Alguns filmes franceses são tão leves na proposta que acabamos viajando pelo enredo e pensando até mais do que nos é mostrado, e em alguns momentos vamos juntando cada pedacinho para formar um conteúdo maior e acaba que o resultado é empolgante e nos traz ótimas lições também. Outra coisa bem engraçada no caso desse filme é que diferente de títulos jogados ao serem traduzidos em outros países, aqui podemos utilizar os nomes em português, inglês e francês na proposta da trama. Em português o longa será lançado como "A Viagem de Meu Pai" é poderá funcionar tanto pela viagem que o senhor está fazendo e nos é mostrado, como também pelo sentido figurado do verbo viajar, sair de si, imaginar coisas. Nos EUA o longa se chamará "Flórida" e faz referência claro aonde a filha do protagonista mora, bem como de onde é proveniente seu suco favorito. E claro que em francês temos "Floride" tanto pela referência ao nome do estado, mas também ao nome do carro do protagonista. Ou seja, um filme abarrotado de referências, aonde tudo nos leva a pensar que será que ao chegarmos nessa idade iremos "viajar" tanto assim, ficar tendo esquecimentos, relembrar sempre as mesmas coisas boas que ficaram bem gravadas, estarmos conversando sobre algo e logo em seguida nem lembrarmos aonde estamos. Pois é, a velhice não é a melhor idade como muitos dizem por aí, mas temos de ser bem pacientes com quem está nela, pois repetir é preciso!
O longa nos mostra que aos 80 anos, Claude Lherminier ainda conserva sua imponência, apesar dos frequentes ataques de confusão e esquecimentos. Condição que ele se recusa a admitir. Carole, sua filha mais velha, trava uma batalha diária e desgastante para cuidar do pai. E, por um capricho, Claude decide viajar à Flórida, deixando no ar o motivo dessa viagem repentina.
É interessante a forma que Philippe Le Guay trabalha seu roteiro e direcionamento, pois possuindo um estilo bem próprio, o qual vimos em "Pedalando com Molière", o diretor gosta de trabalhar pensamentos e deixar para que o público reflita, claro que sempre abusando de muito humor, e aqui isso não foi diferente de ver, mas optou por ser mais direto nas ideologias, deixando claro que ao mesmo tempo que vê como um problema o esquecimento, também serve para tirar de cena os maus momentos, e claro que aquele que administrar bem isso, pode ser extremamente feliz, mesmo que deixe os demais malucos. Sem abusar da inteligencia dos espectadores, o diretor trabalhou com planos simples, mas que demonstrassem bem a personalidade do protagonista, e sem ousar muito, deixou que seu roteiro falasse sozinho através das atitudes de cada personagem, mais do que a ação em si, e claro que para isso, usou e abusou de elementos cênicos que estiveram presentes na maioria dos momentos da trama. Ou seja, um filme doce, sensível e gostoso de assistir, mas que poderia ter um ritmo mais trabalhado, ou menos momentos para serem mostrados, pois a dinâmica funcionaria da mesma forma e agradaria até mais.
É fato que o filme seria completamente diferente sem o grande Jean Rochefort, que imprimiu com muita personalidade seu Claude e encantou a todos com os diálogos preparados e bem encaixados para cada momento do filme, seus trejeitos saiam com uma naturalidade única de forma tão tranquila que o longa parecia ter sido feito para ele realmente, claro que ter praticamente a mesma idade do personagem ajuda, mas certamente o veterano ator francês ainda tem muita pólvora para queimar nos cinemas mundiais. Sandrine Kiberlain nos entregou uma Carole até tranquila demais para com seu pai, pois conhecendo muito o que é ter alguém repetitivo e que esquece as coisas, e do jeito que o velho acaba lhe instigando certamente ninguém agiria com tanta calma, mas a atriz foi tênue, bem feliz na expressividade e acabou agradando bastante, mesmo que em alguns momentos soasse artificial demais. Os demais personagens serviram bem como encaixes nos bons momentos e cada um se destacou no que fez, imprimindo boas personalidades e trejeitos claros para cada ato: Laurent Lucas mostrou com seu Thomas, um estilo mais fechado para com os mais velhos e que acabam sofrendo as consequências disso, Anamaria Marinca deu para sua Ivona o acerto que muitas cuidadoras conseguem fazer que é não cair nos truques dos idosos e acabar caindo muito na graça deles, e claro que Clément Métayer fez de seu Robin o neto querido que ajuda claro o avô nos momentos que ele mais precisa.
Sobre o visual da trama, temos ótimas escolhas de locações, mas mais do que isso, é importante vermos que toda a cenografia foi colocada à prova ao trabalhar diversos elementos cênicos para remeter à cada deslize de memória do protagonista, e claro repetir sempre seus detalhes mais fortes de lembranças, encaixando isso na vida anterior dele de empresário do ramo do papel, com muitos elementos de colecionador e claro remeter também à suas filhas, e isso está presente em cada detalhe da casa do protagonista, nas suas viagens e claro até o seu fim mostrando tudo com simplicidade e destreza num ótimo trabalho. A fotografia não ousou muito em sombras, mas optou em trabalhar tons junto com a equipe de arte para remeter bem à cada memória.
Enfim, é um ótimo filme, mas que poderia ser menos alongado e ter mais ritmo para envolver, pois no miolo mesmo divertindo bastante, chegamos a ficar cansado com o que foi apresentado. Porém ainda assim vale muito a pena ver o filme e pegar todas as lições apresentadas. Bem é isso pessoal, encerro aqui minha participação no Festival Varilux, conferido os 14 filmes que vieram para Ribeirão Preto, 1 acabou ficando de fora da cidade, mas é a vida. Volto na quinta com mais textos das estreias, então abraços e até lá pessoal.
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