Qual o resultado poderíamos esperar de circo, cinema francês de qualidade passado na época da Nouvelle Vague, Omar Sy e o neto de Chaplin no mesmo filme? Com toda certeza, algo que vai transmitir sensações desde a simples comoção, passando pela risada sutil por ver uma palhaçada clássica, até chegar no ápice de um drama de lições morais duríssimas ao envolver valores como amizade verdadeira, cobiça, e claro muito racismo! Ou seja, "Chocolate" não é apenas o filme de abertura do Festival Varilux de Cinema Francês, mas como posso adiantar com quase toda certeza que irá figurar entre a turma do primeiro escalão das notas, pois mesmo sendo um pouco alongado para mostrar toda a trajetória do protagonista, conseguiu dizer coisas que muitos filmes vão custar a repetir em alto e bom som, sem chegar a lugar nenhum.
O filme nos apresenta o jovem negro Rafael Padilla que nasceu em Cuba em 1868 e foi vendido quando ainda era criança. Anos depois ele consegue fugir e é encontrado nas docas por um palhaço que o coloca nas suas apresentações. Em seguida, Padilha passa a ser conhecido como Chocolat, tornando-se o primeiro artista circense negro na França, um grande sucesso no final do século XIX.
Sempre é interessante ver quando um ator vai para trás das câmeras e vai dirigindo pequenos filmes, até que caia o longa grandioso certeiro no colo para envolver e agradar a todos, e é claro que Roschdy Zem, que já passou por todos os estilos de produções, sejam elas francesas ou americanas, não faria algo ruim. E aqui ele optou por não trabalhar exageradamente com flashbacks para relembrar a infância sofrida do protagonista, e deixar que isso fluísse naturalmente e com um simples diálogo resolveu todo o passado para chegar aonde o filme começa, claro que isso bem lá pro meado final, mas nada que atrapalhasse o entendimento completo da trama, afinal o longa se desenrola conforme uma ótima sinfonia, trabalhando cada momento como único, não implorando ao público nem risadas nem choro, e deslanchando de tal maneira que o diretor parecia saber o que o público desejava ver na cena seguinte, se o protagonista tinha algum grande crescimento, certamente veríamos o que ele faria com o que ganhou, se tomava uma bordoada da vida, com certeza torceríamos pela sua subida, e assim sucessivamente como dizia o ditado que entre tombos e tropeços da vida, se vamos aprendendo com eles, podemos ser melhores no futuro. E o diretor conseguiu trabalhar bem a ideologia da trama na mesma forma em que dirigiu o filme, pois é fato que vemos durante todo a trama, diversos tropeços seus, afinal algumas cenas são completamente desnecessárias, outras são forçadas, mas o sucesso final é tão grandioso, que a mágica faz com que saíssemos da sala com um sorriso estampado na cara.
Se a direção foi perfeita, isso se deve com toda certeza ao ótimo trabalho da dupla Sy-Thiérée, pois ambos souberam segurar a trama com unhas e dentes, ou melhor com olhares expressivos e tombos para se entregarem a cada nova cena para o público, como se fosse sempre um clímax. Omar Sy é um ator ímpar, mas que oscila demais nos papeis que acaba escolhendo, dando grandes shows no cinema francês, e apanhando muito com personagens secundários fracos em longas americanos, e como estamos falando de uma obra francesa, é claro que seu Rafael Padilla/Chocolat foi brilhante, trabalhando com todo tipo de visual, diversas truques de maquiagem para envelhecer e ter diferentes facetas, mas sem sombra de dúvida o que chama atenção é a expressividade que entrega para cada cena sua, envolvendo tanto no quesito dialogado quanto quando apenas necessita ficar olhando parado para uma criança e sabemos exatamente o que ele está sentindo, ou seja, perfeito para o papel, e perfeito no que faz! James Thiérée não faz questão de ser conhecido como neto de Charles Chaplin, tanto que não usa o sobrenome de sua mãe que certamente lhe abriria mais portas do que já abre naturalmente, pois o ator não depende de nomes para mostrar o quanto é bom no que faz, e seu George Footit demora um pouco para mostrar a que veio, pois inicialmente apenas vemos alguém arrogante, que para conseguir crescer utiliza um desconhecido como trampolim e consegue, mas mais do que isso acaba tendo uma grande amizade com ele, e em seguida após decolar o ator trabalhou bem sua vivência e com características marcantes acaba agradando bastante em suas expressões. O elenco de apoio da trama é composto por muitas atores e cada um ao seu modo acabou mostrando boas cenas junto dos protagonistas, mas sem ter grandes destaques apenas encaixando para cada momento o funcionalismo claro e interessante que poderiam compor até obras separadas da vida do personagem principal, então é bacana prestarmos atenção nos momentos de Clotilde Hesme como Maria Hecquet nos momentos mais romantizados com o protagonista; Frédéric Pierrot como Théodore Delvaux mostrando que donos de circos pobres sempre vão depender e irão tirar proveito máximo de seus artistas; Olivier Gourmet como Joseph Oller ao mostrar que um bom empreendedor busca sucesso em qualquer fim de mundo; e até mesmo tivemos um grande momento da história do cinema mundial sendo retratado na telona, pois vemos os irmãos diretores Denis e Bruno Podalydès interpretando uma das primeiras gravações dos Irmãos Lumière, que vemos depois o original filmado antes dos créditos finais do longa.
Sobre o conceito visual da trama é algo incrível de se ver, pois temos uma França característica do final do século XIX, que mesmo harmoniosa, bonita e clássica é muito rigorosa e segregada por classes, temos como cenários um circo de estrada bem rústico, um circo de pantomima clássico e belíssimo, um hospital infantil pouco simbolizado, um teatro clássico, e claro muitas festas com jogos de azar, afinal a vida de Chocolate foi algo que passou por todo lugar que se possa imaginar, ou seja, uma trama com muita representatividade na direção de arte que foi minuciosa em trabalhar diversos elementos cênicos e sempre ousando com cores junto da direção de fotografia, que optou muito pelo filtro sépia quase indo à tom de dourado, contrastando com as cores vibrantes dos figurinos dos protagonistas, acabou segurando realmente os olhares para onde deveria.
Enfim, como disse é um filme que até possui alguns defeitos, principalmente aparentar alongado, já que com 110 minutos aparenta ter muito mais tempo de tela, e que poderia ter algumas cenas cortadas, afinal não acrescentam muito para a trama, mas que nada atrapalham também. Porém como volto a frisar, é um filme francês de classe maior, que agradará sem dúvida alguma à todos que conferirem ele, pois mesmo que tenha algo que acabe incomodando, o resultado final é mais do que satisfatório e envolvente. E sendo assim recomendo ele para que todos vejam, seja na estreia no Brasil que ocorre em 21 de Julho, ou nas cidades aonde está rolando o Festival Varilux nas próximas duas semanas (Em Ribeirão Preto dias 15/06 às 19h25 e 18/06 às 21h40). Bem é isso pessoal, esse é apenas o primeiro dos 20 filmes que irei conferir nos próximos dias, ou seja, se vocês gostarem do que escrevo, vai ter muita coisa para ler, então abraços e até breve.
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