Um dos maiores defeitos de diversos filmes (não apenas nacionais, para já ser mais efetivo) é o fato de um diretor/roteirista acreditar no potencial de um argumento e na hora de roteirizar acaba vendo que não irá conseguir dar o tamanho de um longa-metragem para exibir nos cinemas, aí o que acabam fazendo: enchendo de enfeites os diversos momentos para que acabe entregando algo ao menos satisfatório. Dito isso, a história de "As Duas Irenes" é bem bonita, trabalha bem a descoberta da sexualidade pelas garotas de 13 anos (algo talvez desnecessário na trama, mas que acabou sendo colocado para encher!), mas principalmente o mote é a descoberta da outra família do pai, de sua meia-irmã de mesmo nome, os gostos da família e talvez até desvendar o motivo do pai ter duas famílias, seja pela boa comida, pela mulher melhor, ou qualquer outro detalhe, mas isso facilmente, mesmo com muito drama acabaria resolvido em 20-30 minutos, o que seria classificado como média metragem. Ou seja, o mote do filme é interessantíssimo, e a história funciona bem com ele, mas ao enfeitar demais, deixaram para resolver tudo no último minuto, e o que fazem? Acabam o filme na resolução, falhando com tudo e quase brochando o público com o resultado, não que a atitude feita pelas garotas não seja o melhor desfecho possível, mas talvez isso como clímax seria muito melhor e teríamos muito mais cenas para acontecer, dentro do próprio mote, mas não, finalizaram, e todos foram embora da sala desanimados com o final, quiçá com as demais enrolações, ao invés de sair vibrando com mais um ótimo longa nacional que certamente poderia ser esse.
A sinopse nos conta que Irene é a filha do meio de uma família tradicional do interior, que um dia descobre que o pai tem uma filha fora do casamento, também chamada Irene e da mesma idade que ela. Revoltada com a descoberta, Irene passa a se aproximar de sua meio-irmã e da mãe dela, sem revelar sua identidade. É o início de uma cumplicidade entre elas, que passa também pela descoberta da sexualidade.
Não vou falar que a culpa seja integral do diretor e roteirista Fábio Meira em sua estreia de longas-metragens, pois isso é algo muito comum de acontecer, mas claro que poderia ter subjetivado muitos momentos, e até acelerado o ponto de clímax para que seu filme não ficasse dependente apenas das descobertas de Irene em relação ao seu corpo e suas vontades, mas sim o caos familiar tomar conta depois da grandiosa revelação, e com isso, o filme sim fluiria mais. Agora se ele achou que poderia fazer um segundo filme somente com isso, aí já foi presunção demais de capacidade, pois volto a frisar, o meio do seu filme foi no final, e ali sim muita coisa poderia ocorrer. Como bem sabemos já tivemos muitos exemplares com esse desenvolvimento do que ocorre após a descoberta de uma traição, mas com o contexto do longa, com a boa pegada de época e interior, são raríssimos, isso se tiver, e daria um excelente encerramento de mote todo o desenvolvimento a partir dali. Mas tirando esse detalhe, vemos que seu estilo de ângulos, escolhas de pontos de curva e até mesmo de condução da trama foram bem evidentes e colocam uma serenidade no olhar tanto dele, quanto do espectador, não causando estranheza nem cansando quem conferir a trama, e isso sim é um grande acerto.
Sobre as atuações temos de pontuar que tanto Priscila Bittencourt quanto Isabela Torres foram bem expressivas e colocaram a responsabilidade do longa em suas mãos com suas interpretações, de modo que uma mais ingênua, outra mais madura com relação à vida e a sexualidade, transformaram suas Irenes em algo que facilmente em uma série maior chamaria até muita atenção do público, claro que volto a frisar que gostaria de ver mais o que elas fariam após o final da trama, mas se saíram bem dentro de seus diversos momentos, não forçando a barra para aparecer nem ser o que não eram. Marco Ricca tem um estilo próprio já bem interiorano que estamos acostumados a ver, de modo que seu Tonico não sai do eixo em nenhum momento, sendo o pai amoroso de ambas as garotas, e claro se vertendo bem para contornar os momentos ausentes e claro cansados de uma família após passar o dia com a outra, e assim sendo, vemos bons trejeitos e o acerto do ator no papel. Inês Peixoto entregou uma Neuza bem simples, de bons estilos como costureira e por ser da família secundária acabou aparecendo bem menos, mas foi efetiva nos seus momentos, e talvez pudesse até ter chamado mais a atenção, mas aí a história seria outra, e devo me ater a um detalhe, de que seu momento de choro ficou estranho, pois pareceu mal-explicado dentro do contexto completo, talvez com um corte errôneo. Susana Ribeiro também não se entregou muito com sua Mirinha, mas por estar sempre em cena, trabalhou mais olhares para com as filhas e fez certas dinâmicas cênicas mais fortes, talvez pudesse ter deslanchado mais ao saber da traição, pois aí sim o seu ar nervoso que demonstrou seria posto para jogo. Dos demais, a maioria apareceu menos ainda, então melhor deixar sem falar muito, mesmo que as garotinhas tenham ido bem no que fizeram também.
Dentro do contexto cênico, em momento algum a trama nos situa em que ano ou local estamos, tentando fazer da obra algo atemporal, mas é difícil enxergar isso com tantos elementos cênicos que pontuam uma época mais antiga do Brasil e bem no interior, com cinemas de rua que eram pagos com moedas, casebres antigos e até mesmo roupas e elementos cênicos bem trabalhados na antiguidade, ou seja, o filme acaba tendo seu tempo colocado e com isso o resultado visual acaba soando bonito, mas datado. Não que isso tenha atrapalhado em algo, mas o filme mesmo contendo um tema que sempre trará diversos problemas, a situação colocada acaba sendo fechada e talvez um pouco mais de dinâmica e até mais elementos agradassem mais. Sobre a fotografia, temos quase um tom único que ficou puxado para o sépia, mas que não chegou a envelhecer a trama, dando um ar de sertão bem condizente com a produção e pontuando bem todos os momentos mais dramatizados.
Enfim, um filme que foi bem apresentado, teve bons momentos, conseguiu prender a atenção sem cansar em momento algum, mas que soou mais alongado do que poderia, sendo que teria muito mais história para contar caso desejasse, e isso acabou sendo meio que uma decepção grandiosa. Se quisessem entregar como foi feito, certamente um curta-metragem resolveria maravilhosamente, mas se quisessem se aprofundar realmente daria um longa ou quiçá um média bem feitinho. Sendo assim até posso recomendar ele, mas com ressalvas demais, pois quem não for completamente apaixonado por longas mais artísticos certamente irá se revoltar com a finalização. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais um texto, então abraços e até breve.
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