Chega a ser difícil pensar em adjetivos qualitativos que expressem a grandiosidade de "Corra!", pois mais que um longa de terror comum, ele consegue nos prender na sessão sem colocar grandes sustos (somos surpreendidos somente duas ou três vezes em momentos que já apareceram no trailer), e assim fazer com que o monstro maior que é o preconceito e a forma discriminatória que acabam fazendo com os negros vire um terror psicológico tão envolvente que a cada novo ato vamos adentrando a mente do diretor e acabamos quase presos como o protagonista na ambientação completa da trama. E se com o primeiro ato tudo acaba apenas chocando e intrigando, no segundo a situação começa a ficar ainda pior com as descobertas, ou seja, um filme com somente dois grandes atos, mas que parece ter milhões e um mais profundo que o outro, arrepiando completamente e mostrando o que sempre falei: que não temos de ter medo dos mortos, espíritos e afins, mas sim dos vivos, pois esses sim são os monstros que podem prejudicar muita gente!
O longa nos mostra que Chris é um jovem negro que está prestes a conhecer a família de sua namorada caucasiana Rose. A princípio, ele acredita que o comportamento excessivamente amoroso por parte da família dela é uma tentativa de lidar com o relacionamento de Rose com um rapaz negro, mas, com o tempo, Chris percebe que a família esconde algo muito mais perturbador.
Depois de muito trabalhar como ator, Jordan Peele resolveu mudar de lado e dirigir seu primeiro longa, claro também escrito por ele, e se na estreia logo de cara nos entregou algo tão impressionante, como fez aqui, se manter essa essência nos próximos certamente já ficará com um grande nome no meio, pois são poucos os diretores de terror que conseguem trabalhar o fluxo sem apelar, e aqui em momento algum ele precisou dar sustos gratuitos, colocar câmeras malucas, incluir coisas nojentas e principalmente jogar com situações abstratas para que seu filme se tornasse cult nos meios, apenas trabalhou a essência de um medo real (conhecer familiares de uma namorada) com o terror psicológico envolvendo racismo e sociedades secretas, ou seja, coisas simples que certamente se você documentar com pessoas mundo afora saberá que são seus piores medos na sociedade contemporânea, de modo que com isso o filme acaba fluindo fácil, e principalmente acaba prendendo o espectador na poltrona pensando o quanto tudo pode piorar, ou como ele vai se livrar de tudo, ou ainda se vai se livrar, e pior ainda, conforme vamos chegando ao final, quando já achamos que nada mais pode impressionar, o diretor ainda deixou uma pontinha incrível para impressionar mais o público que sequer esperava algo daquele estilo, e você para e fala: "como não pensei nisso antes!!", ou seja, um trabalho incrível tanto de roteiro, quanto de direção, pois ao escolher seus planos, não precisou ficar com câmeras fechadas, não precisou escurecer a tela, fez tudo às claras e agradou demais.
Quanto das atuações, o longa mostra mais uma vez que não são necessários atores famosos para que algo funcione bem, pois com um princípio simples, de se mostrar apavorado, ou desejando fazer algo, se os atores forem bem dirigidos conseguem transmitir o melhor para cada ato, criando vivência e dando um show. E para começar temos de falar de Daniel Kaluuya que mesmo inicialmente não aparentando ser ator para um longa de terror, foi entrando no personagem, mostrando sentimentos e personalidade para com seu Chris, de forma que ao final já estamos torcendo por ele, e vibrando com seus olhares e trejeitos, ou seja, conseguiu conquistar o público somente atuando, e isso é o papel de um bom ator. Allison Williams fez seu primeiro trabalho em um longa de forma correta, pois inicialmente apenas foi a namorada amante e bem colocada, mas infelizmente demonstrou logo de cara que não era santa (afinal já vimos filmes demais para saber identificar uma mocinha indefesa), mas com o andamento vemos ela ir melhorando, e claro que em suas últimas cenas mostrou a que veio, trabalhando bem melhor sua Rose. Catherine Keener e Bradley Whitford fizeram papeis interessantes de acompanhar, demonstrando atitude de síntese forte com os olhares de seu Missy e Dean, mas nas cenas finais ficaram jogados demais, o que é estranho, pois ao mostrarem suas forças no começo, pareciam mais eloquentes e duros, e depois ficaram frágeis demais frente a correria toda, mas ainda assim soaram bem no que precisavam fazer. Marcus Henderson e Betty Gabriel foram precisos nas expressões de Walter e Georgina, criando perspectivas assustadoras nas cenas mais tensas, e que ao final ficamos ainda mais pasmos ao saber de tudo, ou seja, dois atores incríveis de ver, e que mereciam até mais tempo de tela pelo que fizeram. Embora Caleb Landry Jones não tenha empolgado muito com seu Jeremy, pois o ator foi muito agressivo e direto ao ponto, ele funcionou para dar sintonia ao terror do longa, mas certamente poderia ter feito caras e bocas menos jogadas para chamar mais atenção. Agora embora destoe um pouco do tom do longa, indo mais para a comédia, LilRel Howery conseguiu descontrair os momentos tensos e criar um bom trabalho para que o filme não impactasse mais ainda do que impactou, e sendo assim seu Rod acaba sendo importantíssimo, pois sem ele o filme seria duro e cru demais. Os demais foram apenas leves figurações na trama, mas sem dúvida temos de pontuar que todos fizeram bem seus momentos na reunião de "amigos" e claro que temos de dar leve destaque para Stephen Root com seu Jim Hudson e Lakeith Stanfiel com seu Logan, pois ambos tiveram um pouco mais de tempo de tela, e suas falas impactaram bem na trama.
No conceito visual, a ideologia da equipe de arte foi bem simples, não enfeitando demais o doce, afinal como o próprio longa pedia, é apenas uma casa em meio à floresta, diversas pessoas com seus carrões, algumas poltronas, uma estante e uma sala médica, nada mais, e com poucos elementos, o resultado chamou atenção principalmente para os detalhes, como a xícara, e sendo assim não podemos dizer que a equipe teve grandes trabalhos, pois o forte do longa está no roteiro e não na produção em si, mas de forma alguma esses poucos aparatos foram feitos jogados, e isso é o que importa, agradando de maneira geral. A fotografia trabalhou bem as cenas escuras para não precisar ficar usando muita luz artificial, mas também soube ser pontual para criar a ambientação com baixa luz e criar perspectivas e nuances tensas, o que é algo muito interessante de ver em um longa de terror, e claramente foram domados para não exagerar, pois a todo momento vemos possibilidades de se usar o escuro a favor da trama, e cair para o lado mais clichê e não fizeram, ou seja, um acerto preciso.
Enfim, estava com medo de ver o longa não por ser terror, mas por diversos críticos artísticos estarem falando tão bem do longa (e geralmente minha opinião não bate muito com a deles), mas aqui posso dizer sem pesar na consciência que o trabalho feito foi genial, de uma simplicidade incrível e que quem souber ver com precisão entenderá o motivo de o terror aqui ser bem mais pesado do que se tivessem matado mil pessoas com monstros, espíritos e afins. Ou seja, um filme para ficar tenso com o que é mostrado e ainda assim gostar do que viu mesmo sem se assustar com nada. Portanto fica a dica para todos conferirem, mesmo quem não gosta de filmes de terror, pois garanto que dificilmente você irá se assustar com algo na trama, mas sairá da sessão horrorizado com certas situações e irá pensar muito sobre tudo o que é mostrado. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com o texto da última estreia da semana, então abraços e até lá.
PS: Esse longa raspou a trave de ser o primeiro 10 do ano, mas faltou um pouco mais nas atuações dos personagens secundários para que a trama ficasse perfeita, mas ainda assim é um filmaço que vale a pena assistir.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...