Os Amigos

12/11/2014 10:24:00 PM |

Chamar alguém de "meu amigo" é algo que as vezes pode se tornar tão frequente que acabamos perdendo o foco da real amizade, e o velho ditado as vezes funciona bem ao dizer que somente sabemos quem realmente é nosso amigo quando precisamos. No filme "Os Amigos" essa questão acaba sendo apenas uma base frente a inquietude poética que a diretora nos afronta, e com isso o longa acaba quase flutuando com muitas ideias e pensamentos da mente do protagonista. Não posso afirmar que saí da sala do cinema apaixonado pelo que vi, mas posso dizer que é um filme para refletir nossos momentos bons e ruins, principalmente ao lado das pessoas que amamos, e de preferência antes que elas se vão, pois quando o buraco abre não tem volta, e um baque sempre vai trazer emoções de todos os lados.

O filme nos mostra que sem amizade não existe o amor. Um dia especial na vida de Théo. Pela manhã, ele vai ao funeral de seu melhor amigo de infância. Durante o dia, as lembranças vêm, levando Théo a olhar a vida de uma outra maneira. É Majú, uma amiga por quem tem grande afeição, que o ajudará a recuperar as esperanças.

A diretora e roteirista Lina Chamie trabalhou o filme de uma forma bem interessante ao mostrar diretamente na obra suas bases, pois como o longa usa de referência o poema "Fábula de um Arquiteto" e o romance "Ulysses", a montagem criada acabou desenvolvendo bem as duas obras trabalhando o lado do poema com a narrativa própria do filme e com os atores principais, e o texto mitológico interpretado por um grupo teatral de crianças, o que se algum dia você estiver zapeando os canais da TV e estiver passando o longa é capaz de não entender bulhufas o que está ocorrendo. E incrivelmente esse estilo funcionou muito bem para que ao mesmo tempo que o protagonista demonstre sua tristeza por perder o melhor amigo de infância, o qual fazia muito tempo que não via na vida adulta, conseguiu ir traçando sua vida e suas prioridades com o baque durante o dia tendo as boas lembranças que viveu com ele. E toda essa liberdade poética acaba sendo amarrada pela melhor amiga da atualidade, que mesmo tendo seu conflito forte, sempre arruma o ombro amigo para ajudar o outro. O filme comete alguns pecados em relação ao ritmo que poderia ser melhor desenvolvido, mas a montagem foi tão bem trabalhada que consegue maquiar quase todos as gafes da trama, resultando em algo até que bem gostoso de assistir.

Na atuação Marco Ricca construiu seu personagem Téo da melhor forma possível colocando todas as suas dúvidas na sua expressão, fazendo com que em diversos momentos seu personagem saísse da tela para os nossos próprios dilemas, e isso de uma forma incrível sem necessitar quebrar a barreira da câmera, o que costuma acontecer em muitos filmes europeus quando o protagonista dialoga com a câmera, e aqui isso não foi necessário, pois a interpretação do ator dentro do texto proposto já conseguiu fazer isso tão bem que acaba sendo interessantíssimo de acompanhar, ou seja, foi perfeito. Dira Paes é daquelas atrizes que amamos fazendo qualquer coisa, pois se encaixa sempre com o tom correto que o personagem pede, e sua Majú é daquelas amigas que qualquer um tem de ter na vida, que te ama acima de qualquer coisa e mesmo que necessite brigar com você para te tirar de uma enrascada, vai fazer na hora certo, e com toda certeza não existia atriz melhor dentro do cinema nacional para o papel, ou seja, um show a parte. Dos demais apenas são bem coadjuvantes que aparecem na história bem de passagem para dar mesmo o sentido que falei no começo de que nem todos que chamamos de amigos vão ser nosso suporte quando precisamos, e aí é que entra a pior parte da direção de atores, pois os que já são renomados fazem bem mesmo sua pontinha, enquanto os que não são tão conhecidos assim, e até mesmo alguns principiantes agiram de forma decorada total de texto, soando completamente artificial, o texto falado no táxi é apenas a coisa mais assustadora possível com a garotinha e o motorista quase fazendo um jogral com os protagonistas, muito ruim mesmo, e por esse e mais algumas outras cenas, o longa quase foi por água abaixo. Agora alguém que mereceria um ótimo destaque mas não consegui ler o nome do garoto nos créditos, e quem quiser creditar nos comentários até altero o texto depois é o garotinho nerd que tem uma das conversas mais bacanas que já vi numa loja de brinquedos, algo completamente sensacional e merece os parabéns pelo que fez.

Visualmente a capital São Paulo não é das cidades que mais agradaria para o estilo que o filme pedia, apesar de servir como co-protagonista pelos atos e situações que ela implementa na vida das pessoas, talvez um lugar mais poético para o que o filme desenvolve cairia melhor, mas ainda assim, foram escolhidos locações bem trabalhadas para desenvolver os sentidos que o protagonista vai sendo posto à prova, e isso é bacana, pois em diversos momentos funciona quase que como um contraste nas cenas com o que está ocorrendo e aonde a mente do protagonista está voando. Nas cenas do teatro infantil, o desenvolvimento artístico da cena é bem bacana e é incrível como pequenos elementos do circo como panos e cordas acabam chamando a atenção. A fotografia trabalhou demais com foco e desfoque, que é uma coisa que particularmente não gosto muito, pois atrapalha a naturalidade da cena, pois você não vê duas coisas desfocando uma para chamar atenção pra outra, e isso se tivessem desenvolvido melhor na iluminação ficaria mais rico e agradável, então poderia ser bem melhor.

Enfim, não é dos melhores filmes nacionais da atualidade, mas pela linguagem ousada e bem desenvolvida consegue acertar mais do que errar, e agrada bastante. Assim como saí da sessão sem saber se realmente gostei do que vi, talvez o filme deixe algumas incógnitas também na cabeça das demais pessoas que forem assistir, mas só de fazer com que pensássemos nas nossas vidas de uma forma mais proximal, o longa já vale bastante. Além claro de fugir das besteiras que nosso cinema as vezes nos impõe acaba sendo uma amostra de que temos também longas diferenciados e bem feitos. Portanto fica como uma dica alternativa bem interessante para assistir de preferência de uma única vez, ou seja, no cinema, pois em casa mudando de canal é capaz de ficar um pouco confuso. Bem é isso meus caros leitores (não vou falar amigos senão acabo já fugindo da proposta do filme), fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais um longa que apareceu atrasado por aqui, então abraços e até mais.


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