Boa Sorte

11/28/2014 03:00:00 AM |

É engraçado chegar na bilheteria do cinema, a moça perguntar qual o filme e você responder "Boa Sorte", não é um nome interessante, daí ela lhe entrega o bilhete e fala boa sorte, fica mais engraçado ainda. Mas diferente do nome que causa toda essa polêmica, o filme é bem interessante, e aqueles que falam que só falo mal de filme nacional, hoje vão cair do cavalo, pois é um longa bem simples, mas que envolve e com atuações bem pontuadas consegue fugir do clichê novelesco e agradar sem ser forçado em demasia. Claro que na bilheteria deveriam dar uma restringida por perfil, pois conhecendo uns malucos que vão assistir, podem sair da sala querendo mandar um remedinho com Fanta pra ficar invisível.

O adolescente João tem uma série de problemas comportamentais: ele é ignorado pelos pais e se torna agressivo com os amigos de escola. Quando é diagnosticado com depressão, seus familiares decidem interná-lo em uma clínica psiquiátrica. No local, ele conhece Judite, paciente HIV positivo e dependente química, em fase terminal. Apesar do ambiente hostil, os dois se apaixonam e iniciam um romance. Mas Judite tem medo que a sua morte abale a saúde de João.

Embora seja o longa de estreia na direção de Carolina Jabor, por trás dela está a experiência de ter um pai que já fez muito e do marido Guel Arraes que é mais cineasta ainda, e que também assina a produção do filme. E com um roteiro de Jorge Furtado e Pedro Furtado, não temos como ficar jamais com o pé atrás do que o filme poderia atingir, afinal como diria Fausto Silva, "só tem fera, bicho!". A síntese do longo embora bem polêmica, foi desenvolvida de uma forma bem singela, e felizmente não ficou com cara de novela da tarde, o que era bem fácil de acontecer devido à temática do longa. Um grande acerto na direção está por conta da liberdade que deu aos personagens, pois o que vemos na tela é toda a essência desenvolvida de cada ator que cada um conseguiu passar para o seu personagem em questão, e isso é algo tão difícil de acontecer nos longas nacionais, que acaba impressionando. Com ângulos também bem despojados não ficando na mesmice, a diretora conseguiu dar uma cara jovial e envolvente para a trama, de forma que mesmo todos sabendo quase que 100% o que vai acontecer no final, afinal longa desse estilo não consegue disfarçar o clichê, acabamos torcendo pelos personagens e no decorrer do filme já estamos quase amigos pessoais de cada um, e nos divertimos demais com as cenas de "invisibilidade".

Sobre a atuação, se existe uma atriz nacional que considero extremamente forçada é Deborah Secco e felizmente aqui ela jogou todos meus preconceitos fora com a vivência que deu para sua Judite, emagrecendo um monte, pirando junto com a personagem, precisando ser internada realmente e tudo mais em nome de uma boa produção, e o resultado é visto nas telas, de forma que já na cena que dança junto dos demais protagonistas já ganhou o filme. João Pedro Zappa é um jovem que vem despontando no cinema nacional e aqui atuou tão bem, com a ingenuidade precisa que o personagem pedia que acabou ficando muito bem feito, e mesmo com algumas cenas tendo pequenos deslizes de olhares, mandou bem demais e claro se deu bem nas cenas mais quentes com a protagonista. Pablo Sanábio aparentemente seria um coadjuvante de luxo com seu Felipe, mas suas duas cenas principais são tão boas que depois qualquer cena que está enquadrado você já acaba remetendo os olhos para ele, vejo um longo futuro para o ator. Dos personagens que fazem pais e médicos, o destaque vale claro para a única brasileira indicada ao Oscar, Fernanda Montenegro que mesmo estando presente em tão poucas cenas conseguiu chamar atenção brilhantemente, suas cenas finais são na medida. E Cássia Kis Magro que abusou da seriedade no personagem da médica da clínica e conseguiu fazer bem o papel, mas toda a robustez assusta um pouco.

Visualmente a clínica foi muito bem escolhida como cenário e por ser bem rudimentar, ainda serve como uma acusação frente aos lugares que temos para tratar dependentes pelo Brasil, e cada ambiente ali foi retratado com cores e simbologias próprias para desenvolver o momento dos personagens de uma maneira riquíssima de conteúdo, não necessitando quase de objetos cênicos, mas sim um trabalho cenográfico de ambientalização que ficou muito mais interessante de tentar captar os sentimentos. A fotografia usou uns filtros exagerados puxando o tom para o místico, meio borrado demais na tela, o que para envolver a paranoia dos personagens até é válida, mas poderia ser menos forçada que agradaria mais.

Mesmo o filme sempre puxando para baixo, já que a temática pedia isso, foram espertos o suficiente de escolher as trilhas sonoras usando do inverso, levando o clima mais para cima e fazendo com que os personagens não soassem tanto como coitadinhos, mas vivenciassem o seu momento ali, com desenvoltura e ritmo para que o longa agradasse bastante. Então temos boas canções tocadas funcionando tanto apenas no desenrolar da história como também no clima do filme.

Enfim, não é um longa perfeito, mas consegue funcionar bem dentro da proposta, e envolve o público como disse acima. Talvez se desenvolvesse mais alguns personagens da família do jovem, ou outros malucos da clínica não ficando apenas com uma cena para cada ato, o filme teria mais fluidez e chocaria mais, apesar de não parecer a ideia dos roteiristas, e assim sendo, o resultado foi bem maior do que poderia imaginar. Recomendo ele como sendo uma boa alternativa para quem gosta de longas nacionais, e claro para mostrar que o nosso cinema tem evoluído, só basta querer criar novos temas. Fico por aqui agora, mas esse foi apenas o começo dessa semana, que embora não seja a mais movimentada do ano, ao menos veio uma quantidade interessante. Então abraços e até breve.


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