domingo, 15 de janeiro de 2017

Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake)

Ao mesmo tempo que vemos um filme incrível, com uma crítica monstruosa ao sistema de seguridade social da Inglaterra, que poderia ter sido feito tranquilamente no Brasil com quase a mesma ideologia, acabamos sentindo diversos estilos e sensações com o que nos é mostrado em "Eu, Daniel Blake", mas sem dúvida alguma o grande acerto do filme foi ser crível nos pontos estruturais do ser humano, e mostrar que para o governo somos apenas números, e quem deseja ajudar um número? Ninguém! E vendo isso o povo só sabe de uma coisa, trabalhe e dependa de você, pois quando não puder mais, você continuará trabalhando, até morrer, pois esperar alguma ajuda vinda de governantes e sistemas do governo é algo que não funciona em qualquer parte do mundo.

O longa nos mostra que após sofrer um ataque cardíaco e ser desaconselhado pelos médicos a retornar ao trabalho, Daniel Blake busca receber os benefícios concedidos pelo governo a todos que estão nesta situação. Entretanto, ele esbarra na extrema burocracia instalada pelo governo, amplificada pelo fato dele ser um analfabeto digital. Numa de suas várias idas a departamentos governamentais, ele conhece Katie, a mãe solteira de duas crianças, que se mudou recentemente para a cidade e também não possui condições financeiras para se manter. Após defendê-la, Daniel se aproxima de Katie e passa a ajudá-la.

Alguma coisa de errado anda acontecendo comigo ou com os festivais/premiações ultimamente, pois raramente concordo com as escolhas dos jurados, e só nessa semana já me surpreendi positivamente com dois ganhadores, e isso é bom, pois mostra que começaram a olhar melhor as produções, não colocando somente filmes que olham apenas para o próprio umbigo dos diretores, sem nada a dizer realmente para um público maior. E o trabalho que o diretor Ken Loach fez com o roteiro de Paul Laverty, foi completamente digno da Palma de Ouro em Cannes, e certamente vai fazer barulho em outras premiações, como já fez com diversas indicações para o |Bafta e por aí vai. Digo isso, pois é uma trama muito atual, mostrando como é difícil conseguir tirar algum dinheiro do governo, mesmo depois de anos pagando impostos e tudo mais para ter direito a esses "benefícios", e se antes achava que era algo do nosso país de terceiro mundo, hoje após conferir a trama britânica, passo a me "conformar" que o mundo todo está perdido, e vamos trabalhar a vida toda até irmos para debaixo da terra se dependermos de algo de qualquer governante para sobreviver mais para frente. E com essa sinestesia bem explícita, o diretor pegou atores de pouco renome, e trabalhou bem com a indignação deles para cada momento, o que é muito bacana de ver, pois ao trabalhar de uma forma diferenciada (dando para os atores seus textos somente na hora das gravações), é nítida a expressão real de cada momento e vemos realmente muito improviso cênico, o que acaba tornando uma obra melhor ainda de ser vista.

Sobre as atuações, antes de falar do protagonista, precisamos falar sobre as expressões de Hailey Squires com sua Katie, pois a atriz mereceu demais ser aplaudida com o que fez em cada cena, e claro o destaque fica para seu momento de desespero no recebimento da cesta básica, ali quem não segurar a lágrima certamente não terá coração, pois todos sabem bem que uma mãe vai sempre priorizar suas crias, mas também há limites do corpo, e o que a atriz fez, da forma que fez é algo que vemos muito no teatro, algo cru e bem impactante de se ver, ou seja, essa foi apenas uma das cenas boas dela, mas a atriz mostrou serviço, e certamente por ser bem jovem, ainda veremos grandes trabalhos seus em breve. Agora falando sobre Dave Johns, temos de pontuar que o ator soube segurar a responsabilidade com unhas e dentes para que seu Daniel Blake fosse crível e marcado pelas boas doses de indignação, pela tradicional desistência dos mais velhos para com tecnologia (sendo inclusive considerada como um bicho que irá comer suas mãos) e por mostrar com doçura o bom coração que geralmente pessoas mais velhas tem para com quem também sofre situações ruins, e a cada nova cena, o ator mostrava mais personalidade, de tal maneira que o filme foi ficando seu também, até mais do que do próprio diretor, criando as nuances próprias e agradando bastante com isso. Os demais atores fizeram bem os encaixes que a trama precisava, mas nenhum teve grande destaque, claro que a diversão ficou por conta do China, a revolta por conta de todas as moças e pessoas do órgão do governo, e a fofura ficou a cargo das duas crianças, tendo um pouco de cada situação no filme para que tudo se desenvolvesse bem.

Um fator engraçado de se observar na produção é que ela acaba sendo completamente diferente de tudo que já vimos em filmes britânicos, pois os filmes acabam geralmente mostrando favelas e lugares bem barra pesada, ou já vão direto para o lado luxuoso e próximo da realeza que diversos filmes acabam focando, e aqui vemos pessoas normais, em lugares comuns e bem simples, vivendo, trabalhando em fábricas e construções, com os mercadinhos de esquina e tudo bem próximo de uma realidade que conhecemos bem, ou seja, nos vemos um pouco também dentro do ambiente que o diretor acaba mostrando, e que certamente foi um grande ponto exigido para com a equipe de arte, e que mesmo não transformando o longa numa super produção, acaba sendo impecável e bem interessante de ver. A fotografia trabalhou em todas as cenas com um tom abaixo do padrão, para criar um ambiente mais frio em que as atuações acabassem tendo peso maior nas cenas, e isso funcionou bem, pois poderíamos sim ter um longa esperançoso com tons alegres, ou algo bem melodramático com tons pastéis e tristes, mas trabalhando no meio tom, a trama acaba sendo real e íntegra de se ver.

Enfim, é um filme cru, polêmico, muito bem feito e que vale demais ser visto por todos, pois como disse reflete bem o momento em que estamos vivendo com as mudanças nas aposentadorias e direitos trabalhistas no Brasil, onde veremos que não é um problema exclusivo nosso, mas muito mais do que isso, a trama por ser real e interessante acaba ganhando nuances diferentes ao transbordar diversos sentimentos no público que acaba assistindo o longa, pois jamais esperaria sentir tudo o que senti nos 100 minutos de projeção. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas volto em breve com a última estreia que apareceu por aqui, então abraços e até mais.

PS: Só não estou dando uma nota maior, pelas falhas expressivas nos personagens coadjuvantes e até mesmo alguns quase figurantes, que pareciam nem saber para onde olhavam, pois do restante o longa valeria até mais do que 10.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...