Acho bem interessante o trabalho de alguns diretores alternativos que procuram trabalhar o misticismo de vilas e religiões de uma forma diferenciada, e por muitas vezes acabam conseguindo segurar mais o público do que um longa tradicional. Claro que esses casos são raros, e por terem uma forma tradicional de fechamento, o qual deixa sempre aberto para que o público tire suas próprias conclusões, muitos nem gostam de assistir esse estilo próprio de filmes. Em "O Milagre de Tekir", temos um filme que segura muito bem a dinâmica e a curiosidade do público, e com uma história que por horas queremos acreditar na moça e por diversos momentos também pensamos em algum tipo de imaginação aflorada por delírios com drogas ou algo do tipo, ficamos sempre caminhando com os dois pés atrás sem saber no que acreditar, e claro torcendo para que a diretora não pare o filme tão cedo para que descubramos mais algo. Pois bem, a diretora termina o filme de uma maneira bem curiosa, que dá um sentimento interessante, mas é claro que não vamos descobrir muito, afinal como disse, esse estilo de filme prefere que as conclusões sejam feitas por nós e não entregues de graça, e assim sendo vamos com um filme até que bacana, mas que poderia nos revelar um pouco mais do misticismo da vila, e claro o motivo de tanto interesse do padre.
O longa nos apresenta Mara, uma mulher solteira, que está misteriosamente grávida. O fato se torna um problema para ela e para os habitantes de uma pequena vila de pescadores no delta do Danúbio, onde religião e superstição se misturam com facilidade. Expulsa do lugar, ela encontra um emprego no Tekir, um spa que trata mulheres inférteis com a lama do rio europeu. Ao conhecer Lili, uma mulher excêntrica e cosmopolita, descobre uma saída para sua concepção "imaculada".
O trabalho de contexto que a diretora e roteirista Ruxandra Zenide fez em seu filme é algo que certamente temos de tirar o chapéu, pois conseguiu trabalhar um tema que certamente não teria muito impacto se visto com outros olhos, mas que ao manter sua trama com poucos diálogos e mais representatividade, ela acabou fluindo pelo ótimo visual e dando um amplo valor simbólico para o misticismo da região, e assim sem que o público perceba, ele já está completamente envolvido com a personagem principal e com tudo o que está rolando. Claro que volto a frisar, não é um filme comercialmente falando perfeito, pois pouquíssimas pessoas pagariam por algo do estilo, mas acabamos ficando com uma alta expectativa para um desfecho bem palpável e com isso a proporção da trama nos leva para algo bem maior que é a reflexão espiritual do que realmente acreditamos, no caso, se o que a moça diz ser sua verdade é realmente a verdade para com a trama.
Com toda certeza a diretora gostou do trabalho de Dorotheea Petre, pois após a atriz ter feito seu primeiro trabalho no cinema no último filme da diretora, ela voltou agora com uma ótima expressividade para com sua Mara, de modo que a atriz assumiu bem a responsabilidade de conduzir a trama com olhares, sentimentos e a cada novo diálogo ao falar com muita serenidade ela conseguiu deixar a personagem com um ar místico maior até que o longa pedia. Bogdan Dumitrache deu uma perspectiva diferenciada para o padre Andrei de tal modo que se inicialmente achávamos que ele seria mero figurante de cena, ao final já chegamos à outras conclusões pela forma de sua interpretação, é claro que isso em momento algum é mostrado na trama, mas a forma expressiva dele, junto com a história completa acaba tomando rumos diferenciados nas últimas cenas. Elina Löwensohn fez de sua Lili uma mulher estranha, claro que isso estava no roteiro, mas ao misturar egocentrismo com exagero na personificação, acabou dando um tom meio falso e estranho para a personagem, de tal modo que ao mesmo tempo que ficamos torcendo para que seja curada, torcemos também para que ela se lasque. Dos demais personagens, alguns passaram rapidamente e tiveram até alguns momentos de destaque como George Pistereanu fazendo bem seu michê Julio, e Viorica Geanta Chelbea dando simbolismo para a cigana proprietária dos alojamentos, mas sem dúvida o maior mistério fica por conta de Mirela Oprisor com sua Vitória e a ligação dela com o padre.
Visualmente o longa nem possui tantos elementos cênicos, mas as escolhas das locações sem dúvida alguma foram incríveis para a concepção completa do longa, desde a pequena vila de pescadores, passando pelo luxuoso hotel Tekir com spas chiques e tudo mais temos boas simbologias para representar cada momento do filme, mas sem dúvida alguma o grande acerto artístico ficou por conta do pântano de lama negra que acabou tendo bem mais do que uma simples representatividade no longa do que apenas visual. Aliada ao bom visual é claro que a fotografia usou e abusou de enquadramentos bem abertos, sem usar iluminação artificial para quase nenhum momento, dando sombreamentos mais duros e vivos para a trama, de tal modo que cada cena foi mais bonita de ver que a outra.
Enfim, é um filme interessante, que poderia ter rumos muito mais grandiosos para com a ideia completa, mas ainda assim pelo estilo que se propõe a mostrar acaba cumprindo e certamente quem gosta de longas assim vai sair bem satisfeito com tudo o que foi mostrado. Portanto recomendo ele como um bom exemplar de filme que trabalha bem o misticismo religioso, mas deixo a ressalva que quem não gosta de tirar as próprias conclusões de um filme, talvez evite ver o longa, pois certamente vai sair irritado com o fechamento do longa. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com o texto sobre uma animação para maiores de idade, então abraços e até breve.
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