Quando falo que o cinema brasileiro pode ser diferenciado, se quiserem fugir das comédias novelescas, sempre me perguntam que estilo seguir para agradar, e após ver "Meu Amigo Hindu", posso dizer que a alternativa de dramas poetizados é uma boa solução. Claro que com devidos ajustes, afinal alguns diretores gostam em demasia de incorporar cunho erótico em suas produções, e isso se não usado de forma correta acaba ficando forçado e incomoda mais do que agrada, o que não é o caso aqui na cena final, mas nas demais foi algo inútil, que poderia ser facilmente eliminado para que o tom poético fosse mantido. A história de Hector Babenco é algo que certamente daria um filme, e aqui ele nos conta alguns trechos de sua jornada, afinal argentino que saiu de casa logo cedo sempre com a ideia de ser diretor, fez pontas em filmes italianos, e por não ter servido o exército no país não poderia voltar para lá diretamente, vindo morar no Brasil, começou suas direções de comerciais e agora com esse novo longa fez 10 filmes, passou por uma doença gravíssima e hoje está de volta à profissão que tanto ama.
O longa nos mostra que Diego é um cineasta diagnosticado com câncer terminal, cuja única chance de sobrevivência é se submeter a um transplante de medula óssea experimental, que apenas é realizado nos Estados Unidos. Assim, ele parte para Washington mas antes decide se casar e se despedir dos amigos. Já no hospital, ele conhece um menino hindu de apenas oito anos, que também está internado. Logo Diego passa a vivenciar com ele aventuras fantasiosas, inspiradas no cinema, que ajudam a suportar a dura realidade que os cerca.
Claro que Babenco não é mais aquele diretor clássico que fez tantos filmes envolventes no passado, e aqui seu roteiro ficou um pouco confuso demais e de certa forma apelativo demais, mas ainda assim consegue agradar quem estiver disposto a encontrar poesia na sua linguagem. Volto a frisar que o erro máximo da trama está na comunicação dos personagens (isto ocorre com muita frequência em diversos filmes americanos também, mas aqui a evidência é maior por sabermos de como a coisa funciona), pois a trama se passa boa parte no Brasil, em São Paulo, e todo mundo fala inglês fluentemente, desde uma mulher na periferia, passando por todos os amigos e parentes no casamento, e para fechar com chave de ouro, até duas putas na frente de uma boate vão em direção do protagonista já falando em inglês, ou seja, o Brasil é o país que o público é bilíngue até na noite. Dito isso, poderiam ter feito como já vi em diversos filmes a mistura de idiomas, que funcionaria e agradaria bem mais, mas como ocorreu, já era, então vamos falar mais da história, que é melhor. Como disse o roteiro fica confuso por trabalhar praticamente três vértices, a amizade com o garotinho nas sessões de quimio (que é o nome do filme, mas ocorre no máximo de 10 minutos, e seria magistral ficar somente nela), a vida conturbada do casamento, a doença e o estilo de vida biográfica do autor (ocorre quase que 90% do filme), e as conversas com a morte (que ocorrem em cerca de 8% do filme e foram muito bem feitas, chamando uma atenção monstra para as atuações de Willem Dafoe e Selton Mello, e dariam uma ótima ótica se fossem maiores). Ou seja, é um filme interessante de ver, que poderia seguir por três caminhos bem diferentes e agradar em todos os três, mas a bagunça da junção acabou rebaixando um pouco o nível de tudo e vai agradar somente quem separar tudo.
Primeiramente sobre as atuações, certamente todos os atores mostraram estar bem preparados para atuar em inglês, pois tirando um momento do casamento que nem lembro quem era o ator e falou algumas palavras de forma estranha, os demais (e não são poucos) trabalharam bem e até se passariam facilmente por estrangeiros. Dito isso, vou começar falando sobre o protagonista, esse sim americano, Willem Dafoe, que se mostrou completamente disposto para com as cenas que mostraram um corpo quase esquelético e bem feio para representar a doença, e com expressões marcantes, o ator incorporou diversos momentos fortes trabalhando de uma maneira bem interessante que poucas vezes o vi fazer, e isso mostra que a escolha do diretor para o colocar como quem faria sua vida foi mais do que bem feita, e assim sendo seu Diego é incrível de ver em todos os momentos. Meus dedos quasem não conseguem digitar isso, mas a atuação de Selton Mello está impecável e maravilhosa de ver, tanto que disse acima que poderiam segurar mais ele em cena, coisa que raramente diria, e quem já leu outros textos meus sabe que me incomoda seu estilo expressivo, porém aqui o personagem acaba chamando tanto a atenção, que ele fez trejeitos tão sutis que agradou demais, e se fizesse assim sempre agradaria sempre também. Outra atriz que sempre me impressiona pelo estilo expressivo é Maria Fernanda Cândido, que sempre demonstra pegar seus papeis e se envolver com eles, criando a tonalidade correta de falar, o estilo de andar e até mesmo o semblante para passar verdade do que está fazendo, e isso ocorre bem pouco com atrizes nacionais que acabam forçando demais, e ela soube dominar a cena em todos os momentos que apareceu com sua Livia. Barbara Paz é uma atriz que sempre chama atenção, e aqui aparecendo somente no final do filme com sua Sofia, ela trabalhou singelamente nos momentos dialogados, e fechou dançando um clássico do cinema, digamos que de uma forma diferente. Quanto aos demais atores, que fazem médicos e amigos dos protagonistas, é melhor nem falar, afinal foram cenas tão rápidas que passam despercebidas, mas confesso que em um momento achei que a Globo inteira estaria no filme.
Um outro erro da trama, ao menos para quem conhece o Brasil, é ver algumas cenas que quiseram dar impressão de estarem nos EUA e estão na verdade ainda em São Paulo, e isso é um furo imenso tanto da equipe de edição, quanto da equipe artística deixar acontecer. Mas tirando esse detalhe, escolheram bem as locações para que o filme conseguisse criar a ambientação desejada e mostrar a riqueza que alguns diretores conseguem alcançar. O longa não contou com muitos objetos cênicos, mas trabalhou bem as cenas do hospital, e até poderiam chamar mais atenção para a pelúcia de um macaco lutador de boxe que está sempre presente, e em alguns momentos serviu bem de base, principalmente por ter uma cor chamativa nas cenas mais puxadas para as sombras. A fotografia não abusou muito das cores, e nem fez iluminações que pudessem realçar uma ou mais cenas, de modo que a edição precisou a todo momento ficar dando fade black (quando a imagem vai escurecendo para ficar 100% escuro e mudar de cena) para que as continuidades ocorressem, e isso não é legal de ver em um filme inteiro. O destaque maior tanto no quesito artístico quanto da fotografia fica por conta das cenas com o garotinho, pois são de uma beleza ímpar.
Enfim, é um filme diferente, mas que agrada se você se conectar com ele, claro que poderia ser anos-luz melhor se não apelasse tanto para o erotismo e escolhesse um vértice a seguir como disse no começo, mas ainda assim no meio da bagunça é possível aproveitar bem tudo o que é mostrado. E sendo assim recomendo ele para quem gosta de filmes que não seguem um padrão convencional e também que não se incomode com excesso de nudez, que aí sim o aproveitamento vai ser completo. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas já vou para mais uma sessão, então abraços e até breve.
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