos para as escolhas dos ângulos, refletindo bem o que se passa tanto no começo, quanto nas cenas apenas no barco que dão uma certa comoção sem dizer nada.
Não posso falar que o nível de atuação dos protagonistas é algo sensacional, pois já vi Wagner Moura melhor em diversos outros filmes, e aqui além de demonstrar, mesmo que imparcialmente, o medo que fazia parte da trama, aparentou também estar um pouco inseguro para fazer as cenas mais fortes e com isso fez um papel interessante, mas fraco comparado à toda sua história, ainda que no filme tenha sido bem válida toda atuação que fez. Clemens Schick fez uma boa escola de português para atuar no filme, de forma que somente no início dentro do carro por ser um cenário abafado, ficou um pouco difícil de entender o que diz, mas no restante mandou bem nesse quesito, e além disso sua primeira fase foi excelente em quesito interpretativo com trejeitos bem encaixados que simplesmente sumiram no segundo ato e voltou bem de leve no terceiro, então se tivessem trabalhado um pouco mais o ator, poderia ser uma atuação bem interessante de ser lembrada. Jesuita Barbosa aparece somente no terceiro ato e como sempre acerta a mão na sua interpretação, fazendo seus momentos valerem bem a pen, mostrando todo sentimentalismo de ter sido abandonado pelo irmão/herói e tudo que diz condiz com o que está fazendo. O jovem Savio Ygor Ramos também mandou bem nos seus momentos infantis que agradam pela simplicidade de um roteiro preparado para ele, e seus momentos no primeiro ato junto de Wagner agradam bastante, mesmo sendo poucos. Sophie Charlotte Conrad apareceu mais para brincar com Jesuita, mostrando que ainda é um garoto por dentro, e a atriz mandou bem na diversão e fez seus atos de forma coerente com o momento. De personagens que devam ser lembrados do filme são apenas esses, mas no IMDB e nos créditos apareceram nomes da esposa e filho do Heiko, mas não lembro de ter visto essa cena, portanto imagino que tenha sido cortada mesmo da versão final do filme.
A equipe de arte trabalhou bem para fazer um filme condizente em dois países e ainda convencer com poucos elementos cênicos, optando mais pelos ambientes próprios de cada locação, claro que destacando a praia onde tudo ocorre, o aquário onde o protagonista passa a trabalhar na Alemanha, a oficina de motos muito bem equipada, a boate que parece no segundo ato só ter Wagner dançando e no último ato coube mais gente para Jesuita arrumar uma gringa, e até mesmo os apartamentos mais simples que foram usados conseguiram transmitir bem as sensações de cada momento, sem precisar dizer muitas palavras nem enfeitar muito a cena, ou seja, um trabalho coletivo de dois países que resultou num longa bem elaborado visualmente. O fotógrafo alemão Ali Olay Gözkaya conseguiu imprimir uma marca visual clássica, mas sem ficar batendo nos mesmos ângulos tradicionais que dramas acabam tendo, e com isso usando de cores distintas para cada ato, acertou bastante na maior parte do tempo.
Enfim, é um filme interessante que contém alguns detalhes que poderiam ser melhores para agradar mais, porém é um filme para ver de mente aberta e que com um fechamento correto consegue ligar todos os pontos chaves da trama. Não é um filme que recomendaria para todos, pois muitos não conseguem ter uma visão mais abrangente de como o mundo anda hoje, tanto que logo após a primeira cena de sexo, algumas pessoas já se retiraram da sala, então se você não ligar para isso e gostar de um filme diferente do comum, poderá gostar do que vai ver. Ao menos não precisei jogar todas as pedras que imaginava jogar com o que vinham dizendo da trama, mas esperava ver um Wagner Moura melhor ao menos. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas ainda falta mais uma estreia para conferir nessa semana, então abraços e até breve.
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