Olha, já havia visto muitos filmes impactantes no cinema, mas hoje posso dizer que fazia muito tempo, isso se algum outro conseguiu um dia, que um filme me tirou o ar ao mostrar o preconceito, a segregação e o impacto cultural/religioso dentro do Marrocos, e não apenas nos dias atuais, mas já vendo acontecer desde muito tempo, ou seja, um filme devastador. Digo isso depois de pensar muito vindo para casa após conferir "Primavera em Casablanca", pois imaginava ser o longa mais fraco do Festival pela sinopse que vi antes de sair logo após o almoço para a primeira sessão do dia, e cá estou após quatro filmes completamente maluco pelo que vi. Sim, inicialmente viajamos pelo Marrocos de origem nos anos 80, no meio das montanhas e suas pequenas vilas, somos surpreendidos quando a religião passa a dominar fortemente escolas e tudo mais, vemos um professor sendo contra isso e fugindo, que nos vai passando mensagens lindas completamente conexas durante todo o restante... o tempo se passa e caímos nos dias atuais também vivendo de conflitos de educação, emprego e tudo mais, vamos conhecendo diversos personagens diferentes, cada um com seu problema, e por aí vai, no melhor estilo novelesco que conhecemos, aí é que o Coelho começou a ter certeza que iria achar o longa ruim, pois como vocês bem sabem, odeio filmes novelescos, ploft, começam a unir ainda mais as histórias e conectar com o belíssimo filme "Casablanca", e pronto, a cada nova cena o longa foi ficando mais denso, colocando as mais belas canções de Fred Mercury, com um cantor/ator magistral interpretando, e mais conflitos, até termos um final tocante e completamente forte (e totalmente explicativo em uma única frase: "Casablanca com certeza não foi filmado no Marrocos", e eu fecharia o longa aí com uma nota 11, mas como ainda preferiram deixar o longa bonito inseriram um final marcante dentro da ideia feminina que valeu a pena também, mas com menor impacto. Ou seja, assim como vemos a beleza de muitas histórias que se passam em diversos locais, parecendo que a França é maravilhosa, o Rio de Janeiro é lindo, a Bahia é uma tranquilidade só, quando vamos ver realmente na realidade nua e crua, o cerne é que pega fogo. Recomendo demais o longa, e olha que o primeiro parágrafo já ficou grande demais!
A sinopse nos conta que o longa tratará de cinco histórias separadas, uma ambientada na década de 1980, nas montanhas do Atlas, e as outras nos dias atuais, em Casablanca, Marrocos. No entanto, a distância temporal dessas narrativas não impede que a intolerância, a ignorância e a dificuldade em aceitar as diferenças, sejam as mesmas em todas elas.
O trabalho do diretor e roteirista Nabil Ayouch é daqueles que ficamos pensando o quanto de pesquisa esse cara fez para entregar algo tão forte assim, como ele viveu tanto para conseguiu uma história tão forte, e nem precisamos ir longe, pois mesmo tendo nascido em Paris, ele vive há anos em Casablanca, e com toda a certeza vê esses conflitos diariamente, vê uma cidade com a cara do mundo aonde tem de tudo, mas vê a religião e a intolerância às diferenças passando na sua frente em todos os momentos, ou seja, soube pegar uma vivência imensa e retratar num filme que muitos podem enxergar apenas como ficção, mas que infelizmente é real, e acontece no mundo inteiro, que vemos diversas Salima's, Ines's, Yto's, Joe's, Hakim's e alguns Abdallah's também, que até procuram se abster do mundo que vivem, tentando fazer diferente, mas não conseguem por ter muitos outros contra, ou seja, foi um diretor de impacto que não conhecia, mas pelo que ouvi seu longa anterior é muito bom também, então irei procurar conferir, mas antes disso, esse é um que torço para passar mais vezes e entrar em circuito comercial, pois mais pessoas necessitam conferir essa bela trama.
Falar das interpretações aqui é quase como entrar num campo minado com tantos bons atores, e é quase um pecado falar de poucos, sendo que todos entregaram trejeitos tão fortes que com toda certeza já viveram algo do estilo e/ou conheceram alguém que viveu perfeitamente para incorporar tamanhas expressões. Maryam Touzani é linda demais, e certamente sendo seu primeiro longa assim que estrear em outros países deve ser chamada para muitos filmes, e sua Salima é sensual, se diverte, mas sabe que ali não tem chances de ter um filho no meio da bagunça que está seu país, e claro com seu estilo de vida é completamente divergente do que a religião impõe, ou seja, quer muito sair dali, e a atriz foi forte, dura e mostrou personalidade para cada cena sua. Arieh Worthalter demonstrou com seu Joe a conexão de um empresário que vive com a família, trata bem seus funcionários, mas tendo a família judia, é visto pelas mulheres como alguém que não serve, e somente a grande amizade que foi aprendida por Ilyas no passado pelo grande professor vai lhe cair bem, e o ator fez olhares muito bem encaixados para mostrar que mesmo vivendo na noite, ainda tem todo um ar família com o pai e os amigos, ótima interpretação. Amine Ennaji nos entregou um Abdallah genial, demonstrando a força que os mestres professores podem passar para seus alunos/discípulos, e que quando são confrontados o máximo que podem fazer é fugir no meio de algo tão forte como é a religião, e com lições belas ditas e com um semblante magistral o ator foi duro e belo ao mesmo tempo. Abdelilah Rachid foi incrível com seu Hakim, entregando personalidade e principalmente uma voz única para cantar dois hinos de Fred Mercury, e também junto de sua banda incorporar a canção de luta de Casablanca, ou seja, foi mais que um ator, foi um cantor perfeito para a trama. A mais fraquinha foi Dounia Binebine com sua Ines, demonstrando a tradicional juventude despreparada para o mundo, que prefere se cortar para tentar aparecer, e com uma dinâmica um pouco estranha, a atriz fez caras e bocas demais para agradar. E para fechar tanto Saadia Ladib quanto Nezha Tabai, entregaram duas ótimas Yto, a primeira jovial e ainda apaixonada, e a segunda já como uma anciã que dá conselhos ótimos.
No conceito visual, não sei se usaram imagens reais de protestos, ou se fizeram tudo acontecer realmente de forma cênica, mas que chega a assustar, isso chega, e com isso, juntando as demais cenas, locações maravilhosas nas montanhas, e muita dinâmica expressiva e forte de cada ato, a equipe de arte mostrou ser conhecedora de tudo e ainda engrenar sem dúvida várias discussões, ou seja, perfeita. O tom da fotografia foi o mais escuro possível, ousando com cenas sujas de marrom, outrora com vermelho bem forte, e claro muito preto para dar o âmbito de impacto que o diretor desejava, e ao contrário de ficar cansativo, o longa teve muita dinâmica com todas essas cores.
Enfim, um filme perfeito, que não tem como dar outra nota senão a máxima, que pela primeira vez um filme com cara completa de novela das 9 conseguiu me conquistar por ser completamente diferente do que qualquer novela realmente entregaria, ou seja, forte com uma pegada clara do que deseja mostrar, e entregando frases e interpretações perfeitamente dirigidas para o mundo todo. E sendo assim, mais do que recomendo o longa, e quem quiser ver ele ainda passará mais duas vezes na cidade pelo Festival Varilux, e em outras cidades confiram a programação para não deixar de conferir ele. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais quatro textos do Festival, então abraços e até lá.
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