Já disse diversas vezes o quanto sou fã de longas de terror, e sempre prezei para que o cinema nacional saísse do trivial de comédias novelescas, então ao saber de mais um longa que trabalharia com qualidade o gênero dentro de um cinema comercial mesmo, acabei me empolgando um pouco demais criando uma certa expectativa em cima de "O Rastro" quando vi os primeiros trailers. Pois bem, eis que hoje finalmente chegou o dia de conferir o longa, e infelizmente mesmo tendo uma qualidade incrível de cenografia, técnicas de filmagens e tudo mais do melhor estilo técnico, a trama pecou demais na história, não evoluindo em nada para algum contexto que realmente causasse frio na espinha, ou até mesmo assustasse mais do que alguns gritos jogados durante a projeção, de modo que foi preciso apelar para algo digamos surreal (que até impressionou um pouco no fechamento) para que conseguissem terminar o longa de maneira coerente, sem precisar apelar tanto, mas como resultado de um bom filme de terror, não chegou a atingir nem o menos esperançoso que acreditava em um filme de espíritos bem trabalhado. Ou seja, não é um filme ruim, muito pelo contrário, mas também está longe de ser algo esplêndido, mostrando que temos sim potencial para fazer longas de gêneros complexos, basta querer!
A sinopse nos conta que João Rocha é um jovem e talentoso médico em ascensão, que acaba encarregado de uma tarefa ingrata: supervisionar a transferência de pacientes quando um hospital público da cidade do Rio de Janeiro é fechado por falta de verba. Quando tudo parece correr dentro da normalidade, uma das pacientes, criança, desaparece no meio da noite, levando João para uma jornada num mundo obscuro e perigoso.
Em sua estreia na direção de longas, J.C. Feyer pode trabalhar bem o gênero terror, pois teve em suas mãos uma produção minuciosa, com muitos detalhes e que talvez mais elaborada na questão de roteiro fosse perfeita, pois o diretor ousou bastante com muitos planos com a câmera quase grudada no protagonista, deixando a sensação claustrofóbica de que a qualquer momento poderia aparecer algo, adicionou muitos ruídos, choros, e claro escolheu uma locação perfeita para um bom longa de terror: um hospital abandonado, que quem acredita em misticismos sabe a quantidade de energia negativa que ali predomina, ajudando claro a criar a tensão completa no elenco, equipe e tudo mais. Porém o roteiro quis trabalhar também algo que veremos muito nos próximos anos (mesmo que a maioria dos longas tenham investimento de órgãos do governo) que é opinar sobre os problemas dos governos do país/estado/cidade (que sabemos que são muitos), mas que poderiam ser explorados de outra forma sem ser em um longa de terror (apesar de que é um horror pensar no que fazem conosco), e assim sendo, a trama que tinha tudo para causar, acaba fluindo para um lado um pouco depreciativo e não se desenrola num desfecho mais bem pautado, e todo o trabalho de situação acaba indo por água abaixo numa explicação fraca e boba demais, que não choca e nem faz o público ir além, ou seja, o diretor foi bem, mas poderia ter pego o roteiro e trabalhado ele melhor (e/ou mudar mais coisas, o que seria difícil de acontecer).
Dentro das atuações temos de ser honestos para dizer o quão boa ficou a interpretação que Rafael Cardoso deu para seu João, pois não tenho o costume de acompanhar novelas, então desconhecia o potencial do ator, e sua loucura por respostas foi aumentando num crescente tão bem colocado e inteligente, que acabamos indo junto com ele desejando saber mais sobre cadê a menina, ou o que mais aconteceu ali, e com um trabalho de olhares, suores, desespero facial e corporal, o ator acaba empolgando demais, e agradando como nunca, ou seja, torço para que faça boa carreira no cinema, pois mostrou potencial demais para ficar preso a novelas. Leandra Leal, pelo contrário, já estamos acostumados com seu estilo de atuação que sempre impressiona, e aqui até a parte final era quase um enfeite, fazendo apenas a mulher do protagonista, mas ao virar o jogo de sua Leila, a atriz mostrou a que veio e colocou seus temores na mesa para grandes atuações, resultando em algo bem bacana de ver, porém poderia ser bem antes para empolgar mais. A garotinha Natália Guedes trabalhou bem com sua performance, fazendo de sua Júlia alguém com dinâmica, mas que logo na primeira cena pelo movimento em si já se faz bem para bom entendedor, porém fica um erro meio que estranho dentro do roteiro ao colocarem a garotinha no telão na apresentação (pois isso acaba sendo até uma falha técnica para com a ideia do filme, mas aí não teríamos o longa, então, melhor abstrair e curtir), ou seja, a jovem foi bem usada na proposta, chega a assustar realmente, mas talvez merecesse melhores explicações de seu personagem. Jonas Block e Felipe Camargo fizeram bem seus papeis de Heitor e Ricardo, nos devidos momentos sendo bem encaixados, mas soaram bem secundários para os papeis que representavam, sendo importantes em devidos momentos, e assim sendo mereciam algo a mais. Agora, Cláudia Abreu, mero enfeite com sua Olivia, aparecendo mais seu nome escrito no computador do que a atriz propriamente. Como último trabalho gravado de Domingos Montagner, seu personagem acabou bem trabalhado, e bem encaixado dentro da proposta do longa como governador, mas talvez a escolha politizada da trama tenha sido o maior erro do longa, e sendo assim, acabamos mais bravos com o personagem pelo roteiro, do que pela sua boa interpretação.
Agora já falei e repito, a escolha cênica para fazer um longa de terror foi mais do que precisa, escolhendo um hospital abandonado a trama ficou convincente de elementos cênicos, criou-se perspectivas para que os sustos fossem criados, e a cada novo rangido ou ambiente revelado, o temor só aumentava ali, ou seja, talvez se o longa focasse só ali, como as pessoas foram mortas, a agonia que os espíritos presos buscavam por alguma solução, e o protagonista afoito em suas descobertas renderiam um longa incrível, que só a equipe de arte saberia entregar bem para o longa, o que é uma pena, pois o filme tinha muito potencial. Quanto da fotografia do longa, outro show, pois quase sem iluminação, sendo iluminado muitas vezes apenas pelas luzes do celular do protagonista, o longa não necessitou de iluminações falsas para revelar os sustos, e nem abusou de pegar o público desprevenido por muitas vezes (confesso que gosto disso, e poderiam ter feito mais vezes!), e sendo assim o resultado dentro do contexto artístico saiu melhor do que a encomenda.
Enfim, é um filme que já merece todos os aplausos por sair da zona de conforto e trabalhar bem com a produção completa, mas como falei nos diversos parágrafos acima, poderiam ter melhorado muitas coisas para que o resultado final realmente impressionasse (a começar pelo roteiro politizado demais) e que acabaria dando diversas perspectivas melhores, causando uma excelente impressão não só no Brasil, mas lá fora também para os verdadeiros amantes do gênero terror. Ou seja, é um filme que vale a pena ser conferido (por quem gosta de um suspense/terror leve), mas que talvez tenha pecado demais na leveza e com isso perdeu um pouco o foco de aonde poderia atingir. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, deixando essa recomendação, afinal volto a frisar que não é um longa ruim, apenas cometeu muitos deslizes, portanto confira e tirem suas conclusões, pois só por ser diferenciado dentro do cinema nacional, já vale a pena o ingresso. Volto logo mais com mais estreias, então abraços e até breve.
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