Engajamento e coragem, essas palavras poderiam ser o sobrenome do diretor e roteirista Tomas Portella, pois diferente de outros nomes do cinema nacional, com três longas lançados no currículo, e um quarto vindo no final do ano, nenhum repetiu nem estilo e muito menos ficou fora de questionar sentimentos e virtudes dos personagens, ou seja, quando ver seu nome em um pôster, já podemos ir ao cinema com bem menos pedras na mão, pois certamente não precisaremos jogar quase nenhuma. Digo isso, pois em "Operações Especiais" conseguimos ver notícias e fatos que afrontaram o Brasil em 2011 e com uma pegada sem papas na língua, o diretor imprime seu modo de questionar a forma que o país sempre opta pelo errado ao invés de apoiar quem quer arrumar tudo, e ainda conseguiu trabalhar os personagens para que eles tivessem história própria, não dependendo de somente um momento para ser contado. E mais do que um filme, se a Globo for esperta, ela entrega para o diretor uma série fixa no horário nobre para desenvolver ainda mais tudo o que foi mostrado no longa, mas enquanto isso não ocorre, corra para o cinema mais próximo, pois é diversão e ação na certa nesse longa nacional de primeira linha, que até possui algumas falhas, mas são relevantes frente a tudo que é mostrado, só não esperem algo tão politizado quanto foi "Tropa de Elite", pois aqui a pegada é outra.
O longa nos situa no Rio de Janeiro, em 2010. Formada em turismo e trabalhando como atendente em um hotel, Francis se anima com a possibilidade de entrar para a polícia civil. Ela presta o concurso e, após ser aprovada, passa a frequentar o curso de habilitação para policial. Trata-se do mesmo período em que ocorreu a invasão no Complexo do Alemão, com traficantes de vários morros cariocas fugindo para cidades periféricas. É o que acontece em São Judas do Livramento, cidade no interior do estado do Rio de Janeiro, que passa a lidar com uma onda de crimes sem precedentes. Para combatê-los é enviada a unidade liderada pelo incorruptível delegado Paulo Froes, que conta com a presença da ainda iniciante Francis. No batalhão ela precisa lidar com a desconfiança dos demais policiais, especialmente Roni (Thiago Martins), e também com as dificuldades da profissão, dos perigos inerentes ao ofício até a corrupção existente ao seu redor.
É interessante ver que alguns filmes são concebidos de uma forma e acabam dando certas viradas de modo a se tornarem bem melhor, pois de início o longa se chamaria "Boletim de Ocorrência" e Cléo seria apenas uma participação especial na trama, mas o diretor e roteirista Tomas Portela, junto da roteirista e câmera Martina Rupp optaram por trabalhar numa linha mais desenvolvida da característica feminina que sofre diversos preconceitos ao entrar para cargos que exigem coragem demais como é a polícia em nosso país, e dessa maneira, não só a virada de estilo deu novos rumos para a trama, como fez com que Cléo crescesse ainda mais num personagem cheio de nuances, que até de certa forma acabou sobressaindo até mais do que a história, mas ainda assim a montagem no todo conseguiu agradar e ressaltar bem tudo o que desejavam passar na característica de corrupção que tanto domina em nosso território. Um dos pontos interessantes da forma que o filme ficou que ao mesmo tempo agrada e irrita é que em determinado momento como disse no primeiro parágrafo, ele acabou ficando muito próximo de uma série, e saindo do estilo cinema de ser, e isso poderia ter sido amenizado para que a história ficasse contida e ainda envolvente como vinha ocorrendo desde o início, mas felizmente isso não atrapalhou tanto e a equipe toda se comprometeu para que o resultado envolvesse e divertisse como deve ser um bom filme.
Sobre as atuações, um fato é claro Cléo Pires está chegando num nível tão bom nos cinemas, que aliado à sua beleza diferenciada, com toda certeza muito em breve vai ser lembrada tanto quanto sua mãe, e aqui sua Francis possui medos, desenvoltura, sedução e ainda um certo carisma para que torçamos pela personagem, e quando isso funciona bem, o filme acaba cativando por completo. Marcos Caruso entrou tão forte no personagem do delegado Paulo Froes que poucas vezes vi um papel que casasse tanto com o ator, e dessa maneira torço que deem mais papeis de delegados para ele, pois soube conduzir a história do personagem com classe, e claro quando precisou soltou palavrões e ótimas frases de efeito que vão ficar na memória certamente. Fabrício Boliveira trabalhou bem seu Décio e com um jogo de cintura bem cativante, acabou chamando atenção para suas cenas, o que certamente não era o esperado pelo roteiro original que provavelmente recairia mais para o personagem de Thiago Martins, que também agradou com seu Roni, mas pela marra gigante que entregou para o papel, acabou ficando meio chato demais de acompanhar. Fabiula Nascimento é uma boa atriz, mas quando pesa a mão nos trejeitos, ou você entra no clima dela, ou acaba se irritando, e sua Rosa inicialmente até cativa, mas vai ficando tão divergente durante toda a execução que se fosse uma série ou novela, já lá pra metade dos episódios o público pediria sua cabeça, e isso se deve muito pelo excesso de trejeitos, e não tanto pela personagem em si. Do lado negro da corrupção, faltou desenvolvimento e preparo para chamar atenção em todos os personagens, de modo que ninguém conseguiu destacar nada, e por bem pouco não acabaram atrapalhando o contexto inteiro do filme, valendo ser lembrado somente algumas cenas de Antonio Tabet como Toscano, mas precisariam ter desenvolvido mais o personagem e feito com que ele aparecesse mais também para que virasse um vilão mesmo que o público quisesse socar, mas sua última fala para Francis já deu uma pontinha de raiva.
No conceito cênico, podemos dizer que quando uma equipe de arte se prepara é raro não vermos um bom filme de invasão policial, e aqui usaram de vários tipos de armas, figurinos e escolheram bem as locações para que a situação toda fosse bem convincente do que estava rolando na cidade, claro que incomoda demais todos indo pro ataque com rifles e a personagem de Cléo com um revólver minúsculo, mas comparado o seu tamanho também com os demais atores, acho que foi até bem compatível. Dessa maneira, o filme tem uma boa dinâmica e conseguimos nos conectar com toda a cenografia preparada, talvez a festa da prefeitura pudesse ser mais pomposa, mas como é uma cena simples, optaram por algo mais singelo e caiu bem também. A direção de fotografia de Barbara Alvarez em alguns momentos quis no colocar no miolo da ação policial e acabou divergindo de tonalidades de iluminação, claro que isso é um erro até que grave, mas pelo realismo passado até podemos relevar e acreditar que tudo foi intencional, e além disso, estamos falando de um filme do gênero policial e ela optou por uma gama exagerada de cores que poderiam ser deixadas de lado, mesmo com a protagonista sendo uma mulher vaidosa como é mostrado nas cenas iniciais, ou então que essa gama ficasse só nela, mas não, a diretora trabalha com isso em quase todo momento com algo saindo do tom cinza, e isso incomoda os olhos, mas volto a repetir o que digo sempre em outros textos, isso é um incômodo técnico, que o público em geral nem vai reparar, mas que temos de pontuar.
Embora o longa conte com poucas canções na trilha sonora, tendo apenas o tema original, algumas trilhas instrumentais e a música "Teto de Vidro" da Pitty, os dois momento aonde a canção foi encaixada entraram como uma navalha na pele batendo exatamente com o que o filme precisava para encaixar canção, expressões dos atores e roteiro, ou seja, parabéns para a equipe que escolheu a canção para o longa.
Enfim, um filme que com muita certeza indico, principalmente para que o povo veja que o cinema nacional anda bem evoluído fora do circuito novelesco de comédias bobas, claro que temos de ter o gênero que rende mais no país, mas precisamos mais longas de ação e de todos os demais gêneros também, então corram pros cinemas, que mesmo com os pequenos defeitos que apontei, ainda vale demais curtir a trama toda. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com as outras estreias da semana, então abraços e até mais.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...