Já disse algumas vezes que diretores precisam antes de fazer um filme decidir qual tema atacar, pois quando vão para muitos rumos costumam errar e falhas evidentes acabam atrapalhando mais do que ajudando a concepção completa de um longa. Dito isso, já falei logo de cara o maior problema de "Acertando o Passo" e você nem deve estar mais lendo o que vou continuar falando, mas peço que siga, pois esse é apenas um detalhe do filme que me fez molhar o olho mais que uma vez com situações tão bem colocadas e interpretadas, que certamente vão fazer o público se remeter a algo que já viram e a chance de precisar de lenços é altíssima. Ou seja, um filme que possui muitos defeitos, mas é tão lindo e comovente, que a frase que comecei o texto pode ser esquecida tão rapidamente que é melhor você conferir com o corpo aberto para os sentimentos, e deixar fluir tudo para que a emoção faça o trabalho que desejaram na criação da trama.
O longa nos mostra que ao descobrir que seu marido quarentão e sua melhor amiga têm um caso, ‘Lady’ Sandra Abbott, vai para Londres morar com a “diferente” irmã mais velha Bif,Timot libertária e namoradeira. Sandra é, por sua vez, um peixe fora da água. E sentindo que o que a irmã precisa, Bif a leva para aprender a dançar em um salão para pessoas da terceira idade. E, surpreendida, Sandra percebe que a vida tem ainda muito a lhe oferecer ao conhecer os amigos de sua irmã: Charlie, Jackie e Ted.
O diretor Richard Loncraine teve um grande acerto na trama ao desenvolver não um filme musical sobre dança, mas sim sobre amizade, problemas na terceira idade, casamentos infiéis, entre outras coisas, o que facilmente poderia ser discutido em diversos outros longas ou até mesmo em uma série com episódios variados sobre cada tema, mas a grande faceta dele foi encontrar uma forma que tudo combinasse bem e se diluísse em uma história tocante e muito bem interpretada que vai se desenvolvendo e emocionando a cada vértice. Claro que o público não vai chorar de soluçar pelas diversas quebras de assunto, e isso é um erro bem forte, pois vamos dizer que o longa focasse somente no problema de Bif, ou até mesmo no problema de Charlie, que são os dois mais impactantes, certamente lavaríamos o cinema, e o longa seria incrível, mas volto a frisar que o erro passa fácil, apenas faz as quebras, e isso é algo técnico que reclamaria muito, mas como conseguiu me tocar, diria que o diretor fez o trabalho soar bem decente ao menos.
Sobre as interpretações, diria que é um elenco de peso da terceira idade realmente, se divertindo sem frescuras para que o longa agrade na medida certa, de tal maneira que todos entregam bons olhares, textos colocados em minúcias e emoção pronta para cada expressão, ou seja, perfeição! Imelda Staunton faz de sua Sandra a tradicional mulher que muda a vida completamente por um homem e depois para se achar novamente após a separação acaba precisando de muita reflexão, e com uma desenvoltura incrível a atriz se soltou do começo ao fim, agradando mesmo nas cenas mais duras aonde não colocou uma personalidade mais intrigante e deixou que o fluxo rolasse sozinho. O mesmo podemos dizer de Celia Imrie como Bif, que foi de uma doçura tão forte que acaba nos socando com singeleza no momento mais forte da trama, e ao trabalhar sua fala nesse momento, por mais que imaginássemos algo do estilo acabamos nos comovendo com a cena, ou seja, perfeita e muito dinâmica. Timothy Spall desenvolveu seu Charlie como uma grande forma mutante durante o longa, entregando o forte nas cenas de dança, junto dos amigos, porém mantendo uma fraqueza imensa guardada em outro lugar, e nessas cenas quem já conheceu quem tem o problema de sua mulher vai ver um trabalho tão bem feito de Sian Thomas como Lilly que a conexão entre os dois chega a doer no peito e arrepia só de pensar, ou seja, dois monstros interpretando e agradando. Como disse no começo o longa tem vários momentos, e vários problemas sendo discutidos, e cada um com um bom ator desenvolvendo que acabam se conectando, mas para não alongar muito o texto, vou dar destaque apenas para a amizade de David Hayman com seu Ted, aonde o ator foi doce em mostrar suas fraquezas, tivemos a forte advogada Jackie interpretada por Joanna Lumley, e até mesmo o marido traidor Mike conseguiu ter boas cenas feitas por John Sessions, ou seja, um show completo de atuações.
A trama no conceito visual é bem simples, mas homogênea em relação às escolhas de locações, principalmente para poder contrabalancear a vida que cada protagonista escolheu para sua velhice, com Sandra mostrando inicialmente a preparação de uma aposentadoria bem rica com viagens junto do marido, em um bairro bem nobre cheio de casas de luxo, aonde tudo é organizado nos mínimos detalhes, Bif já possui um apartamento simples na periferia completamente bagunçado para realçar a bagunça despretensiosa que é a sua vida, Charlie possui uma casa-barco por ter se abdicado para um bem maior ao vender sua casa, e que assim como algo duplo já que pode-se morar e também navegar, mostra sua duplicidade, e assim vamos conhecendo cada momento pelo teor de moradia, mas também pelo projeto bacana de dança da terceira idade, mais ao fim vamos para a eterna Roma, cheia de pontos turísticos gastronômicos aproveitados para mostrar o que os velhinhos gostam de fazer quando passeiam, e claro temos a simbologia de nadar no inverno no lago gelado para realçar o contraponto da vida, ou seja, tudo usado como referência criativa do roteiro, que acaba envolvendo na ideia completa. A fotografia brincou bastante com tons, colocando sempre mais escuro na dramaticidade e muitas cores nos momentos de diversão para dar vida jovem para os protagonistas idosos, de modo que tudo acaba em festa, ou seja, uma fotografia também preocupada para que o tema não destoasse, mas que não seguiu padrões muito duros.
Enfim, confesso que esperava muita coisa proveniente desse longa desde que vi o trailer, e imaginava que seguiria uma linha mais musical que muitos até se incomodariam, mas como o diretor mesmo disse em uma entrevista, a trama poderia se passar num curso de gastronomia, de artesanato ou de qualquer coisa, pois a música vem apenas como um complemento de descontração tanto para os personagens, quanto para o público, de modo que o grande mote são os problemas da vida de cada um dos protagonistas e como se desenvolvem, ou seja, uma lição realmente para se aproveitar e refletir. Como disse mais para cima, poderiam facilmente criar uma série em cima do longa desenvolvendo cada problema de uma forma mais ampla, mas talvez não teria um impacto tão grandioso quanto tudo junto como fizeram aqui, então como costumo dizer em longas desse estilo, abstenha dos defeitos e deixe sua emoção fluir, pois como falei no comecinho do texto, a chance de precisar de lenços é bem grande. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje recomendando demais esse longa que segue a semana na sessão Cinema de Arte do Cinépolis Santa Úrsula, e você pode ver outras sessões do projeto aqui, então abraços e até breve, pois ainda tenho outras estreias para conferir.
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