Se existe um gênero que o Brasil certamente deveria investir por estar funcionando muito bem é o de dramédias românticas, pois ao trabalhar temas sérios com uma profundidade coesa e ainda dar um tom cômico para isso é algo que quando bem feito agrada demais e comove o público, e quem anda fazendo isso já há um longo tempo são nossos vizinhos argentinos, e claro sempre com uma qualidade incrível. Digo isso, pois diferente do que ocorre em comédias bobas, que rimos de piadas absurdas e escatologias, isso quando rimos, aqui o resultado é outro, pois acabamos nos divertindo com a situação e fluindo mais com a história, que por vezes até acabamos nos conectando com a ideia completa, como foi o caso de "Desculpe o Transtorno", aonde o diretor Tomás Portela foi simples e objetivo na montagem, e junto de um ótimo ator (que quando quer faz bem) acabou trabalhando um resultado incrível de filme divertido na medida certa e que nos leva a pensar na vida regradinha que levamos.
Um homem tem dupla personalidade e incorpora as diferenças entre Rio de Janeiro e São Paulo: Uma hora ele é o certinho e tímido paulistano Eduardo; em outra, se transforma em Duca, um carioca fanfarrão e folgado. Ele se envolve em uma grande confusão amorosa quando, apesar de estar em um relacionamento estável com a noiva, seu alter-ego acaba se apaixonando por outra mulher, que ele acaba de conhecer.
Não sei se o diretor Tomás Portela também possui transtorno dissociativo de identidade, mas é um dos diretores nacionais que mais tem variado nos estilos das produções, fazendo comédias românticas, terror psicológico, ação policial e agora atacando nos dramas cômicos, ou seja, podemos dizer que é um diretor que não tem medo de arriscar, e busca imprimir sempre sua marca aonde coloca a mão, pois o que podemos ver de semelhante nos seus quatro longas é a liberdade criativa que deixa nas mãos de seus protagonistas, pois incrivelmente em todas suas direções, os atores acabam levando o longa quase que livremente para encontrar rumos fluídos e bem incorporados, o que raramente vemos no cinema nacional. Claro que em "Isolados" ele deixou tudo muito figurativo, e em "Qualquer Gato Vira-Lata" temos alguns exageros nas personificações, porém com "Operações Especiais" e agora com esse novo lançamento, o diretor deixou que tanto Cleo Pires em Operações quanto Gregório Duvivier aqui fizessem seus longas com suas caras, quase entrando no rumo do cinema de atores que tanto vemos em grandes ganhadores de Oscar, e isso muitas vezes é arriscar a mão, pois o ator pode não corresponder à expectativa do diretor para com seus planos, mas volto a frisar que em ambos os casos, o acerto foi brilhante, e novamente aqui ele fez um filme simples, mas com muito conteúdo para ser trabalhado e agraciado, ou seja, um filme tecnicamente perfeito, que talvez possamos contar apenas como defeito o exagero de idas e vindas de avião que chega a cansar, mas tirando esse detalhe, tudo flui muito bem e divertiu, que é o princípio de uma boa comédia.
Se no longa "Contrato Vitalício" Gregório Duvivier conseguiu ser completamente irritante e por vezes tivemos vontade de bater nele devido o excesso de exageros, aqui com seu Eduardo/Duca o ator conseguiu reverter completamente a má impressão de ator sem qualidades para o cinema que tanto questionamos, pois trabalhou expressividade, foi coeso nos momentos mais delicados e ainda colocou personalidade (dupla por sinal) em seus personagens, fazendo com que tivesse um carisma fora da medida e acabássemos nos conectando bem com seu problema, ou seja, assim como disse que Fábio Porchat deveria repensar seu estilo após fazer bem "Entre Abelhas", posso dizer o mesmo para Duvivier pensar se comédias escrachadas vão lhe dar futuro, pois as comédias dramáticas lhe caíram bem como uma luva. Dani Calabresa foi bem como Viviane, mas de certo modo ficamos pensando se existem realmente mulheres tão exageradas (para não dizer chatas) como a que ela (ou os roteiristas) se inspirou para fazer o papel, pois chega a incomodar o estilo da personagem de tão forçado que a atriz acabou incorporando. Clarice Falcão foi singela e interessante com sua Bárbara, e de certa forma pelos olhares até pintou um certo clima de reconciliação na vida real, ou só fizeram bem seus papeis (já que Clarice e Gregório foram casados em 2014), mas mais do que belos olhares, a atriz também deu boas lições com a doçura de explicações psicológicas complexas que acabaram chamando bastante a atenção para seus momentos. Rafael Infante e Daniel Duncan trabalharam bem como os amigos do protagonista, e até conseguiram sem ser forçados aparecer pouco e agradar, o que mostra que a turma do Porta dos Fundos pode cair bem quando não está fazendo humor ácido, se forem bem trabalhados por um bom diretor. Marcos Caruso teve algumas participações como o pai do protagonista, mas nada que fosse memorável, mas como sempre conseguiu ser simbólico em alguns momentos, como na cena do banheiro.
Basicamente o longa possui quatro locações principais, o aeroporto do RJ aonde o protagonista conhece a mulher coelho, a sua casa de infância que foi muito bem decorada para manter ares antigos como se a mãe tivesse parado no tempo, o escritório da empresa de patentes aonde o que vemos são apenas pessoas trabalhando em frente de seus computadores divididos por divisórias, e o apartamento perfeito para quem TOC com tudo em tons cinzas bem clean e cheio de nuances simbólicas para com a vida regrada do personagem principal. Ou seja, não temos um filme muito trabalhado nos elementos cênicos, mas de certa maneira tudo é bem colocado para simbolizar cada fase do protagonista. E claro que procuraram também dar o contraste entre as duas cidades, colocando São Paulo como uma cidade cinza e séria, enquanto o Rio de Janeiro foi colocado como uma cidade viva, descontraída e cheia de calor humano, ou seja, a velha rixa entre os dois estados. No conceito fotográfico abusaram demais de closes talvez para economizar na cenografia, e de certo modo faltou uma pegada de ambientação maior aonde o diretor pudesse trabalhar tons e iluminações diferenciadas, porém nos momentos mais intimistas como no pôr-do-sol e no passeio de bicicleta souberam colocar tudo à prova para envolver e chamar atenção.
Enfim, um filme gostoso de assistir e de ouvir também, já que com uma musicalidade bem doce o longa acabou sendo envolvente e se fez valer do ingresso. Recomendo a trama com toda certeza tanto para quem gosta de comédias românticas quanto para quem gosta de um estilo mais dramatizado, pois o final foi muito bem trabalhado nesse conceito, ou seja, um filme para todos os estilos, que mostra que o Brasil pode se tornar uma potência cinematográfica se não forçar tanto a barra. Bem fico por aqui hoje encerrando os filmes que estrearam na semana passada e não vi, mas volto amanhã com mais longas, afinal nessa nova semana ainda tenho mais três estreias para conferir, então abraços e até breve galera.
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