Acho bem engraçado o estilo dos filmes britânicos, pois assim como temos a neblina londrina como algo marcante da cidade, os diretores acabam sempre criando climas sombrios para qualquer estilo de filme, e quando envolve lances policiais então, é quase um mistério atrás do outro sem que o público possa parar para tentar analisar a situação e ver se ela vale a pena ser adentrada. E assim como nós ficamos nesse dilema, o personagem de Ewan McGregor em "Nosso Fiel Traidor" também fica bem intrigado com o seu papel dentro de um esquema complexo e a cada nova reviravolta do caso vemos que nada nessa vida é por acaso, e coisas simples como o âmbito familiar e amizades dentro das possibilidades criminosas dificilmente se equivalem para algo menos tradicional. Diria que se estivesse lendo todos os livros de John Le Carré, esse sem dúvida alguma é o que mais foi difícil de adaptar para o cinema, pois são situações tão incondicionais que cada protagonista teve de realmente se envolver dentro do personagem para atingir com fidelidade as expressões que o diretor desejava, e o resultado é um filme muito bem feito que poderia ser ainda melhor com alguns detalhes a mais.
Nosso Fiel Traidor conta a história de Perry Makepeace e Gail Perkins, que em uma viagem ao Marrocos conhecem Dima, um membro do alto escalão da máfia russa. Para tentar preservar sua vida e de sua família, Dima pede ajuda aos dois para conseguir asilo político na Inglaterra, via MI6 (o serviço britânico de inteligência). Em troca, promete nomes de políticos, advogados e banqueiros britânicos envolvidos em um esquema internacional de lavagem de dinheiro.
Outro fator bem interessante sobre a produção é que além de ser baseada no livro de um dos maiores escritores de filmes de espionagem, aqui temos uma diretora à frente do projeto, e Susanna White acabou dando um tom diferenciado para o filme, deixando o ar duro da trama que certamente teria com muito mais brigas, tiros e claro o teor machista que existe por trás da história (e que claro ela não deixou de mostrar), mas pode junto colocar um tom familiar mais trabalhado, o problema da situação do casal protagonista aonde ela está bem melhor posicionada no seu emprego versus a simplicidade do marido, o tom de homens nobres defendendo mulheres injustiçadas e por aí vai, mas nada que tirasse a real entonação do longa para com a dinâmica de traições dentro da máfia russa. A diretora soube trabalhar o texto de Hossein Amini sem muita ousadia em cenas clássicas, porém junto do diretor de fotografia soube incrivelmente dar nuances diferenciadas para as interpretações, pois usando de várias câmeras (algo que costumeiramente ocorre em longas de ação e raramente em dramas mais tensos), os atores tiveram de realmente se expressar ao máximo para cada cena dramática, e isso ficou lindo de ver na tela, já que não tiveram de soar falsos para determinado ângulo, ou seja, temos um filme envolvente aonde os atores praticamente entraram realmente no clima desejado pela diretora dentro do contexto que o longa pedia, e assim sendo o filme tem vida própria.
Sobre as atuações é fato claro que Ewan McGregor anda mudando muito seu estilo, que se antes era daqueles atores cheios de vivência e ação, agora vemos um homem mais centrado e com perspectivas claras do estilo que deseja mostrar, de tal maneira que seu Perry chega a ser até fechado demais dentro da trama, sem que soubéssemos muito sobre sua vida poética, mas que embalado pelas situações acaba rumando forte para o desenrolar completo que vemos no segundo ato, aonde o ator mostrou muita personalidade e por bem pouco não voltou às origens clássicas, mas sempre num tom sério e verdadeiro de acreditar, o que deu um charme a mais para sua interpretação. Stellan Skarsgård como sempre trabalha a personalidade dos seus personagens de maneira única e incrível, de tal modo que seu Dima transpareça a visceralidade de um homem disposto a fazer qualquer coisa para defender a família, mas que também não fuja dos seus princípios e com uma dinâmica forte e praticamente gritada, o ator chega até a assustar em alguns momentos, mas por dentro se mostra um homem incrível de acreditar. Naomie Harris foi simplista ao colocar sua Gail de um modo quase egocêntrico, porém com o desenrolar da trama a atriz foi se soltando mais, e a promotora durona passa a entrar mais num bom clima, mostrando que tanto a personagem quanto a atriz souberam ir no fluxo certo que o filme desejava ter. Damian Lewis entrou no clima tradicional que todo bom agente da MI6 possui e fez de seu Hector um daqueles personagens memoráveis que ficamos intrigados para ver até onde consegue coagir as pessoas, e o ator soube dosar cada momento para não transparecer nem forte demais para as cenas duras, nem imparcial demais para debandar logo de cara, sendo conciso em cada ação, agradando com personalidade. Do lado mais malvado do longa, todos fizeram carões e com certeza sofreram muito para pintar no corpo as diversas tatuagens da máfia russa, mas todos soaram falsos nos trejeitos, pois sempre com expressões duras era fato que nenhum estava vivenciando bem aquele trejeito, e sendo assim é melhor não dar destaque para nenhum, mesmo que tenhamos bons atores em cena. Um destaque negativo não tanto para a atuação, mas pela falha cênica dentro de um roteiro tão bem trabalhado foi a de o MI6 não ter tirado nenhum celular dos filhos do mafioso, pois a cena que Alicia von Rittberg como Natasha liga para o namorado é algo que até uma criança sabe o que vai acontecer, e isso acabou meio que ficando ruim dentro de tudo o que vinha seguindo.
O contexto visual da trama é algo incrível, pois trabalharam em lugares maravilhosos como Marrocos, Inglaterra, Suíça e França, em boa parte na época de neve, e também em diversas outras épocas, criando símbolos visuais incríveis dentro de palácios, com muitas festas e claro também muita tensão em lugares mais intimistas cheios de elementos cênicos interessantíssimos de ver, ou seja, um trabalho magistral da equipe de arte que certamente fez o orçamento do longa disparar a cada nova criação cênica, mas o resultado valeu bem a pena. Como disse acima, a sacada de várias câmeras foi um charme a mais dentro da proposta de um diretor de fotografia que gosta de trabalhar a expressividade dos atores, mas com isso também recaiu uma cobrança monstruosa para com a iluminação de seus ambientes para que nada ficasse desconexo, e com tons cinzas dominantes, cada cena teve um charme próprio que beirou a perfeição de ângulos e luzes, criando perspectivas que misturaram clássico e moderno.
Enfim, um filme tenso e bem feito, que falhou um pouco por ser lento demais, porém como esse estilo pede longas mais calmos é certo que quem for fã do estilo irá gostar bastante do que verá na telona. E claro que sendo assim recomendo e muito o filme para todos, que mesmo vendo defeitinhos espaçados vai sair satisfeito com praticamente tudo. Bem é isso, fico por aqui hoje, mas volto em breve com a última estreia dessa semana, então abraços e até mais pessoal.
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