Alguns filmes trabalham tanto o drama com pontuação tematizada instrumental que acaba irritando o espectador que já até sabe a hora que vai acontecer algo ou aparecer alguém que não é bem-vindo. Muitos que forem sem ler nada assistir a "Vic + Flo Viram Um Urso" podem demorar até um bom tempo para compreender o que está acontecendo, pois inicialmente parece que o longa é algum tipo de continuação de outro filme, pois não temos a parte introdutória de apresentação que é comum na maioria dos filmes, tudo acaba acontecendo pontualmente e temos de ir assimilando, mas garanto que se o diretor tivesse entregue alguns detalhes extras, principalmente o crime de Florence no passado, o longa envolveria muito mais e ainda assim continuaria com o clima de suspense da trama, mas ao relativizar tudo, o resultado final embora seja condizente com tudo que ocorreu no restante, ainda ficou como um filme que não sabemos se gostamos ou não, perdido no meio do caminho.
O filme nos mostra que Victoria Champagne é libertada da prisão. Instalada em uma cabana no meio da mata, ela deve informar suas atividades semanais ao agente da condicional. Florence Richemont, sua companheira de cela e de intimidade, é liberada mais tarde e se junta a Victoria na floresta. A partir disto, começa uma estranha dinâmica entre elas, que precisam se proteger dos fantasmas do passado.
Se existe algo interessante no roteiro é a forma que cada um dos protagonistas enxerga e desenvolve a sua própria prisão interior, e isso é algo que acaba desenvolvendo nossa forma de pensar e refletir junto com tudo que ocorre, de forma que o diretor Denis Côté acaba tornando a trama interessante com suas nuances, mas ao ser alternativo demais e pontuado demais, quebrando cada momento sem uma fluidez, acabamos de certa maneira dispersos em relação à tudo que acaba sendo mostrado, pois a cada buraco, por ser um filme pensante, sobra tempo para que você viaje no que está acontecendo e ao voltar para a tela, já não está conectado com algo novo e reflexivo que está sendo mostrado. Então não posso falar que é um roteiro ruim, mas deveria ter sido trabalhado ou completamente aberto para pensar ou atacando todo o suspense/drama que a trama caberia e resultaria num filme espetacular. Mas dessa maneira o resultado repito o que falei no começo, fez o diretor parecer não querer agradar nem a ele mesmo, muito menos aos espectadores, deixando tudo sempre em cima do muro.
Sobre a atuação, chega a ser engraçado o quão caracterizada ficou Pierrette Robitaille como a ex-presidiária homossexual Victoria, de maneira que mesmo que não fosse, acabaríamos imaginando isso de seu jeito que acabou incorporando, isso claro é um grande feitio da atriz e não temos o que reclamar de sua expressão, mas talvez se fugisse um pouco do estereótipo criado chamaria mais atenção. Valerie Donzelli faz de sua Florence uma personagem complexa e que não é possível determinar um rumo condizente apenas com o que faz na tela, talvez sendo necessário pesar algo a mais de nossa própria cultura para aceitar ou não seus atos, e isso como filme julgaria um pouco errôneo, afinal o roteiro pode ser dúbio e nos levar a refletir, mas o personagem sem rumo, mostra falha na concepção do ator, talvez determinar se queria ser de impacto ou impactante agradaria mais. Marc-André Grondin faz o agente Guillaume parecer o ponto de quebra da trama, pois a todo momento que aparece ficamos quase que como um anjo analisador de conduta que quer determinar se vai levar as almas para o céu ou para o inferno, e incomoda demais sempre suas aparições sem determinismo, pode ser até que não agrade tanto se o virmos de outra maneira, mas ao mesmo tempo que soa fofo como Florence o vê em alguns momentos pode ser o chato também. E para finalizar sobre a atuação dos protagonistas Marie Brassard faz uma Jackie/Marina interessantíssima e cheia de duplos sentidos, mas ainda gostaria de ir mais a fundo e saber como foi seu crime junto de Florence para pontuar mais se toda essa sua violência é válida ou exagero artístico do diretor/roteirista. Os demais possuem expressões exageradas e em certos momentos até assustadoras demais, mas funcionam dentro das características que o diretor quis passar, apenas soando totalmente fora do que estamos acostumados a ver.
Quanto ao visual novamente temos o relativismo entre os sentimentos de prisão interior presentes a cada elemento cênico, a cabana no meio do nada, o caderno de análise pessoal, o carrinho de corrida lento comparado aos carros velozes de kart, os instrumentos de tortura, o presente versus o passado e por aí vai, de forma que a equipe artística foi bem minuciosa para desenvolver o roteiro com precisão quase que cirúrgica e fazer com que o filme seja visto diversas vezes antes de poder concluir tudo, ou seja, um excelente trabalho conceitual, que ainda remeto ao que disse, vai deixar a vida de quem assiste pensativa. Enquanto isso, o pessoal da fotografia não quis deixar margens para dúvidas, e botou as cenas tensas todas na tonalidade escura, e os momentos mais relaxantes da vida das protagonistas com muita, em alguns momentos até demais, iluminação para não ficarmos questionando nada, e assim agrada utilizando nenhuma sutileza.
Sobre o quesito sonoro, temos alguns momentos bacanas, mas a pontuação forçada de tambores para a "vilã" da trama beira o irritante, de modo que num primeiro momento acaba criando certa tensão, mas mais para a frente começa a soar bobo e mais para o final já passa a ser insustentável. Agora o destaque fica para a cena final com o garoto do trompete comparando o começo com o fim da trama, dando para refletir de uma maneira mais cômica sobre tudo que é passado.
Enfim, um filme que fiquei com mais dúvidas do que resoluções, mas que me agradou em vários momentos na mesma intensidade que irritou em outros, ou seja, confuso e gostoso de assistir, talvez para alguns flua de forma melhor, e para outros vai acabar gerando questionamentos demais, então a minha recomendação maior para assistir e digerir tudo que ele pode proporcionar é ver em casa com calma, pausando e analisando, já que dá para gerar diversos debates sobre tudo que é mostrado. Como analiso sempre a minha primeira impressão, vou acabar dizendo que foi algo mediano, mas garanto que com um segundo olhar minha nota melhoraria muito. Fico por aqui hoje encerrando a semana cinematográfica e já ficando preparado para a próxima que será bem curta, mas ainda contando com o Circuito Indie Festival do SESC teremos boas opções para conferir, então abraços e até breve pessoal.
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