Entre Abelhas

5/01/2015 01:37:00 AM |

Vou começar meu texto hoje de forma inversa, dando a nota para o filme que seria 9,5 caso tivesse notas quebradas, portanto ao chegar lá embaixo você verá o desenho de 9 coelhinhos como sendo minha opinião sobre o longa "Entre Abelha". E explico já a nota, pois diferente do que estamos acostumados a ver em obras do cinema nacional, este é daqueles longas que com certeza vai fazer sua cabeça esquentar ao pensar sobre tudo o que foi mostrado, e só isso já valeria uma nota bem satisfatória para o trabalho de Ian Sbf e Fábio Porchat, que assinam roteiro e produção da obra em conjunto, Porchat ainda entra atuando e Ian dirigindo. Ambos conseguiram fazer com que pensássemos! Não apenas no filme, mas em todo o restante, por exemplo: você pensa em alguém sem ser algum conhecido seu, sabe o que leva a pessoa que está ao seu lado no ônibus a estar chorando, ou qual motivo do nervosismo do atendente da lanchonete? Já parou para pensar que não existe apenas você no mundo? Sim meus caros, a turma que fez sucesso fazendo vídeos escrachados na internet também sabe fazer dramas intelectuais e acertadamente mostra que o cinema brasileiro também pode ser filosofado e ao mesmo tempo interessante. Aí eu entro com a pergunta, o comercial que funciona pode virar artístico ou o artístico pode ser vendido como comercial? Esse é o motivo apenas do longa não levar meu 10, pois muitos sairão do cinema sem entender nada que o longa quis passar, mas aqueles que forem prontos para não entender nada, ou não quiser entender nada talvez saia da sessão radiante com tudo que foi entregue.

O filme nos mostra que Bruno é um editor de imagens recém-separado da mulher que começa a deixar de ver as pessoas. Ele tropeça no ar, esbarra no que não vê, até perceber que as pessoas ao seu redor estão ficando invisíveis. Com a ajuda da mãe e do melhor amigo, ele tentará descobrir o que se passa em sua vida.

Embora muitos fiquem com o pé atrás por Fábio Porchat trabalhar mais com comédias do que dramas, e ser o primeiro filme de Ian Sbf, o que podemos dizer sem pesar muito foi que ambos não jogaram na tela um roteiro preparado em alguns dias, como temos visto por aí com diversos outros filmes que são lançados novos capítulos a cada ano, mas sim um trabalho desenvolvido por 10 anos, amadurecido e que sofreu diversas alterações durante essa época, e através de 4 mãos acabou virando o texto definitivo de um longa que trabalha solidão, descoberta pelo eu próprio, e até mesmo o sentimento de culpa como ideologia boa. E com todo esse material bem escrito, o diretor juntou sua equipe de apoio da série, afinal sempre com conhecidos é muito mais fácil trabalhar, e com ângulos singelos, porém bem marcados conseguiu captar de Porchat toda a essência que seu longa pedia. Muitos podem ler por aí e achar exagerado a comparação que alguns sites estão fazendo do filme com outros dois grandes longas("Ensaio Sobre a Cegueira" e "Ela"), mas a sintonia dramática com a comicidade bem leve que a trama possui pode sim dar crédito ao longa para essas comparações, e embora muitos fiquem bravos com o final escolhido por não revelar explicitamente a ideia que o diretor quis imprimir, deixando aberto para diversas interpretações, mas diferente de outros longas que costumam fazer o mesmo, aqui a sintonia com o que acontece é tão dentro da realidade vivida pelas pessoas atualmente que não fica difícil gostar da ideia proposta, e assim o resultado é bem satisfatório.

Sobre a atuação, logo de cara é estranho ver um Fábio Porchat mais centrado e sem muitas piadinhas bobas vindo dele para com o seu Bruno, no primeiro ato temos um pouco mais de brincadeiras, mas conforme o longa vai desenvolvendo sua interpretação vai ficando mais séria e aí o resultado é algo que mesmo quem apostava todas as fichas de que ele era realmente um bom ator nunca sequer pensou que ele fosse demonstrar tamanha interpretação dramática com expressões fortes e bem trabalhadas para o que o personagem necessitava, ou seja, perfeito é economia de palavras para tudo que fez. Irene Ravache chega de mansinho como a mãe do protagonista, mas se temos um ator comediante que não faz piadas no filme, o cargo de puxar situações engraçadas aqui se inverte para uma atriz conhecida mais por papéis dramáticos, e a atriz faz tudo muito bem não soando forçada demais, e caindo exatamente como a tradicional mãe preocupada sempre com a saúde do filho, mas sem perder a integridade para com a família. Luis Lobianco literalmente topa qualquer coisa no cinema, e suas expressões sempre são típicas de criança emburrada, precisa melhorar isso urgentemente senão vai acabar virando marca própria, mas as situações que acaba fazendo como atendente Nildo são hilárias e bem divertidas. Marcos Veras costuma sempre forçar em seus personagens, e aqui mesmo que de forma mais branda também temos alguns momentos que poderiam ser mais sutis, mas a interação de seu personagem Davi com o protagonista é tão bem casada que agrada mesmo com alguns exageros, principalmente nos diálogos. Giovanna Lancellotti caiu bem como uma esposa determinada que não chega a expressar bem os motivos da separação, mas ao trabalhar seus diálogos foi concisa em diversos momentos e agradou bastante na forma que deu a sua personagem, e por ser seu primeiro papel nos cinemas, mostra um futuro bem promissor. Dos demais atores, todos se conectam bem ao protagonista quando necessitam estar em cena, não tendo nenhum grande destaque, mas também não atrapalhando com o resultado esperado para o desenvolvimento do personagem principal, e isso é muito bacana de ver no cinema nacional, pois já falei isso inúmeras vezes aqui que alguns figurantes e coadjuvantes gostam tanto de aparecer que geralmente roubam a cena forte que o protagonista necessita.

O conceito visual e fotográfico da trama é um trabalho maravilhoso que merece ser aplaudido de pé sem dúvida alguma, pois Denis Netto e Alexandre Ramos trabalharam muito bem e foram espertos em evitar o máximo do uso do chromakey para as cenas, trabalhando com ângulos de câmera trabalhando para os sumiços das pessoas e nas cenas mais abertas, colocando toda a equipe de produção para evitar trânsito, e assim conseguir a beleza ampla do cenário, o que deu nuances incríveis para a trama, além claro das cenas internas lotadas de referências à outros filmes famosos e sempre procurando trabalhar ao máximo a introspecção do personagem, o que é algo maravilhoso de ver no cinema. E assim com a fotografia trabalhando bem em conjunto com a arte, temos cores mais escuras sempre para deixar a dramaticidade em peso, usando cores mais alegres somente nos alívios cômicos junto de Lobianco e de Ravache.

Com boas canções de fundo integrando a trilha, o ritmo do filme acaba bem encaixado e agrada bastante, passando os 100 minutos do filme num pulo tão rápido que com toda certeza você vai falar que o filme foi curtíssimo, e a sonoridade ainda deu cadência para o envolvimento que o longa quis passar, ou seja, tudo bem pensado e encaixado na medida correta.

Enfim, um filmaço que dá orgulho para o cinema nacional, quem sabe com mais longas nesse estilo poderíamos concorrer à prêmios internacionais com mais chance de vitória do que fazendo apenas comédias bobas, ou senão dramas que servem apenas para o umbigo do diretor. E dessa forma o cinema mais artístico e trabalhado conseguiu reunir os fatores mais comerciais que fiz a pergunta no início, ou seja, um ator que muitos gostam, um estilo não muito pesado, e até uma certa comicidade para envolver e assim resultar em algo agradável e interessante de ver. Recomendo ele com certeza para todos, claro que como disse não é um longa que entrega tudo de mão beijada como muitos estão acostumados a ver, mas garanto que o esforço de pensamentos vai valer a pena, não apenas para pensar no filme, mas em todo o conteúdo que é passado, e dessa forma somente o filme passa a ter um valor maior. Espero realmente que dê uma boa bilheteria para que outros se encorajem no estilo. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas esse foi apenas o começo de uma semana bem recheada de longas que veio para o interior, então abraços e até bem breve.


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