Nesses meus anos de caminhada cinematográfica já vi muita coisa diferente e estranha nos cinemas, mas acho que nada se compara com a bizarrice mostrada em "O Conto dos Contos", aonde se você imaginar algo impossível de acontecer na tela, é provável que aconteça, e pior ainda, pois na cena seguinte conseguem superar com algo mais estranho, já que tentaram numa mistura de "Game of Thrones" com contos de fadas mais sombrios, incorporando o gore e trash de longas de terror em um único filme. Ou seja, é um filme completamente diferente que pode até agradar aqueles que gostem do extremismo, pois não é uma trama ruim, só é necessário ter estômago para aguentar a tanta insanidade reunida em um único longa que de maneira certinha conta um pedaço de uma história, vai pra outra, depois para a outra, daí volta para a primeira, e assim subsequentemente até o final completo das três histórias, que claro em diversos momentos tem participações coletivas de uma subtrama na outra.
O longa nos apresenta três fábulas presentes no livro Pentamerone, que dão origem a um mosaico da época barroca do século XVII na Itália. Três reinos vizinhos governados em castelos maravilhosos pelos seus reis e rainhas, príncipes e princesas. Um rei adultero e libertino, outro rei fascinado por um animal peculiarmente estranho e uma rainha obcecada pelo desejo de ter filhos. Magos, ogros, acrobatas e cortesãos são os heróis desta interpretação livre dos famosos contos de Giambattista Basile.
Hoje novamente fiz a loucura de ir ver o filme sem ler sinopse, nem ver trailer nem nada sobre ele, e agora pesquisando um pouco mais para poder falar, vi que o diretor italiano Matteo Garrone é o responsável pela loucura que foi "Gomorra" e também fez "Reality", que são boas histórias, mas usando da forma incomum de mostrar as coisas acaba saindo do estilo proposto e deixa o público confuso se gosta ou não do que viu, e aqui ele não nos decepciona novamente ao utilizar esse estilo mais irreal, brincando com diversas possibilidades de um mundo não tão bonito, aonde seus atos sempre geram consequências não tão boas. O filme roteirizado e dirigido por ele pode ser visto de duas maneiras, a primordial como uma história só utilizando o conceito neutro, e a outra que é trabalhando cada uma das três histórias como vértices bem separados, o que na minha humilde opinião é a melhor forma, e se fosse feita sem intercalações agradaria bem mais. Embora se pesquisar um pouco na net sobre o filme seja possível saber a ideologia de cada uma das três histórias, vou preferir não ficar falando sobre cada uma em específico, mas sim dizer o porquê de cada uma ser interessante. Na primeira trama da rainha, logo que o mago aparece e dá sua famosa frase de que nada se conquista e o preço do que desejam é algo caro demais, fica evidente tudo o que vai rolar, e por mais estranho que possa ser e desenrolar, cada ato é um flash do que foi dito, e ao mesmo tempo que vai acontecendo, só vamos esperando os próximos flashes. Na história do rei das orgias, o fato claro é mostrar que embora muitos falem que a beleza está no interior, ninguém quer ser visto com uma pele toda amassada, e o ponto mais forte é ver as pessoas loucas seguirem a risca o que é dito, não importa que seja uma loucura, de modo que "Carrie" foi fichinha para o fechamento do segundo ato da trama. E na história do rei com seu animalzinho de estimação mega bizarro, não bastasse essa loucura completa, ao entregar a filha para o ganhador da competição, vemos o desenrolar de algo que volta a mostrar que o anseio pela beleza é algo perigoso, e não dá para confiar em pessoas bonitas demais. Com essas deixas, tentei não dar muitos spoilers, mas já dá para pegar a ideologia maluca que o diretor mostra em carne crua visceral na tela, então não espere por cenas mornas, pois o que irá ver é o acontecer forte de cada momento, em ângulos bem proximais. E embora a censura esteja 14 anos, evite levar crianças menores de 16, pois a chance de um trauma é alto... por sorte o garotinho na fileira lá da frente a mãe entregou um celular para ele jogar, pois não é algo bom de se ver com certa idade.
Sobre as atuações, não posso dizer que me surpreendi com praticamente ninguém, pois os personagens falam mais do que as expressões dos artistas, de modo que poderiam colocar qualquer um fazendo os papeis principais de cada uma das três histórias que ainda assim acabaríamos chocados com o contexto completo e nem repararíamos em quem estava ali. Diria que Salma Hayek, que anda um pouco sumida de protagonizações, não estava lá com muita vontade de fazer uma das rainhas, e suas expressões ficaram angustiadas demais para alguém que desejava tanto ter um filho, talvez seja apenas uma falta de carisma na personagem, mas exalou rancor em todas as suas cenas. Os gêmeos Jonah e Christian Lees deram boas personalidades para seus papeis de Jonah e Elias, e com uma maquiagem branca exagerada fizeram cenas bem colocadas junto de Hayek, agradando pela ótima simbologia dos papeis. Vincent Cassel com longas madeixas de cabelo é algo meio incomum de se ver, e o seu rei libertino é algo que facilmente imaginamos com sua cara de muita bebedeira, de certo modo podemos usar a ideologia de suas cenas como se beber mais, qualquer baranga vira uma deusa, mas seu estilo é sempre algo interessante e robusto que agrada de modo geral. O trio de mulheres composto por Shirley Henderson como Imma, Hayley Carmichael como Dora e Stacy Martin como Dora na segunda fase, é algo bem controverso de se ver, pois ao mostrar o desespero das senhoras por serem novas e bonitas, é algo que seu semblante predominava de forma incrível, e quando surge Stacy como veio ao mundo, claro que de um modo bem fora do comum, a ideologia fica bem surreal para não dizer outras palavras. Que Toby Jones já possui uma cara de maluco nem é algo que se tenha de discutir muito, mas colocando seu rei para cuidar de um bichinho bem exótico, alimentando ele com seu próprio sangue até que esse bicho vire um cão imenso, vemos seus trejeitos ficarem ainda mais fora da realidade normal de uma pessoa, e claro que isso vai ficar mais tenso para frente, e o ator segura bem toda a compostura. Porém o grande destaque em controvérsia de expressões ficou a cargo de Bebe Cave com sua Violet, pois inicialmente se mostrando como uma jovem bem mimada e cheia de frescuras, ao entrar pro mundo mais forte e impactante com seu novo marido, aí ela vira outra, com uma reviravolta incrível (quando já havia acontecido uma reviravolta bem trabalhada, mas que não é encerrada) que todos vão ficar bem chocados mesmo imaginando a cena completa que foi semi anunciada, ou seja, a garotinha mostrou que tem pegada.
Sobre o visual da trama, ao juntar clássico de época barroca com figurinos exuberantes e cheios de panos e adornos, junto com fantasia aonde podem surgir bichos e pessoas de todas as formas estranhas possíveis, e adicionar à tudo isso um estilo mais sombrio puxado para o terror mais trash e gore, o filme não tinha como não ter uma produção eficiente que deu liberdade poética e asas para que o diretor de arte criasse muitas coisas que uma cabeça normal sequer conseguiria imaginar, e com isso, o filme está lotado de elementos cênicos bem importantes para dar contexto à cada personagem e montando assim a história de forma completa, ou seja, tudo o que você ver em cena terá alguma importância mais para frente, então assista ao filme com olhos em 180 graus, observando tudo. E claro que para manter a essência fantasiosa sombria, a equipe de fotografia trabalhou a iluminação em tons bem escuros para segurar a tensão e manter o clássico estilo de época, talvez se posso fazer uma reclamação, embora seja pertinente que embaixo da água turva não se vê muita coisa, ou cortassem fora a cena (o que seria um desperdício, pois tem muita simbologia ali do que vai rolar para frente), ou melhorassem mesmo que deixasse falso o visual da imagem, pois chega a ser um incômodo acompanhar a cena inteira lenta e embaçada.
Sobre a sonoridade do filme, é claro que Alexandre Desplat não se contém apenas com sussurros e suspiros para compor suas trilhas mais profundas, colocando sua orquestra completa para termos ruídos e climas bem dentro do que o filme pediria, e ainda não deixando que o longa cansasse tanto o espectador ao manter um ritmo mais lento na primeira parte de apresentação de cada trama.
Enfim, não é um filme perfeito e interessante ao ponto de que todos vão querer assistir, no contexto geral posso dizer que é um filme bem diferente, que ou vai agradar demais quem for conferir, ou vai incomodar tanto que será difícil o espectador ficar até o final da sessão. Claro que sempre vai ter aqueles curiosos que se seguram para não ir embora, e esses podem ficar meio que em cima do muro, mas no contexto geral, a trama é bem interessante, porém bizarra demais para se deixar levar por tudo o que é mostrado. E sendo assim, até recomendo o filme para todos (colocando em pauta a idade limite para 16 anos e não 14 como foi lançado), mas que certamente muitos vão achar que é maluquice demais para sua cabeça, portanto fica a dica, que não é algo comum de ir ver tranquilamente numa tarde à toa. Bem é isso pessoal, infelizmente essa semana foi bem curta, e encerro já aqui minhas postagens, mas volto na quinta (já que o filme vai acabar quase meia-noite) com a pré-estreia do blockbuster da próxima semana, então abraços e até lá.
PS: Estava com intenção de falar de cada cena do filme, pois me revoltei muito com toda a bizarrice da trama, mas viraria um texto só de spoiler, e como sempre digo, prefiro não estragar a oportunidade de cada um ver o filme à sua maneira.
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