Já falei diversas vezes aqui para nunca irmos sedentos ao pote, criando expectativas demais para determinado longa, e o que o Coelho faz? Vê que deu um 10 e um 9 para as produções anteriores do diretor Asghar Farhadi e vai todo esperançoso para a mostra de cinema esperando algo magistral de nível similar ou melhor, e o que acontece? Mesmo "O Apartamento" tendo diversos elementos das outras produções, acabei encontrando um filme bem simples, ainda muito interessante, mas longe de qualquer genialidade, e que mostra bem que no Oriente Médio, a culpa moral sempre vai ser resolvida com algum tipo de vingança (na ideologia antiga do olho por olho, dente por dente), mas que para chegar nisso é criado um drama tão grande que facilmente aqui resolveríamos com uma boa briga ou com um belo dum barraco no meio da rua, e pronto cada um pro seu lado (em alguns casos mais fortes, teríamos alguns tiroteios também!).
O longa conta a história de um jovem casal que, devido a riscos de desabamento do prédio onde moram, são forçados a mudar para um novo apartamento no centro de Teerã. Mas um grave incidente ligado à inquilina anterior vai transformar drasticamente a sua vida.
O trabalho do diretor é claro e objetivo, e no grande jogo de mentiras que é a interpretação de um filme, ou no caso de uma peça, determinar culpa e culpado é algo que nem sempre é fácil de encarar. O longa franco-iraniano pode ser interpretado de duas maneiras (pelo menos), uma que talvez muitas mulheres ficariam extremamente irritadas sendo a possibilidade de uma mentira maior por parte da atriz, e outra que entraria no que preferimos admitir da violência contra a mulher, mas que interpela a ideologia da moral dentro dos costumes num país fechado à tudo. Ou seja, o diretor brinca com essas possibilidades tanto na forma encenada quanto na mente dos espectadores, e esse é o grande lance da trama, pois se ficarmos presos somente na história que anda, o filme acaba sendo mais murcho do que qualquer outro, e certamente não era esse o objetivo dele. Farhadi ainda demonstra uma mão precisa e que cria diversas discussões, mas mesmo indo sem tantas expectativas, certamente esse seu novo longa é o mais simples de sua filmografia, pois não consegue criar nem tanta tensão, nem tanta discussão como os outros, e sendo assim teremos de esperar um próximo trabalho seu para voltar a dar uma grande nota para ele.
É interessante discutir sobre as atuações, pois podemos analisar a atuação do ator e do personagem na peça dentro do filme, e com toda certeza isso foi o que fez Shahab Hosseini ganhar o prêmio de melhor ator em Cannes com seu Emad, pois o jovem ator demonstrou frieza para superar a sua própria força em um drama familiar de temática completamente difícil de se discutir num país aonde a religião domina, e uma mulher abusada certamente causaria muita conversa, e ao se colocar como protagonista da peça como o caixeiro, ele absorve todo esse caos que está em sua mente e se inclina numa interpretação dura e cheia de emoções, o que é muito bacana de se ver, pois usou o sentimento ambíguo para duas vertentes completamente diferentes e agradou em ambas com um semblante até calmo demais, mas que na preparação ele certamente socou uma parede, garanto que socou. Taraneh Alidoosti fez bem sua Rana, mas ficou muito atrás do personagem principal, sendo sempre determinada mais pelas reações dele do que algo que pudesse chamar mais a atenção em cena, claro que isso é algo bem machista de se dizer, mas faltou coragem para a atriz se mostrar mais, e talvez fazer o seu personagem ser marcante dentro das poucas cenas que se expressou mais. Quanto aos demais, a maioria fez leves participações, que por vezes até tiveram boas conexões, como é o caso de Babak Karimi, mas nada que parássemos e ficássemos esperando por algo maior, já que o foco realmente ficou em cima do protagonista mesmo.
No conceito visual, mesmo o ato mais forte tendo acontecido no apartamento emprestado, sem dúvida alguma o impacto da destruição, junto com o clímax do desabamento moral na cabeça do protagonista, fez com que o apartamento antigo fosse certamente o nome do longa, pois ali a equipe de arte sim teve de criar perspectivas (com quase nada em cena), e conseguiram muito bem, enquanto no outro o grande feito foi amontoar muitos objetos para que a saída da antiga moradora mantivesse a essência no ambiente. Além disso a composição cênica da peça, com diversos cenários montados em um único palco deu um charme tão diferenciado para a peça que talvez um filme inteiro rodado ali seria bem interessante de ver também. A fotografia brincou com alguns tons escuros, mas nada que fosse muito impressionante, deixando o drama soar mais num tom único com poucas sombras e nuances, o que é estranho de ver, pois um filme desse estilo colocaria num tom abaixo para manter a tensão de culpa.
Enfim, um filme interessante e que agrada de certa forma por mostrar bem mais dessa cultura machista e com ideologias tão fortes que o diretor tanto gosta de mostrar, mas sem dúvida alguma ele poderia ter feito um longa impactante e bem mais forte se não ficasse tanto brincando apenas com o sentimento de culpa/vingança dos protagonista. Como disse não é o melhor do diretor, mas vale ao menos uma conferida, pois certamente pelo estilo que ele sempre nos mostra, já virou daqueles obrigatórios de saber o que vem apresentando. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, afinal continuarei com longas da Mostra e ainda vieram muitas estreias para cá, então abraços e até logo mais.
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