Sei que você que está lendo esse meu texto já passou por algum momento que desejou matar algum atendente de órgão público, ou desses telefonistas chatos, ou o patrão/chefe insistente, ou até mesmo algum conhecido por algo que lhe deixasse completamente irado, e isso é normal da personalidade humana, mas ao sair do pensamento para a prática, aí a coisa já fica um pouco mais complicada. Pois bem, em "Relatos Selvagens", os melhores atores argentinos nos presenteiam com as situações mais desesperadoras pelas quais passaram, colocando sua raiva para fora, mas com muito motivo, e em 6 curtas maravilhosos e completamente divertidos acabamos rindo das situações que com muita certeza desejaríamos fazer o mesmo que eles, ou seja, nos vemos com os protagonistas, e isso que é bacana. E com uma direção precisa, novamente o cinema argentino nos mostra que não basta fazer comédias, tem de saber aonde vai a bobagem e aonde cabe a loucura, ou seja, mais um longa deles que foi indicado ao Oscar e diversas outras premiações, enquanto ficamos dentro do patamar novelesco bobinho e simplório.
O filme conta uma história de tragédia, amor, decepção, passado e violência, que espreitam a superfície do cotidiano. Vulneráveis às mudanças inesperadas da realidade, os personagens são levados para o abismo e para o prazer de perder o controle, atravessando a pequena linha que divide a civilização da barbárie.
Falar de cada história individualmente é quase que dar spoilers gratuitos, pois o que leva a nos divertir é conhecer cada situação limitante no momento exato em que é apresentada, e isso foi feito de uma maneira tão peculiar pelo diretor e roteirista Damián Szifrón que não temos como achar defeitos no contexto de cada um dos trechos, mas sim nos imaginar naquela situação como resolveríamos da forma civilizada, e num momento mais explosivo. O que posso adiantar apenas são meus trechos preferidos, que com certeza é em primeiro lugar o episódio do engenheiro interpretado por Ricardo Darín, em seguida a história de abertura do avião, logo bem próximo a história do jovem no automóvel, e fechando com chave de ouro, a confusão no casamento. Não que as duas outras histórias sejam ruins, mas são as que menos me envolveu, embora a do restaurante muitos sonhem em um dia fazer aquilo. A classe que o diretor trabalhou para compor cada história é algo que não consigo imaginar, pois mesmo tendo nossos momentos de raiva explosiva, tudo foi tão bem elaborado que se acontecesse na minha frente hoje, iria rir só de pensar no que vi no filme, já imaginando não ser real, mas repito, pode acontecer tranquilamente com qualquer um, e diante da forma clássica da filmagem argentina, que sempre mistura drama e suspense nas suas comédias, o resultado do trabalho ficou digno dos prêmios e indicações que tem levado, e se antes não conhecia esse diretor, agora posso com certeza colocar o nome dele em algum lugar para que seu próximo filme veja correndo.
Sobre as atuações é algo até difícil de falar, pois temos tantos atores bons fazendo personagens brilhantes que daria uma tese completa analisar cada um deles, e digo mais, conhecendo o cinema americano, não duvido que logo mais comprem os direitos da produção para fazer uma versão americana com um elenco monstruoso também por lá. Mas vamos lá falar ao menos dos destaques, e claro não poderia começar falando de outro senão Ricardo Darín, que é um dos atores argentinos mais conhecidos fora da Argentina, e aqui trabalhou de forma tão bem colocada que não temos como não lembrar de seu Roberto em "Um Conto Chinês", pois seu Simón aqui novamente é levado ao limite por uma situação cotidiana que realmente irrita a todos, e ele sabe segurar seu lado mais forte para o momento exato da trama, e isso é excelente de ver em todos os filmes que faz. Leonardo Sbaraglia trabalhou muito bem encaixando seu Diego com uma história bem maluca de briga de estrada, mas soube demonstrar diversas nuances expressivas em cada momento da sua história, e isso é bem bacana de ver. Agora o grande destaque feminino ficou por conta de Erica Rivas, que fez de sua Romi, uma mulher completamente insana ao surtar com o que ocorre em seu episódio, a mulher trabalhou trejeitos, fez diálogos impactantes e brilhou totalmente de forma a fechar o filme com chave de ouro, um luxo que poucos diretores conseguem ter em suas mãos. No episódio de abertura do avião, por ser bem curto e com muitos atores não dá para destacar ninguém, mas a simples colocação da temática já foi algo genial e vale a pena pelo contexto que todos trabalharam bem.
Visualmente temos um filme muito interessante, pois ao trabalharmos pequenos trechos, não ficamos presos em nenhum cenário particular, e isso com toda certeza foi de um trabalho monstruoso para a equipe artística, mas que resultou em algo que merece muitos aplausos, pois cada um dos episódios possui sua própria característica cênica, seus próprios elementos para brilhar tanto a atuação dos protagonistas, quanto mostrar realmente o momento correto, e isso já é difícil de acertar num único filme, quanto mais em seis conjuntos, ou seja, perfeição novamente que merece ser reparada detalhadamente. Sobre a fotografia, posso repetir tudo que disse da equipe de arte, mas ainda dá para frisar que com tons quentes usaram sabiamente cada momento chave com cores a beira da explosão, mas claro que sem errar, e isso para alguns pode até chocar, já que alguns não são muito fãs de tensão explosiva, mas os fãs de filmes de Almodovar e Tarantino podem se preparar para sair do cinema em êxtase com o que lhe será presenteado a cada trecho.
A trilha sonora de Gustavo Santaolalla é outro ponto da trama que nos deixa no ritmo forte que quiseram nos impor, tanto que o filme parece curtíssimo, mas tem mais de duas horas, e abusando de acordes que nos remetem ao rock tradicional e até marcações clássicas do tango de impacto, o compositor dá a amarração perfeita para que o filme envolva muito e agrade demais a cada ponto preciso dos episódios.
Enfim, é um filme que se você não viu por ter estreado em poucos lugares, já marque em qualquer lugar para alugar, ver online ou de qualquer forma obrigatoriamente, pois é algo genial e muito bem feito. Garantia de muitas risadas e percepções artísticas de uma maneira que quem ainda não for fã dos longas argentinos, com certeza vai sair buscando muito mais após conferir o filme. Recomendar ele é uma palavra muito pequena perto da grandiosidade do filme, e já estou bem curioso para ver o filme que acabou levando o Oscar de Melhor Estrangeiro, pois ganhar desse espetáculo é algo que tem de ser muito bom. Infelizmente o longa ainda não estreou em Ribeirão Preto, e torço que apareça logo para que mais amigos possam conferir, como vim para Rio Preto passear e visitar a família, aproveitei que o longa estava em cartaz por aqui para ver em boa película num dos cinemas da cidade, que ainda não se digitalizou, e acho que esse é o principal motivo de ainda não ter passado por Ribeirão já que a estreia oficial foi em Outubro de 2014 no Brasil. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas ainda falta uma das estreias da semana para conferir, então abraços e até breve.
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