O Quarto de Jack (Room)

2/26/2016 01:06:00 AM |

É interessante quando um filme trabalha o sentimento de conhecer seu ambiente pelos olhos de uma criança, pois quando somos pequenos (e até mesmo ao longo da vida quando vamos conhecendo algo desconhecido), vamos nos habituando ao local, passamos a vivenciar a rotina e principalmente somos avessos ao desconhecido, mesmo que ele seja deslumbrante. E claro que isso pode ser visto de uma maneira maravilhosa, mas também pode ser inserido num meio duro e forte no caso de uma pessoa reclusa de sua liberdade de fazer o que quer, e com o filme "O Quarto de Jack" isso é posto de uma maneira tão aberta logo de cara, que ao ser trabalhado o questionamento, mesmo sabendo o peso da dramaticidade, ficamos perplexos para refletir a ideologia completa dentro da cabeça da protagonista. Então, ao mesmo tempo que o longa trabalha a ingenuidade da criança, o mito da caverna tão discutido nas aulas de sociologia, e o drama da reclusão da realidade por meios traumáticos, o filme também consegue incorporar doçura, sentimentalismo familiar e claro encorajamento para dificuldades, ou seja, um filme completo, se não fosse simples demais nos momentos que poderia travar discussões fortes, pois a trama tem pontadas fortes no seu primeiro momento de virada que deveriam ter sido mais abordadas, mas preferiram segurar o vértice em outro lado, o que também não é errado.

O longa conta a extraordinária história de Jack, um espirituoso menino de 5 anos que é cuidado por sua amada e devota Ma. Como toda boa mãe, Ma se dedica em manter Jack feliz e seguro, cuidando dele com bondade e amor, e fazendo coisas típicas como brincar e contar histórias. Sua vida, entretanto, é tudo menos normal – eles estão presos – confinados em um espaço de 10 m² sem janelas, o qual Ma chamou eufemisticamente de o Quarto. Ma criou todo um universo para Jack dentro do Quarto, e ela não parará por nada para garantir que, mesmo neste ambiente traiçoeiro, Jack seja capaz de viver uma vida completa e satisfatória. Mas, enquanto a curiosidade de Jack sobre a situação em que vivem cresce, e a resiliência de Ma alcança um ponto de ruptura, eles ensaiam um arriscado plano de escape, o que os leva a ficar face-a-face com o que pode ter se tornado a coisa mais assustadora: o mundo real.

Se temos de ser justos, o filme em que mais podemos ver o trabalho de direção de elenco dos candidatos ao Oscar é esse, pois embora seja um filme simples no contexto geral, o trabalho do diretor Lenny Abrahamson é totalmente visto nos semblantes dos protagonistas, e ao mesmo tempo a construção/desconstrução dos personagens é algo que tem exatamente perspectivas claras frente ao que o roteiro quis passar. Claro que por ser um filme roteirizado pela própria escritora do livro, Emma Donoghue, a simbologia presente nas cenas podem ser vistas exatamente como acontece em um livro, aonde temos as falas sendo ditas e os elementos sendo mostrados, então se o garotinho falar "bom dia abajur, bom dia planta, bom dia pia" não espere ver nada mais do que um abajur, uma planta e uma pia, e isso não é algo ruim, pois conseguimos nos afeiçoar mais a cada elemento cênico, e embarcar na mesma onda que os personagens, coisas que acabam não acontecendo quando um livro não é bem adaptado. O filme em si, possui alguns defeitos de coesão e verossimilhança para com o momento, principalmente na cena da fuga, mas são detalhes tão pequenos, que quem acabar se comovendo com as situações vai acabar relevando e nem apontará o dedo para os erros. Outro ponto que temos muito o que observar é que embora o diretor pudesse colocar uma câmera mais dura e pontual, ele optou por uma leveza excessiva nos movimentos, e o filme pedia algo que o público ficasse engasgado com a situação, e isso não ocorre em momento algum.

Sobre a atuação, não sei se chegaram a tentar inscrever o jovem Jacob Tremblay, mas certamente o garotinho merece e vai ganhar vários prêmios (tanto que já levou 13 prêmios para a casa) pela maravilhosa interpretação que deu para seu Jack, pois basicamente o filme é dele, as narrações são dele, e o foco embora se desloque para a mãe em diversos momentos, é nele que a ideologia é atingida, ou seja, a equipe teve paciência para trabalhar no momento mais propício do garoto (que na realidade possui 9 anos), e com isso acertou em cheio as nuances que precisava, e  se seguir bem na carreira, quem sabe em breve já podemos apontar um futuro bem promissor. Brie Larson, mesmo já tendo feito diversos filmes em sua carreira, podemos dizer que até antes do seu estouro com esse filme era uma mera desconhecida de Hollywood, e ao incorporar bem a quebra da estrutura emocional nos seus diversos momentos de foco, a jovem não só comove, como dá a aflição correta que qualquer pessoa espera encontrar ao passar pela mesma situação de sua Ma/Joy, e dessa maneira, por trabalhar tão bem, tem colhido todos os louros possíveis com premiação em cima de premiação, e certamente é a aposta mais fácil do Oscar de Melhor Atriz, só vamos esperar que siga bem pelo rumo dramático, e em breve continue chamando atenção. Sean Bridgers aparece pouco como Velho Nick, mas mesmo que não fizesse nada, acabaria sendo odiado por todas as mulheres do planeta (e claro que vários homens também), pela situação em si, e ele não decepciona nos seus momentos expressivos, fazendo o trivial, mas sendo correto com o personagem. Agora o trio mais velho da trama é daqueles que certamente conseguiriam dominar a história totalmente para si caso fosse preciso, Joan Allen trabalha sempre com clareza no que faz, e nas duas cenas (na que precisou erguer seu tom de voz para a filha, e no momento do desejo de força do garotinho) ela simplesmente arrasou com sua Nancy, William H. Macy apareceu em uma única cena com seu Robert, mas trabalhou com a frieza clara do homem abalado da quebra familiar por algo, e claro da repulsa por estar presente com algo que não é o que deseja para a filha, e isso se fosse mais trabalhado no filme daria um show de drama, e para fechar não podia ter um ator simples, mas que encaixou nos momentos certos a expressão exata como foi Tom McCamus com seu Leo.

Como disse ao falar do roteiro, o longa é muito trabalhado na simbologia de cada elemento cênico presente, principalmente nas cenas dentro do quarto fechado, aonde um ambiente de 10m² acabou envolvendo mais do que uma casa de 100m², e esse trabalho da direção de arte, certamente mereceria ser mais valorizado, pois trabalhou detalhes simbólicos e cada nuance pode ser sentida pelo que víamos na tela, e claro que ao sair do quarto, tudo teve de ser trabalhado em proporções extremamente maiores, afinal a visão master era de uma criança que nunca saiu de onde nasceu. Com tons de aspectos mais sujos para as cenas do quarto, a inquietude até foi bem trabalhada e tivemos um pouco de angústia para ser vista, como disse talvez um pouco mais de movimentação aflitiva na câmera desse uma perspectiva melhorada, mas ainda assim foi um bom trabalho de iluminação, e claro que ao sair, o branco dominou cada aspecto para ressaltar a liberdade e o conhecimento do novo, o que nem precisaria ser dito, mas volto a frisar, símbolos falam mais do que muito texto.

Enfim, é um excelente filme, que se quisessem seria algo desolador e incrível, mas sem erro também, acertaram em tornar um longa mais leve, e que claro, tem chamado muito atenção do público que confere. Talvez para algumas pessoas, o longa acabe envolvendo mais, mas certamente, a fofura do garoto vai comover quem estiver disposto a se emocionar com ele. Ou seja, recomendo com toda certeza a trama, não é um dos filmes mais fortes na competição, mas ainda assim é algo muito bem feito. Bem é isso pessoal, esse foi apenas o começo dessa semana que promete muitos posts, afinal finalmente surgiram diversos longas para conferir no interior, então abraços e até bem breve.


0 comentários:

Postar um comentário

Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...