Pelo Malo

5/20/2015 02:11:00 AM |

Quando um filme trabalha o misto questão social com questão sexual de maneira empírica ou somente simbólica, já me dá angústia e ao mesmo tempo cansaço, pois o diretor pode trabalhar tanto de forma leve e agradável como pesar a mão e exagerar em todas as pontas possíveis. Com "Pelo Malo" a proposta funcionou até certo ponto em não ser pejorativo nem o ponto de visão da mãe, muito menos a segregação social tentou puxar o lado que a avó do garoto insiste em falar mais que uma vez até, mas o longa parece cíclico demais, rodando sempre na mesma batida e falando praticamente os mesmos diálogos, mudando um ou outro ângulo, o que acaba cansando, mas é inegável o trabalho perfeito de atuação das duas crianças e da mãe com expressões fortes e marcantes, que funcionariam de qualquer maneira que o roteiro desejasse atacar.

O filme nos mostra que Junior é um menino de nove anos que tem “cabelo ruim”. Ele quer alisá-lo para sua foto no álbum de formatura para ficar parecido com um cantor famoso. Isso o faz entrar em conflito com a mãe, Marta. Quanto mais Junior tenta melhorar o visual pelo amor da mãe, mais ela o rejeita. Até que ele é encurralado, cara a cara, com uma decisão dolorosa.

O roteiro e a direção de Mariana Rondón funciona de uma maneira bem crua e subjetiva em cima dos diversos preconceitos: cabelo, homossexualidade, trabalho feminino, estupro, beleza, pobreza e tudo mais que você possa colocar num único filme, e esse é o problema dele, querer tratar tudo de uma vez só, ainda mais envolvendo crianças nele, e isso de certa maneira acaba soando forçado, e mesmo ela fazendo as denúncias de maneira correta e bem encaixada, não conseguimos assimilar tudo como deveria, acabando a sessão meio como um baque que tomamos, mas que em minutos já podemos voltar para o nosso mundo e esquecer qualquer coisa que tenha sido apresentada, enquanto se tomasse apenas uma frente, teríamos um filme denso, com boa aptidão dramática e ainda assim iríamos pensar muito no que teria sido mostrado, o que é uma pena, pois repito, o elenco foi preparado com uma das minúcias mais precisas que já vi no cinema não comercial.

E já que comecei a falar do elenco, vamos colocar um pouco mais de elogio em cada um dos principais nomes, principalmente pelo motivo de ter sido o primeiro longa de cada um, ou seja, souberam aproveitar muito bem tudo que foi passado pela direção e mostraram serviço para serem chamados para outros trabalhos. Samantha Castillo podemos dizer que deu tudo e mais um pouco pela personagem Marta, trabalhando não só a expressão corporal como olhares, nuances de voz e imposição cênica para que seus atos refletissem bem tudo que o filme exigia e gostaria de mostrar, de modo que nas cenas que está presente mesmo o garotinho sendo perfeito, os olhos se voltavam sempre para ela. Samuel Lange Zambrano se seguir carreira mesmo como ator, em breve vamos ver seu nome em grandes títulos, pois o garotinho deu uma expressividade para o seu Junior que mesmo a pessoa com menos preconceitos do mundo iria julgar facilmente todas as suas atitudes, e isso não é ruim, muito pelo contrário, mostra que o garoto pegou a ideia que a diretora desejava e implementou algo a mais, o que é um luxo que pouquíssimos atores consegue fazer, então só podemos dizer que o jovem foi perfeito. As cenas com a avó Nelly Ramos são fortes pela proposta de "adoção" dela, pelo querer um futuro diferenciado pelo garoto e ao mesmo tempo são gostosas de ver pelo gingado da atriz, então acaba funcionando como um leve soco direto com luvas de seda, em tudo que faz. Outro destaque vai para a garotinha Maria Emilia Sulbarán que trabalhou muito bem os seus diálogos de modo que saísse como uma afronte de classe maior, mesmo vivendo no mesmo ambiente que o jovem garoto, e isso é algo que acontece demais por aí, ou seja, um trabalho muito bem feito de texto que a garota mandou bem demais nas expressões.

O visual da trama funcionou muito bem pela locação casar perfeitamente com a situação do roteiro, pois já tivemos filmes que trabalharam todo esse lado mais pejorativo, porém falharam ao colocar os personagens em algo falso, enquanto aqui a pobreza, violência e diferença de pessoas funcionou e muito nesse conglomerado de prédios, aonde na cena das crianças brincando e apontando os diversos estilos de pessoas já mostra tudo que o filme quer mais trabalhar: a diferença preconceituosa. A equipe artística trabalhou muito bem na cenografia do apartamento e na montagem cênica das locações para que o filme funcionasse e só isso já faz valer muitos pontos para que o longa seja visto de uma maneira mais poética. A fotografia exagerou um pouco na sujeira dos filtros, e poderia ser mais amena, mas isso não chegou a atrapalhar, muito menos funcionar para dar clima, então poderia ter sido usado uma tonalidade normal que ainda assim o longa seria pesado da mesma forma.

Outro ponto que vale a pena contextuar são as canções que serviram para determinar os dois cumes da violência e da homossexualidade que a diretora quis passar, usando para isso o rap em contraponto com as canções folclóricas mais dançantes e alegres, e assim o filme acerta a mão também nesse quesito e agrada com mais do que um ritmo, mesmo que tocando repetidamente apenas duas canções.

Enfim, é um filme bem feito, mas que não atingiu o ponto máximo para chocar e trabalhar com o espectador comum. Claro que ele funciona perfeitamente em festivais, ganhando diversos prêmios, mas aqueles desavisados que assistirem ele como um filme comum, vão acabar se irritando com a proposta meio que perdida. Ou seja, se você gosta do estilo produção com denúncia de preconceitos, esse é o longa para assistir, mas se não faz seu gênero é melhor passar longe. Fico por aqui nessa madrugada após ver os dois filmes da abertura da Itinerância do 41° Festival Sesc Melhores Filmes, mas volto em breve com mais posts dos outros filmes inéditos pelo interior, então abraços e até breve pessoal.


 

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