Sabe quando tínhamos de escrever na escola aquela redação de volta às aulas após o período de férias, e só tínhamos dois tipos de texto, ou aquele que enrolávamos ao máximo para dizer que apenas dormimos e comemos, ou aquela que tínhamos de falar de tantos lugares que passamos, das mil desventuras que fizemos, da morte do gato, do cachorro, do novo corte de cabelo, e tudo mais? Pois bem, acredito que o roteirista de "Uma Casa à Beira-Mar" estava com essa ânsia após ver os diversos jornais franceses noticiando as diversas invasões de refugiados, das desvalorizações de casas à beira-mar, de romances entre velhos e novos, de pessoas que passam anos em estado vegetativo, de velhos que perdem empregos após anos lutando em greves e revoluções, e resolveu tentar contar tudo isso em um único texto sem tentar que tudo (ou ao menos algum detalhe) fosse mais envolvente e emocionasse ou comovesse o público com algo, apenas trazendo diversas reflexões, mas sem um caminho óbvio a seguir, ou seja, um filme até poético, com uma locação bem bonita, mas que talvez cause muito mais desconforto por tentarmos pensar que rumos a trama pode seguir, do que saíssemos da sala do cinema revoltados ou felizes por algo que a trama realmente valesse apontar. Diria mais, se talvez o caso das crianças refugiadas entrasse na trama bem antes da metade, e aí sim o drama se desenvolvesse a partir dali, teríamos um filme incrível. Ou seja, não digo que seja um filme ruim, apenas algo que não teve um rumo focado para contar sua história realmente, e se eu ficar rodando igual ele, daqui a pouco esse texto também não terá rumo algum.
A sinopse nos conta que em uma pequena baía perto de Marselha, existe uma vila pitoresca, propriedade de Maurice. Seus três filhos reuniram-se ao seu lado durante seus últimos dias: Angéle, atriz que morava em Paris, Joseph, que acabou de se apaixonar por uma jovem garota, e Armand, o único que ficou em Marselha para dirigir o restaurante da família. É hora deles ponderarem o que aprenderam dos ideais do pai e do espírito comunitário que ele criou neste lugar mágico.
O estilo do diretor e roteirista Robert Guédiguian é bem contido, mas nem por isso ele deixa de alfinetar tudo o que anda acontecendo no mundo (e principalmente na França!) nos últimos anos, e com isso sua trama tem muita polêmica, e certamente se mais enxuta da quantidade de temas, acabaria sendo de uma precisão incrível, conseguiria comover e chamar atenção, e ainda até que se fosse colocado em segundo plano daria para mostrar tudo, mas o grande erro foi ele ser contido e querer dar destaque para tudo, pontuando cada tema em um ou dois personagens, e resultando em uma obra difusa demais. Não posso crucificar ele, pois sei bem como é começar um texto e ir aprofundando, daí lembro que preciso falar de mais algo, coloco também, e quando vemos o texto já não está falando de mais nada por completo, ou seja, é algo que acontece, e por isso, embora seja algo que não aprovo, muitas vezes um texto tem de sair das mãos do pai, para criar asas e desenvolvimento nas mãos de outro diretor que saberá eliminar o que não vai interessar (prefiro muitas vezes que um roteirista dirija seu próprio texto por saber aonde quer chegar, mas aqui certamente outro diretor teria eliminado uns 40% dos temas pelo menos). Ou seja, o diretor foi ousado nas suas propostas, mas ao querer colocar todas em um único filme acabou falhando mais do que acertando.
Fazia tempo que as atuações não me incomodavam tanto em um filme, pois geralmente temos alguns que falham, mas a maioria consegue suprir essas falhas e se destacar, e aqui aparentemente nenhum, repito nenhum, dos protagonistas quis assumir a responsabilidade e puxar sua trama para frente, sendo quase todos coadjuvantes da história do outro e nenhum protagonista da sua própria história, o que é algo muito errado em qualquer filme. E olha que digo isso com um pesar imenso, pois o elenco é de grandes nomes do cinema francês, passando de Ariane Ascaride com sua estranha e traumatizada Angéle que só faz caras exageradas, entrando num pessimista e desanimado (que pelo texto era o piadista da turma) Jean-Pierre Darroussin com seu Joseph apático demais, recaindo sobre um Gérard Meylan com um Armand desesperado por manter tradições, mas que não tem sincronia com nada, até recair nos mais jovens e estranhos Anaïs Demoustier com sua Bérangère cheia de ideais, mas jogada na trama, o médico Yvan interpretado por Yann Trégouët que nem nota a doença nos pais e só faz caras enfáticas até mesmo no seu momento mais bobo e clichê. Ou seja, a salvação só chegou com os trejeitos das crianças que apareceram somente bem no final do longa, e das expressividades fortes dos idosos que um está semi-morto, no caso Fred Ulysse com seu Maurice, e o outro fala demais e não se expressa, no caso Jacques Boudet com seu Martin. Mas o grande susto fica por conta do exagerado Robinson Stévenin com seu Benjamin que parece ter saído de um filme de terror com sua expressividade forçada e desespero nos diálogos. Ou seja, decepção total nesse quesito.
Agora como sempre ocorre, quando um filme francês tende a não agradar pelas atuações, o visual, a composição cênica e cada detalhe mínimo dos objetos usados no longa passam a valer reparo, de modo que a vila em si funciona para mostrar o misto entre o passado (o restaurante que nem prestígio muito menos insumos tem para sobreviver atualmente), o futuro (um super trem veloz passando por cima da vila de hora em hora) e o presente (a invasão de refugiados e os militares passeando a todo momento pelo paradisíaco local), que acaba nos fazendo refletir demais em cada momento que passamos que tudo pode ser mudado e também o que não deve mudar, como as essências funcionam, como cada objeto passa a ser importante para a trama, ou seja, um trabalho primoroso e muito bem feito. A fotografia embora esteja em um cenário maravilhoso, acabou ficando apática demais em cores mornas, dando um ar de morte que certamente o diretor desejava, mas que acabou não atacando como poderia.
Enfim, um filme bem mediano que poderia ser imensamente melhor se tivesse desenvolvido menos temas, e que raspou a trave de virar uma tragédia, ou seja, se na sala os poucos que tiveram conferindo saíram cansados com o que viram, certamente será daqueles filmes que talvez até funcionaria mais em festivais do que comercialmente, mas como veio, deve ficar bem pouco tempo em cartaz, e quem quiser arriscar ver, corra, mas confesso que tem coisa melhor passando nos cinemas. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais um texto, então abraços e até logo mais.
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