Depois de Tudo

11/07/2015 02:09:00 AM |

Se tem uma coisa que acho interessante no cinema é a capacidade que o pessoal tem de achar que se algo é bom, seja um livro, uma peça ou até mesmo uma música, podem transformar em um filme que vai acabar ficando bom também. Essa retórica infelizmente não é verdadeira, e muitas vezes a introspecção que um texto dramático causa no público numa mídia mais versada ou até mesmo que crie uma certa tensão na audiência, ao virar longa-metragem acaba perdendo um pouco da essência e não agradando tanto. Com "Depois de Tudo", antes denominado "No Retrovisor" é baseado numa peça que fez grande sucesso no país inteiro, interpretada pelos dois protagonistas também, mas que por não ser cheia de firulas como é o filme, acaba comovendo o público e chamando muito a atenção de quem a confere no teatro, enquanto no cinema, o filme até foi bem dirigido e tem anseios mais visuais, porém acabou perdendo a dramaticidade do texto e não encaixa todo o sentimentalismo dramático que deveria atingir. Portanto, podemos dizer que é um longa alternativo, visto que foge completamente do tradicional longa comercial que domina o país, mas que por focar mais em símbolos do que num texto mais visceral, vai acabar deixando o público nas mãos, e isso, infelizmente faz com que um longa não seja tão bem falado por aí, mas ainda assim é bem melhor que muitos outros lançados ultimamente.

O filme nos mostra que os jovens Ney e Marcos são muito mais que melhores amigos. Eles são quase irmãos, que dividem apartamento, trabalho, sonhos, a paixão pela música e por Bebel, uma garota linda e destemida que desperta nos dois diferentes desejos. Quando ela se muda para o apartamento vizinho ao deles, os três se tornam inseparáveis. Mas o tempo os distancia. Em vez de músico e parceiro de César no bar que abriram e pretendiam tocar juntos, Ney acaba se tornando um astro da música pop romântica. Enquanto isso, Marcos passa de garoto rebelde e cheio de atitude a um conformado funcionário público. Já Bebel, nunca deixou o imaginário dos dois. Vinte anos depois uma inesperada notícia reaproxima Ney e Marcos, levando-os a rever suas atitudes, emoções e lembranças. Neste reencontro pode estar também a chance que Ney e Marcos têm de resgatar os laços de amizade e amor que o tempo havia ajudado a romper

De maneira alguma posso dizer que o roteiro e a direção foram ineficientes, muito pelo contrário, temos um filme bem desenvolvido e interessante, porém um dos maiores problemas da trama foi não conseguir transmitir, ao menos no meu ver, uma essência mais forte do elo de amizade, da quebra da amizade e principalmente da motivação por um retorno de amizade. E isso podemos atribuir talvez pelo alongamento da trama e a quebra de cenas na edição. Claro que não sou contra o longa não ser linear, oscilando entre o passado e o presente, mas o longa teria uma vida mais saborosa se não fosse tão estilhaçado e certamente tudo agradaria mais, mas como optaram por esse estilo, uma boa ideia seria trabalhar melhor cada ato focando exatamente no que queriam passar, pois ficou meio que sem apresentação, miolo e final, tendo apenas uma passagem genérica para todo o conteúdo. Mas se temos de elogiar algo na trama, certamente foi a concisão que o diretor João Araujo deu nas escolhas de planos do filme para que ficasse o mais distante possível de uma novela, e isso é algo que sempre vemos muitas reclamações dos longas nacionais, então por bem pouco, se a edição tivesse empolgado mais o público, teríamos certamente um longa perfeito.

Sobre as atuações, uma coisa é fato, Otavio Müller certamente cai melhor em comédias ou cenas de ação do que como ator de drama, claro que faz bem suas cenas, é um ator e tanto, mas é visivelmente estranho ver suas cenas sem esperar que ele faça alguma graça, e seu Marcos mais velho não é um personagem que nos empolgue, muito pelo contrário ele já é alguém cansado da vida que teve, e o ator acabou deixando o personagem mais apagado ainda. Sua versão jovem interpretada por César Cardadeiro já demonstra completamente o contrário, cheia de vida, disposição e com expressões mais fortes, o ator caiu bem na dinâmica que o personagem tanto precisava ter, e dessa maneira mostrou a que veio trabalhando estilos e agradando bastante. Que Marcelo Serrado é um dos melhores atores que temos no país, isso não temos dúvida alguma, pois oscila bem dentro de dramas, comédias e tudo mais que lhe for solicitado para fazer, mas seu Ney ficou simples demais perante tudo o que poderia fazer, claro que não teve oportunidade de trabalhar muitas expressões faciais devido o seu personagem ser cego, mas o semblante poderia ter chamado mais atenção do que apenas palavras dialogadas para mostrar tudo o que sabe fazer bem. E claro que sua versão jovem interpretada por Romulo Estrela foi bem trabalhada, mas o jovem aparentou estar com um pé atrás sempre do que poderia mostrar, e suas cenas sempre foram deixadas com terminações simples, o que é algo que atrapalha muito o andamento cênico para enaltecer um ator, mas felizmente conseguimos ver futuro para o jovem, pois quando precisou mostrar serviço, incorporou todas as expressões que sabia fazer e fez bem. Maria Casadevall se dispôs a tudo, fazendo muitas cenas com nudez e regadas a drogas, para mostrar como começou a virar a ligação da trama, e dessa maneira a jovem caiu bem dentro do que sua personagem pedia, mas embora tenha duas ou três cenas aonde mostre bem a inquietação de uma relação triangular com os protagonistas, faltou ter mais química emocional para criar o ciúmes, ficando mais como um surto de drogas/bebidas do que algo mais emotivo mesmo, mas no contexto geral a jovem mandou bem demais.

Como é um longa de baixo orçamento, a equipe de arte tentou maquiar a cenografia para não ficar tão falso o retrato passado dos anos 80, trabalhando bem nos ângulos de câmera em conjunto com o diretor ao invés de se preocupar bem no contexto dos objetos cênicos. Claro que isso não é algo errado de se fazer, mas podiam mostrar mais elementos para situar o espectador e até agradaria mais do que deixar de lado a simbologia de uma época, mas volto a frisar, direção de arte é algo que encarece uma produção, e se necessita marcar época então, fica mais complicado ainda. A fotografia certamente teve muito trabalho, afinal a maior parte da trama se passa em interiores e que necessitavam iluminações específicas para cada momento, e felizmente acertaram bastante sem deixar falso e muito menos amador ao ponto dos erros que costumeiramente acuso em novelas e filmes que não se preocupam com sombras, então o resultado nesse quesito é bem satisfatório, mesmo que não tenham trabalhado tanto paletas de cores mais densas que poderia agradar e chamar o tom para a época ajudando a equipe de arte.

Enfim, é um filme que foge dos padrões atuais do nosso cinema, o que é algo muito satisfatório de ver, mas que falhou em alguns pontos precisos que poderia agradar tanto o público que gosta de coisas diferenciadas quanto o pessoal que quer ver algo mais comercial. Então, minha recomendação é que tentem ver o longa, mas tentando montar as situações de amizades como citei no começo do texto, que certamente vai acabar agradando bem mais, e quem quiser ir ver pensando se tratar de algo comum, talvez reclame mais do que o normal por tudo que é mostrado. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas ainda faltam mais alguns longas nacionais que surgiram aqui para conferir, então abraços e até breve.


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