Já estou ficando chato com essa frase, mas volto a dizer que ando cada dia mais feliz com as produções nacionais atuais, pois começam a mostrar estilo próprio, qualidade no visual, e muita técnica para que fiquem incríveis e interessantes para todos assistirem. Digo isso colocando em pauta toda a alegria de voltar aos anos 80/90 com "Bingo - O Rei Das Manhãs", aonde o diretor conseguiu não só imprimir elementos que víamos na TV e/ou usávamos no corpo como relógios, brinquedos, etc., mas também muito da dinâmica que era vista pelas manhãs, aonde a briga pela audiência era real, e isso era o que fazia realmente o público ficar vendo um canal ou outro. Não bastasse essa boa essência de época, não quiseram apenas retratar um personagem inserido nela, mas sim a vida turbulenta de um homem que ao misturar drogas, bebidas e problemas de identidade acabou surtando e fazendo algo forte com ele mesmo. O filme em si possui uma história tão bem desenvolvida que ao juntar tudo que deu certo acabamos vibrando com cada momento, e podemos dizer que vivemos essa época, mas ao conhecer tudo o que viveu o protagonista ficamos perplexos, de maneira que se fosse na época atual tanto o filho quanto o pai teriam se matado em cena. Ou seja, um filmaço que vale muito a pena conferir e que vai impressionar muita gente que sequer pensou no homem por trás do palhaço mais famoso dos anos 80 no país.
O longa nos mostra que nos anos 1980, Augusto Mendes consegue um emprego que o coloca na frente dos holofotes. Sob uma pesada maquiagem, peruca vermelha e roupa de palhaço ele se transforma no apresentador de TV, Bingo, que todas as manhãs anima as crianças. Mas longe das câmeras, Augusto precisa manter sua identidade em segredo e mergulha no mundo das drogas, até que encontra em seu filho e na religiosidade as forças para se reerguer na vida.
Se em diversos filmes vimos Daniel Rezende arrumando o filme de outros bons diretores com uma edição primorosa, aqui em seu primeiro longa como diretor, ele não só teve noções incríveis de como finalizaria seu filme, como fez cada ato como único, de modo que vemos várias nuances a cada cena, não tendo apenas um longa, mas sim vários bons momentos reunidos, sendo um mais incrível que o outro, detalhando humanidade, desespero, egocentrismo e muitas outras situações, todas vistas por ângulos perfeitos e uma dramaticidade no ponto para não deixar que o longa perdesse o tom e nem ficasse forte demais. Ou seja, Daniel mostrou que aprendeu muito com as várias lições de cinema que teve com diversos diretores famosos, e acabou dando também uma aula de cinema ao trabalhar cada elemento da melhor forma que aprendeu, criando nuances impecáveis, aonde trabalhou o roteiro ácido e preciso de Luiz Bolognesi com formato, sensações e muita criatividade, de modo que o filme flui sozinho (ou melhor com uma ótima interpretação de Brichta!) e incorpora cada momento de forma dura e incrível que vai tornando a densidade dramática como um ponto para ficarmos empolgados com cada ato até chegarmos ao fim perfeito. Mesmo sem poder usar os nomes reais dos personagens, emissoras e afins, a grande sacada sarcástica em cima de muitos detalhes foi algo incrível de ver, de modo que chega a ser divertido conectar cada detalhe mostrado, e tentar lembrar quem foi quem nos conflitos, mas claro que ajudaram bastante em diversos detalhes, e assim sendo, o resultado completo acabou agradando demais, e para quem não conheceu de uma pesquisada sobre Arlindo Barreto, que vai ver muita coisa interessante que o artista fez no SBT.
Sobre as interpretações, sem dúvida alguma é o filme da vida de Vladimir Brichta, aonde ele pode mostrar todos os tipos de expressões, colocar o corpo pra jogo e ainda mostrar dinâmica com a alma no nível máximo para que seu Bingo saísse da caixinha e fosse alguém que mesmo já conhecido por nós mostrasse algo a mais, ou seja, foi mais do que perfeito, agradando demais, e diferente do que aconteceu com Bingo, lembraremos quem fez o personagem no cinema por muito tempo com o que ele acabou nos entregando. Leandra Leal é daquelas atrizes que consegue marcar muito um personagem, e aqui infelizmente sua Lucia é simples demais (embora seja um personagem forte!) e ela deixou que a personagem dominasse ao invés de virar com uma interpretação melhor, não digo que tenha saído algo ruim, mas esperava bem mais dela. Embora a risada de Augusto Madeira tenha sido algo muito estranho com seu Vasconcelos, seu personagem acabou saindo bem melhor que a encomenda, e acabou sobressaindo bastante para chamar atenção quando precisava, fazendo exatamente o que a Leandra deveria ter feito para agradar mais. Outro que foi muito bem no quesito expressivo, foi o jovem Cauã Martins com seu Gabriel, que trabalhando sempre os olhares de forma coesa e emotiva, acabou chamando a dinâmica para si em diversos momentos e acabamos até esperando algo pior para seu personagem (mas aí seria um filme mais moderno, pois nos anos 80 não tínhamos crianças mimadas que se matam por qualquer coisa), e sendo assim vamos ficar de olho no garoto em outras produções. Dos demais personagens, todos tiveram leves participações, e felizmente bem acertadas, a começar por Ana Lucia Torre dando um ar singelo e maravilhoso para a mãe do protagonista, passando depois pela sensualidade de Emanuelle Araujo com sua Gretchen (época boa que programa infantil aflorava as mentes infantis com muita educação e bons desenhos), e culminando com Soren Hellerup (que já anda quase morando no Brasil com tantas produções nacionais que anda fazendo) como um Peter Olsen simples mas bem colocado. Além claro das boas jogadas com Pedro Bial fazendo Armando (numa representatividade clara aos poderosos diretores da Globo, no caso aqui Mundial) e uma saudosa ótima homenagem à Domingos Montagner como um mestre-palhaço.
Agora sem dúvida alguma o grande show da produção ficou a cargo da equipe de arte, pois retratar os anos 80 é algo muito simbólico, e o longa não economizou em elementos de cena, com figurinos, cabelos, carros, TVs, drogas, bebidas, cenários, brinquedos (tive aquele joguinho de basquete com água, mas não tive o famoso relógio troca-pulseira - saudade nível plus) e tudo mais, mostrando que o nível de pesquisa da equipe foi altíssimo para não cair com erros, e sendo assim o resultado foi mais do que perfeito no conceito visual. Já sabíamos que a fotografia de Lula Carvalho era fenomenal, e mais ainda que foi companheiro do diretor em diversas produções, mas que a química entre eles era algo espetacular estava para surgir, e foi aqui, vemos tons densos contrastando com cores alegres em cenas tensas, vemos o inverso funcionando, vemos câmeras em ângulos inimagináveis, vemos de tudo para que o filme contivesse o teor exato que o diretor necessitava em cada momento, não repetindo sequer uma luz cênica para que tudo ficasse amplo demais, ou seja, um espetáculo de fotografia.
Não tenho muito o que falar da trilha sonora perfeita escolhida para o longa, que variou entre canções bem conhecidas da época, com alguns instrumentais bem arrojados, mas certamente ajudaram para criar todo o clima do filme, porém o grande destaque fica para o funcionamento cênico das fitas Basf pedindo para ser tocadas pelo lado A ou lado B, que agradaram demais, pois sempre sabíamos indicar para quem fosse ouvir, aonde queríamos que entrasse o nosso momento, ou seja, mais uma boa pesquisa cênica que junto da equipe de música acabaram agradando bem nossos ouvidos.
Enfim, um filme com vida, com nuances de todos os tipos, e principalmente com estilo, pois poderiam ter feito o mesmo filme de inúmeras formas, e certamente todas agradariam, contariam a história (parte ficcional, parte real, seria 70%-30% ou o inverso???) de Arlindo Barreto, mas dificilmente alguma outra conseguiria tamanha classe, mesmo mudando o protagonista (originalmente era Wagner Moura, que desistiu do filme para fazer a série "Narcos", mas indicou perfeitamente Vladimir Brichta para o papel), tendo de desenvolver muitas mudanças para não sofrer sanções com direitos de imagem/nome, e principalmente trabalhando o humor e o drama na mesma proporção sem ser piegas nem incomodando ninguém, ou seja, algo praticamente perfeito, que só teve leves falhas como citei no texto todo, e com isso merece demais ser assistido por todos. Bem é isso pessoal, fica aqui minha recomendação, e só não encerro a semana por ter uma pré para conferir nos próximos dias, então abraços e até breve.
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