Tungstênio

6/23/2018 01:16:00 AM |

É tão bacana quando surgem propostas diferenciadas para vermos no cinema, daquelas que vamos sem saber nem do que se trata, afinal nem trailer passaram nas sessões, e somos surpreendidos com um longa de boa técnica, baseado em um HQ nacional, que também você nem fazia ideia da existência, e só isso já faria o longa de nome estranho "Tungstênio" ser bem elaborado numa velocidade cheia de idas e vindas, diversos ângulos precisos, com muitas opiniões populares inseridas, e tudo mais. Mas aí entra o problema gigantesco que precisamos aprender com nossos amigos gringos, que pegam HQs cheias de referências interpretativas em off, aonde mostram os pensamentos dos personagens, inserindo narrações referenciais para explicar sentimentos, e aí transformam isso dentro da história para não precisar de um narrador falando tudo como se estivesse narrando o jogo da seleção nacional, e confesso que mesmo sendo um ótimo ator por trás do narrador da trama, foi broxante ouvir Milhem Cortaz quase que o filme todo, cansando e praticamente se intrometendo no desenvolvimento, de modo que o filme não tem vida própria. Ou seja, temos uma ideia muito bem elaborada, situações bem feitas pelos personagens, só faltou o diretor montar uma trama mais conexa aonde tudo se envolvesse, sem precisar narrar cada vírgula, que teríamos um filme incrível, mas como não foi assim, diria que ficou algo razoável, que por bem pouco não se tornou insuportável e sem sentido.

A sinopse nos conta que um sargento do exército aposentado, um policial e sua esposa e um traficante aparentemente não possuem nada em comum, mas eles vão se unir em prol de um bem maior. Quando pessoas começam a utilizar explosivos para pescar na orla de Salvador, na Bahia, esse grupo fará de tudo para acabar com esse crime ambiental. Mas, na busca dos caminhos que lhes pareçam mais corretos, cada um deles vai passar por mais conflitos pessoais e morais.

Sabemos que se existe um diretor que tem um estilo bem diferente e incomum no Brasil é Heitor Dhalia, que sempre de formas polêmicas e ousadas costuma criticar o sistema, a política e tudo mais através de metáforas e personagens nos seus longas, sempre de uma maneira subjetiva, mas muito bem colocada sem atrapalhar o andamento de sua trama, e aqui temos leves traços para desenvolver a rotina social dos personagens, que mostram ideologias contraditórias e tudo claro para se dar bem, ter uma exibição de seus atos ou atitudes, gestuais e tudo mais, de modo que chega a ser visualmente bem interessante a trama. E embora seja baseada em uma HQ, o longa não tem um formato clássico do estilo, mas trabalha numa velocidade acelerada de acontecimentos, com muita dinâmica, e com personagens se conectando por elos comuns, mas tudo de uma forma bem homogênea que acaba agradando, ou seja, (sei que estou sendo insistente) para que necessitar tanto de um narrador falando com o público, explicando tudo, e até conversando mentalmente com os personagens, e com isso a trama deu uma boa desandada, que só é suprimida pelos ótimos ângulos escolhidos para dar um tom mais próximo aos de HQs realmente.

Sobre as atuações, praticamente todos possuem seus grandes momentos, mas como Fabrício Boliveira é o mais conhecido do elenco, nossos olhos praticamente focam mais em seu Richard, mostrando um policial corrompido pelo sistema, mas que na hora de resolver um problema vai pra porrada e tiro sem pensar duas vezes, e agrada bastante com essa atitude. José Dumont acabou entregando um ex-sargento chato demais, e o ator fez questão de deixar ele ainda mais arrogante com olhares forçados e intrigantes, que acabam sendo um acerto para a trama, embora de vontade de socar ele. Wesley Guimarães teve bons trejeitos, um gingado clássico e muita atitude com seu Cajú, mostrando bem uma síntese bem trabalhada, e que até poderia ser melhor desenvolvida, pois o ator estava disposto. Samira Carvalho Bento entregou com sua Keira a realidade de muitas mulheres que brigam, brigam, brigam com os maridos cafajestes, mas dá dois segundos e já estão na cama com eles de bem e de caso passado, e foi muito sincera em seus trejeitos, mesmo que soasse falsa em diversos deles. Quanto ao narrador, sei que Milhem Cortaz é um ótimo ator e intérprete, de modo que sua voz contou bem a história, mas me irritou tanto aparecer o longa inteiro que prefiro optar por dizer que falhou não em seu papel, mas aceitar tantas falas em um filme. Quanto aos demais, a maioria foi figurante, alguns com um luxo maior tendo falas, mas sempre conectando com os protagonistas para dar seguimento à trama.

No conceito cênico nem podemos dizer que a equipe de arte se aprofundou no tema, usando praticamente só locações prontas e direcionando os personagens, tendo inicialmente os barcos pescando com explosivos (bem estranhos para parecer verdadeiros!) na orla, depois temos um forte para uma cena, aonde trabalharam um pouco mais foi na casa dos protagonistas aonde todos os móveis estão em plena destruição por ambos, na briga na praia temos pouquíssimos detalhes, tirando o tiro com um bom efeito de maquiagem na mão, na lembrança do protagonista a cena de invasão da favela foi a mais elaborada no conceito artístico, com bons detalhes na locação, e também deram um bom enfeite para a cena da boate, ou seja, a maioria apenas passagens. A fotografia brincou com muitas cores e até ousou em contrapontos com sombras, mas a mais bonita sem dúvida é a de encerramento, aonde as nuances do céu, com o fundo do barco iluminado e apenas a sombra do protagonista deu um ar bem interessante.

Enfim, é um filme que funciona, que é bem diferenciado dos demais, mostrando novamente que o Brasil anda ousando em diversos estilos, mas que precisaria ter sido melhor lapidado, removido o excesso de narrações, e talvez um final mais coeso para não ficar tão jogado, pois aí sim teríamos algo incrível de conferir. Vale mais para quem gosta do estilo mais artístico, pois ele como filme comercial vai incomodar quem não conhecer o estilo de Dhalia. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto na segunda com a última estreia dessa semana, então abraços e até breve.

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