Alguns filmes conseguem ser mais duros pela essência passada do que pela forma mostrada na telona, e "Comboio de Sal e Açúcar" é um bom exemplar disso, pois ao misturar drama, romance, guerra e misticismo em meio aos pobres tentando atravessar o país para trocar sal por açúcar, vivendo no meio do caos, em cima de um trem precário, com militares bons e ruins, sob a forte iminência de muitos assaltos no meio do caminho, o que conseguem passar e colocar na cabeça do público é essa forte tendência do medo, da falta de pensar num futuro, pois pouco se sabe se chegará ao destino, e se chegar lá, se terá um futuro na volta, afinal a guerra civil continua no Moçambique. Ou seja, um filme duro, muito bem filmado, com uma produção na medida feita certamente em muitos dias no meio do mato em cima de um trem, e que consegue mostrar bem a realidade de um país em conflito, mesmo que sob uma amostragem pouco usual, e com isso, o longa consegue passar bem sua mensagem.
O longa nos situa em Moçambique, no ano de 1988. Em meio à guerra civil, militares escoltam um trem de carga lotado de mercadorias e pessoas que buscam uma vida melhor. Muitos viajam para trocar além das fronteiras sal por açúcar, escasso localmente, e o grande desafio da jornada cheia de atritos é superar ataques surpresas e sabotagens de grupo paramilitar liderado por homem que, segundo as lendas, se transforma em macaco.
A direção de Licinio Azevendo embasada no seu livro homônimo é simples, mas bem efetiva, pois consegue passar o caos no meio da tranquilidade e na velocidade de um comboio de trens, que ajuda a dar o ritmo interessante da trama, tanto que o longa foi bem feito, que acabou sendo escolhido para ser o representante de Moçambique nos indicados ao Oscar de Filme Estrangeiro de 2018, e mesmo não tendo o sucesso de entrar entre os cinco filmes, essa qualidade técnica o fez com que sua história agora seja mostrada em diversos países, pois embora seja uma realidade vivida em Moçambique, isso pode e costuma ocorrer em tantos outros lugares que a ficção acaba sendo usada como exemplares para se refletir. E sendo uma coprodução entre Moçambique, Brasil, Portugal, França e África do Sul, agora passado o período de premiações, o filme começa a circular comercialmente e quem sabe façam até outras obras sobre essa vida pobre e sofrida em meio a guerra.
Uma coisa bem engraçada de ver nos créditos, é que o longa contou realmente com uma grande quantidade de soldados de diversos batalhões, e com isso a equipe precisou de muita técnica para treinar olhares com os figurantes (que não são poucos), com os militares e claro com a pouca equipe de atores mesmo, e quem foi o responsável por isso foi Thiago Justino, que está na trama como o soldado Salomão, que é daqueles que costumam dar muita raiva no público com o que faz em cena, é o ator fez muito bem o seu papel tanto como um mini-vilão, quanto como preparador de elenco. Melanie de Vales Rafael fez de sua Rosa, aquela que procura apaziguar tudo, que quer salvar o mundo por ser enfermeira, e que será tudo para salvar os feridos de batalha no longa, e a atriz soube dosar bem os olhares e ainda cativar outras boas situações com a dramaticidade que conseguiu transparecer. Matamba Joaquim deu ares de herói para seu Tenente Taiar, e como costuma ocorrer em longas desse estilo, o bom moço sempre é o que mais votos reparo, é o ator foi bem interessante na cadência, nos conflitos e na forma de condução do seu personagem, de modo que seu resultado expressivo até chega a impressionar. E para finalizar dentre os mais importantes, tenho de falar da postura forte e mística de António Nipita como o Comandante Sete Maneiras, que com suas tatuagens na cara impõe o medo e até assusta, e com isso o ator só necessitou ir bem nos trejeitos e colocar seu bom texto para que ficasse perfeito, embora uma cena sua logo após uma explosão tenha ficado bem estranha, sendo talvez até um erro de roteiro, mas isso só vendo novamente para afirmar.
No conceito artístico, certamente a equipe de arte teve um grande apoio da empresa ferroviária para que o longa ficasse completamente real, com trilhos velhos, muitas cenas em cima do trem bem acabado, muitos elementos cênicos com os figurantes trocando mercadorias em cada parada, e claro também do exército para fornecer soldados, figurinos, armas de guerra e tudo mais para que o longa ficasse incrível nesse sentido, e com isso o resultado visual chega a impressionar tanto pelos elementos, quanto pelas paisagens por onde o trem vai passando, mostrando lugares devastados pelos inimigos, e claro muito simbolismo. A fotografia brincou bastante nas cenas noturnas com fogueiras iluminando os personagens e claro também usando muita sujeira na filmagem para dar um ar maior ainda de pobreza, ou seja, um trabalho cênico bem feito em conjunto.
Enfim, é um longa bem interessante que funciona e é diferenciado, mas que contém alguns problemas de execução, que poderiam ter sido minimizados e assim criado um longa ainda mais forte de impactos, não sendo forte apenas na história. Recomendo ele sim para quem gosta de longas históricos com uma boa pegada, pois como disse no começo a trama tem elos dramáticos, românticos, e claro muita guerra, e sendo assim atrai até que uma Gama boa de público, mas que volto a frisar, não é um blockbuster americano, e com isso, alguns vão estranhar o estilo. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas já vou para mais um longa francês, que não está no Festival, mas tem uma cara interessante, então abraços e até logo mais.
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