Ainda sonho em um dia que o cinema brasileiro terá toda semana um novo filme de gêneros variados e de qualidade tão superior que vamos ficar esperando pelo lançamento como ocorre com longas de diretores internacionais renomados. E se você leu essa frase achando que o Coelho está maluco, e que isso jamais vai acontecer, digo que sei que não está tão perto, mas posso dizer que 2016 foi o ano que mais tivemos longas de gêneros variados em nossa filmografia nacional, e que a qualidade de muitos foram bem satisfatórias para que possamos começar a acreditar num futuro melhor. Digo isso claro com ressalvas, pois "Através da Sombra" é um excelente exemplar de filme de suspense, com uma tensão característica, uma excelente locação para trabalhar a história e atuações convincentes para agradar, porém o defeito tradicional de longas alternativos que tentam ir para o lado comercial voltou a atacar, com o diretor desenvolvendo todo o miolo quase que de forma literária para que todos entendam a ideia que deseja mostrar, mas quando chega no final deixa aberto demais para que você divague, ou seja, um filme interessantíssimo com uma ótima proposta, mas que falhou no fechamento para ser perfeito. Porém ainda assim recomendo muito o longa para todos que gostem de filmes com mistérios, para que com uma boa bilheteria, quem sabe em breve tenhamos outros desse estilo no país.
A sinopse nos mostra que a tímida Laura é contratada por um homem rico para cuidar de seus dois sobrinhos órfãos, que moram numa fazenda de plantação de café. Apesar de não se dar muito bem com o campo, ela aceita a tarefa, e logo estabelece uma amizade com a pequena Elisa, enquanto seu irmão é enviado a um internato, por razões desconhecidas. Aos poucos, com a presença dos escravos e da governanta Geraldina, Laura tem a impressão de que alguns segredos são escondidos naquela casa. Ela acredita inclusive ver algumas pessoas que ninguém mais vê.
Se você ao ler a sinopse e depois ver o trailer achou muita semelhança com diversos outros filmes internacionais("Lugares Escuros" de 2006, "Os Inocentes" de 1961, entre outros), você não ficou maluco, pois ambos os filmes são baseados no texto de "A Outra Volta do Parafuso"("The Turn of The Screw") de Henry James, mas aqui o diretor e roteirista Walter Lima Jr. optou por menos abstrações e mistérios e deixou tudo com um tom mais ligado com os espíritos mesmo, montando um mote mais simples, porém eficiente para que o filme funcionasse mais comercialmente também. Agora é inegável o grande trabalho cênico que o diretor conseguiu para sua produção, pois contando com trens de passageiros (algo que hoje praticamente inexiste no Brasil), um casarão de café gigantesco com escravos trabalhando na torra do grão, com muita fumaça e fogo, e claro tudo bem simbolizado para dar o tom de mistério que o filme necessitava. Claro, que poderia ter dado sua opinião pessoal no fechamento para não largar tão em aberto, e também poderia criar um mistério mais denso no desenvolvimento completo, mas nada que incomode tanto, pois a situação em si já é bem explicativa. Ou seja, a adaptação do livro foi bem transitada para nossos moldes, mas uma pitadinha a mais faria o longa ser algo de nível exemplar.
Sobre as atuações, Virginia Cavendish me enganou bonito no trailer, e até em diversas cenas do longa com sua Laura, pois jurava com todas as letras que era Glória Pires a protagonista do longa, pois a jovem possui a mesma entonação na voz, está bem semelhante visualmente e até saiu-se muito bem no estilo tão conhecido da famosa atriz, ou seja, mostrou também ter grandes qualidades, principalmente no papel que fez aqui, pois o longa exigiu dela expressões fortes, porém com simplicidade que foram dominadas e caracterizadas com perfeição e detalhamento, de tal maneira que só mudaria seus semblantes calmos demais em algumas cenas que exigiam mais nervosismo. Mel Maia é sem dúvida a nossa melhor atriz mirim, que com toda certeza terá um grande futuro se manter o estilo simples de atuar e incorporar bem os papeis que lhe são entregues, e claro que sua Elisa foi colocada pontualmente na trama, e a cada novo detalhe nos entregava migalhas para agradar e mostrar que tinha muito mais na manga para envolver e acertar. O jovem Xande Valois também fez bem o seu papel de Antônio, só soou forçado demais em algumas cenas que colocaram para ele uma personalidade de adulto, claro que isso é bem explicado no fim, mas o pequeno ator acabou exagerando nos trejeitos e por pouco não falhou. Ana Lúcia Torre caiu bem no papel da governanta Geraldine, e agradou tanto por segurar as cenas mais misteriosas quanto pela tonalidade da voz que deu boas nuances nas cenas mais densas, talvez mais cenas dela cairiam bem no longa. As aparições de Alexandre Varella como Bento foram bem pontuais e interessantes de ver pela expressividade misteriosa que conseguiu criar, mas poderia nas cenas finais ter deixado tudo um pouco mais tenso para que o filme decolasse realmente. Último filme de Domingos Montagner a ser exibido, aqui seu Afonso aparece apenas no começo e ficou sendo jogado demais para que fosse lembrado, de tal maneira que se não quisessem colocar suas cenas iniciais, até poderia passar tranquilamente, mas como fez bem acabaram usando e colocando com estilo e como forma de homenagem.
Já falei bem da cenografia no começo do texto, mas volto a ressaltar o ótimo trabalho da equipe de arte, que basicamente precisou arrumar duas boas locações, uma fazenda de café com uma casa aonde puderam decorar até de forma bem limpa e clássica para ter as nuances ali (talvez tenham ficado com medo de quebrar algo ou bagunçar demais a locação alugada), e uma estação de trem com um trem de passageiros em funcionamento, pois ali também acontecem algumas cenas, ou seja, um trabalho que com certeza foi bem árduo para ser preparado, mas que o resultado final acabou incrível de ver. Diria até mais, que a equipe foi precisa para simbolizar o tempo da escravidão e unir isso ao lado sombrio de um mistério com as escolhas feitas, de tal maneira que a equipe de fotografia só precisou de alguns efeitos de fumaça, algumas lentes mais escuras e claro trabalhar com muita iluminação de velas e lampiões para que o tom ficasse condizente tanto com a época como para criar o clima que um bom suspense exige, ou seja, tudo simples, mas impecável.
Ou seja, temos um filme que vale a pena ser assistido, e recomendo com certeza. Como disse até possui alguns defeitinhos, mas que são relevantes perante o tamanho da produção e o resultado que consegue atingir, valendo tanto como um bom exemplar fora dos moldes que tanto andamos vendo nos longas nacionais, como um bom suspense pela ideia passada, mesmo que já tenha sido vista interpretada por outras pessoas. Enfim, vá ao cinema e confira para que como disse, termos mais longas diferentes dentro do nosso cinema nacional. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com a grande estreia da semana, então abraços e até mais.
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