Quando falamos do sucesso que filmes nacionais vêm tendo, temos de pontuar também os famosos "abocanhadores" de ingressos, digo isso, pois como todos bem sabem, os últimos dois longas produzidos pela Igreja Universal/Record Filmes, cerca de 80-90% dos ingressos foram comprados pelos pastores para repassar para seus fiéis nas igrejas, e com isso muito se viu salas completamente vendidas, mas com pouco público. Felizmente esse novo lançamento não está sendo tão vazio assim, afinal se no longa "Os Dez Mandamentos" todos já conheciam a história pela novela, agora com "Nada a Perder - Contra Tudo. Por Todos." temos de firmar que poucos conhecem a história do fundador da Igreja, seus parentes famosos, como foi a compra da Record, motivos para a prisão e tudo mais, ou seja, aguçou um pouco mais a curiosidade daqueles que ganharam ingressos, e até de alguns poucos dispostos a pagar para conferir também, e sendo assim, o resultado dessa vez possa ser um pouco mais real. Dito isso, o que posso falar da produção é que surpreendi por dois pontos na trama, primeiro como não conhecia absolutamente nada da história de Edir, foi bacana saber alguns pontos de sua vida, sua persistência em virar um captador de almas para Cristo, mesmo que todas as demais igrejas lhe negasse essa missão, sua visão como contador/economista de grandes pontos de mudança, e tudo mais que a trama mostra (claro que de uma forma bem parcial, que talvez vista por alguém de fora fosse melhor mostrada). Também preciso pontuar que vi uma grandiosidade da direção de arte que poucos longas nacionais já se prezaram em fazer, ou seja, algo bem chamativo e com recursos de primeira linha para compor as épocas que o longa se passa. Porém também preciso pontuar o maior defeito da trama, que é o mesmo do nosso cinema de grande público ainda: o exagero, que se nas comédias forçam para rir, aqui forçam no cunho dramático quase novelesco para tentar comover o público a acreditar em tudo o que está sendo mostrado, e assim, o longa soa inverossímil para quem não for fiel, e mesmo que muito ali possa ser baseado em fatos reais, acabamos não nos conectando como poderia, mas para os fiéis da Igreja, esses sim sairão apaixonados pelo bispo, mais do que já eram. E em resumo, o que posso falar logo de cara, é que já vi muita coisa pior nos cinemas, então acredito que funciona como disse acima, para conhecer mais sobre uma personalidade nacional.
O longa que é baseado em eventos reais, nos revela os episódios mais marcantes da vida de Edir Macedo, colocando a história do país nos anos 60, 70, 80 e 90 como pano de fundo para a trajetória do líder religioso, que sempre foi cercada de momentos difíceis, polêmicos e controversos, como sua prisão em 1992, em São Paulo.
Já disse algumas vezes que não sou contra diretores de novelas/séries mudarem os ares e irem para o ramo das telonas, mas sempre confesso que a maioria acaba achando que podem contar uma história completa em pouco tempo, enfeitando tudo e sem conectar detalhes, basta jogar um fade black que o próximo ato pode acontecer sem problema algum, e não é assim, cinema a história toda precisa ser contada de forma temporal, com conexões bem marcadas e ou mudanças conexas, e logo de cara já vemos que não vai ser assim que Alexandre Avancini vai nos mostrar a história de Edir Macedo, de tal forma que poderia ser criativo com fatos normais acontecendo na vida do bispo e tendo suas lembranças de tudo o que aconteceu (ficaria perfeito como cinema), mas não vamos fazer uma micro novela de 140 minutos que iremos depois fazer mais duas outras de 140 e está tudo certo, e com isso embora eu volte a frisar que o longa contenha muitas situações interessantíssimas, o resultado cansa um bocado para quem não for fã desse estilo. Ou seja, faltou a dinâmica de um diretor realmente de cinema, mas, como é um longa encomendado, não seria justo que não fosse feito por um diretor da casa (Record), e como lá a coisa é bem complicada nesse nicho, vamos com quem sabe fazer e já fez algo bom na carreira, mesmo que seja num passado bem longínquo. Então pontuando melhor, a maior falha foi não criar um roteiro para cinema, que fosse mais curto e direto, e com isso, foi necessário estar apelando a todo momento para que cada conexão fosse com emoções e frisasse os impactos fortes do protagonista, suas glórias e escolhas, e com isso, o resultado fica preso ao invés de deslanchar, mas ao menos souberam fazer uma boa trama de época, agora é ver o que farão com o filme 2 e 3.
No conceito das interpretações, temos muitos personagens na trama, e infelizmente poucas boas interpretações, pois mesmo não conhecendo praticamente nenhum dos personagens reais (só vejo rapidamente o R.R. Soares antes do Masterchef!), não é fácil se convencer em momento algum que qualquer um ali faria na vida real trejeitos dessa forma, tudo soando extremamente forçado e com ares desconexos do que uma produção convencional faria, ou seja, é melhor focar somente nos protagonistas, senão corre o risco de falar muito mal de alguém. Petrônio Gontijo é um ator bem eclético que já está na Record há tanto tempo que só quem confere as novelas da casa lembra dele mais novo, e ele é bom de trejeitos e conseguiu ser expressivo ao menos nas caras caricatas de Edir Macedo, digo caricatas por ser impossível alguém fazer caras e bocas tão marcadas na vida real, sem dizer que o cara está atuando, ou seja, ele falhou como parecer um personagem real, mas mostrou que se alguém necessitar de um ator expressivo para teatro, seu nome tem de estar na lista número 1, além disso ele tentou diversas vezes ter uma coerência na deficiência real do protagonista, ao segurar o microfone de forma diferenciada, mas poderiam ter feito uma maquiagem mais forte ali para ficar mais real. Day Mesquita poderia ter sido substituída na versão adulta de Ester, pois como jovem até ficou bem, trabalhou um carisma forte, mas depois precisou ficar sempre de lado para não soar nova demais, e se ela estiver na continuação vai ser algo complexo de trabalhar sem muita maquiagem. André Gonçalves fazendo R.R. Soares é algo incoerente demais, pois se desejavam mostrar que o pastor era alguém galanteador e egocêntrico acertaram na escolha, pois foi só isso o que passou, mas completamente longe de aquele estilo virar o que vemos na TV na Band hoje, ou seja, foi chacota da produção. Dos demais, poderia citar mil erros, mas o mais absurdo é a cena de exorcismo, que foi forçar a barra demais tanto no conceito de roteiro quanto nas expressões da atriz, que vou preferir nem procurar o nome.
Agora se temos de falar bem de algo, certamente temos de aplaudir a direção de arte do longa, que teve um trabalho memorável em criar as diversas épocas que o filme se passa, com muitos carros que marcaram época, carros de polícia completamente coerentes, figurinos, locações bem retratadas, muitos cenários, diversos elementos cênicos marcantes (alguns divergentes do que podemos ler em textos de outros missionários, mas isso não vem ao caso aqui), de tal maneira que tudo acaba impressionando, e mesmo as cenas de arquivo colocadas nas TVs foram bem escolhidas e completamente coerentes com tudo o que desejavam passar, ou seja, diria que 90% da minha nota vai pelo ótimo trabalho que fizeram aqui. A fotografia brincou bastante com sombras e soube ser adequada em diversos momentos para criar a dramaticidade necessária, além de ousar em alguns detalhes e criar texturas, coisa bem rara de ver no cinema nacional, para que com isso conseguissem comover nas diversas viradas de ponto da trama, mas como falei no começo, poderiam ter economizado nos fades/transições de época que agradaria bem mais.
Enfim, é um filme que recomendo mais para os fiéis da Igreja Universal do que para qualquer outro público que goste apenas de conferir um longa no cinema, mas confesso que ao menos serviu para conhecer muitos detalhes que desconhecia (por exemplo sua visão de como "ganhar"/comprar a TV Record na época que muitos perderam dinheiro) e para curtir a boa cenografia, mas tenho certeza de que muitos que não forem o público alvo da trama e acabarem indo sem saber o que vão ver, irão se irritar com o excesso de dramaticidade novelesca, portanto quem for conferir, vá sabendo o que verá, e se você for da igreja, com certeza sairá bem feliz com o resultado final. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com alguns filmes mais alternativos que irão passar na Mostra Indie do SESC que começa nessa terça, então abraços e até breve.
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