Se tem uma coisa que gosto de descobrir num filme nacional é quem é o dono da arte que me comove ou me irrita, pois diferente de blockbusters que dão tanta ênfase no diretor, no Brasil os marqueteiros acabam deixando meio de lado o destaque que alguns diretores merecem ter. E se tem um nome que você que gosta de filmes intrigantes com boas surpresas deve anotar para conferir é Marcos Jorge. Claro que no ano passado acabou queimando um pouco ao sair do seu estilo, mas ao voltar para sua praia com "Mundo Cão", o diretor conseguiu fazer um daqueles filmes que você fica abismado a cada nova surpresa, e principalmente ao fazer jus à ambiguidade do título, a trama acaba nos mostrando o quanto tudo anda de uma forma cruel aonde as pessoas querem cada dia mais fazer vingança com as próprias mãos, independente do pior que pode acontecer. Ou seja, um filme com uma proposta diferenciada, com estilos bem pautados, mas que não força ninguém a pensar demais, servindo ao mesmo tempo como denúncia de como estamos tratando nossas vidas e simbolizando bem que o estilo dramático pode agradar também no mercado nacional.
O longa nos mostra que em 2007, antes de ser sancionada a lei que proíbe o sacrifício de animais abandonados, Santana é um funcionário do Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo que trabalha recolhendo cães de rua. Certo dia ele captura um enorme cachorro raivoso cujo dono só aparece para recuperá-lo dias depois, quando já é tarde demais. Irado, o homem culpa Santana pelo ocorrido e trama uma cruel vingança.
Sempre é interessante ver quando procuram mudar um estilo no Brasil, pois chega até ser engraçado o público na sala hoje certamente esperava ver algum outro filme, mas felizmente a maioria saiu satisfeito com o que viu, pois o longa até possui uma cara semi-novelesca, mas ao jogar fora toda a ideologia de subtramas, deixando claro somente quem são os protagonistas e como eles vão desenvolver a história, o diretor e roteirista Marcos Jorge, junto de Lusa Silvestre, conseguiram transformar algo simples como uma vingança em uma trama envolvente cheia de reviravoltas. O longa até possui alguns defeitos que facilmente poderiam ser amenizados, mas todo o teor passado, juntamente com o estilo desenvolvido facilmente me remeteu ao estilo que alguns diretores europeus costumam desenvolver em seus longas de vingança. E digo isso com muito orgulho, pois geralmente longas nacionais que o diretor quer se destacar demais, acabam fazendo filmes confusos somente para enaltecer o próprio umbigo, e aqui Marcos fez um filme que pode chocar em alguns momentos, mas é tão bem trabalhado, tanto na história quanto no desenvolvimento, que saímos da sessão pensativos, mas sem dúvidas do que realmente nos foi mostrado, o que ao meu ver é um acerto imenso.
Um fator marcante do sucesso do longa também se dá pela escolha de dois excelentes atores para comandar a trama, de um lado Lázaro Ramos encarando um dos seus primeiros vilões, dando personalidade e até um certo carisma para seu Nenê (ou Babyface na sinopse em inglês), trabalhando a postura, a entonação dos diálogos e mostrando o quão bom é também para papéis dramáticos, ou seja, encaixou como uma luva dentro do que desejavam. E no outro lado temos Babu Santana, que vem já há algum tempo conquistando um espaço dentro do cinema nacional, colocando bons personagens e trabalhando seu estilo próprio, e aqui seu Santana foi do clássico funcionário bobão, passando por pai desesperado até impor seu estilo mais rígido, mostrando diversas facetas para um único ator, e isso é bem interessante de ver dentro do nosso cinema. Adriana Esteves é uma atriz que se dá bem sempre, mas se sobressai melhor quando é a protagonista, e como aqui sua Dilza fica meio de lado em boa parte da trama, não teve tanta oportunidade de mostrar suas expressões, mas claro que nos momentos mais dramáticos mostrou que não brinca em serviço e envolveu à todos na sala. Milhem Cortaz certamente é um dos maiores nomes do nosso cinema, e certamente merecia um papel melhor do que algo secundário do secundário, com frases jogadas e expressões quase nulas de seu Cebola, e isso é quase um pecado o que fizeram com ele, principalmente por não aproveitar sua capacidade artística, mas nem sempre dá para encher o filme de muitos protagonistas, então aqui ele fez apenas o que estava no seu texto, sem chamar atenção em momento algum. Thainá Duarte trabalhou muito suas expressões, afinal com o problema de sua Isaura, o jeito foi mostrar tudo com olhares e facetas expressivas, e a jovem deu show, principalmente nas cenas finais. O jovem garotinho Vini Carvalho até tentou ser expressivo nas cenas que pediram para demonstrar medo, desespero e tristeza, mas ainda é muito jovem para conhecer realmente os problemas da vida e impactar de modo que lembrássemos sempre de seu João, mas infelizmente não encaixou, sendo apenas simples demais para o que a situação realmente necessitava de expressividade.
O trabalho da direção de arte não foi algo que se diga primoroso, mas certamente foi coeso com o que a situação necessitava e envolveu bem nas cenas internas, trabalhando com poucos, mas bons elementos. Além disso as escolhas das locações, como uma casa bem popular, um canil velho para representar o caos que sempre foram os centros de zoonoses, e até belas panorâmicas no Estádio Pacaembu, deram representatividade para a trama e simbolizaram bem cada momento em que foram encaixadas, não exagerando para que o filme ficasse forte, mas que a ambientação simbolizasse a força do roteiro, e claro que o IML para dar o momento mais duro do filme, aonde com toda certeza, o trabalho de gravação foi maior, e o resultado ficou incrível. Embora queiram mostrar que a família possui muita fé, vive nos cultos e tal, e nos salões de beleza vendendo o trabalho manual das mulheres, se fosse o diretor, teria cortado as 4 cenas, pois não incrementaram em nada e apenas ficaram jogadas, gastando tempo, e claro, dinheiro da produção. A fotografia também trabalhou muito bem colocando sombras certas para dar preenchimento, e usando muita luz amarela para dar peso nas cenas, além claro da ótima cena aonde a luminária balança criando o jogo para cena seguinte, ou seja, um trabalho focado mais em segurar o tom da trama, não querendo realçar nenhuma cena, e principalmente não ser maior que a história em si.
A trilha sonora bem cadenciada, misturando a bateria tocada pelo protagonista em diversos momentos, com algumas trilhas para dar o tom de mistério na trama, resultaram em um filme com um ritmo gostoso e que passa rapidamente agradando os ouvidos sem abusar de firulas.
Enfim, é um ótimo filme que até possui defeitos que citei acima, mas que não desmereceram em momento algum todo o trabalho do restante, e dessa maneira recomendo ele demais para todos que gostem de um bom filme de vingança, e mais do que isso, por se tratar de um produto nacional bem feito, temos de valorizar mais ainda. Sendo assim, se o filme estiver passando em sua cidade, confira, pois foge bem das comédias novelescas que nos são jogadas diariamente nos cinemas, e principalmente mostra em que pé anda os ânimos das pessoas, pois vingança com as próprias mãos geralmente não funciona. Fico por aqui agora, mas volto em breve com a última estreia dessa semana nos cinemas do interior, então abraços e até breve.
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