Certamente você já viu alguma peça de teatro que falou que no cinema ela seria mais bem desenvolvida, e também já ocorreu o contrário de ver algum filme que pareça uma peça de teatro, pois embora ambos sejam classificados como obras audiovisuais, cada um possui certas peculiaridades que funcionam mais no meio próprio, e quando vemos esses detalhes encaixados erroneamente em um outro estilo, ficamos deveras incomodados com o que estamos vendo. Digo isso, mas sem pesar algum por ter visto "A Festa" como um longa-metragem, pois embora seja completamente a cara de uma excelente peça teatral, que se cair na mão de qualquer bom diretor de teatro certamente será premiada aos montes, a trama funciona bem também como filme, sendo desenvolvida em basicamente apenas uma casa com quatro cômodos, sete personagens presentes e um apenas sendo citado, e uma desenvoltura tão forte das situações que mesmo tudo sendo bem trágico, acabamos rindo praticamente em todas as cenas, ou seja, uma comédia de luxo, inteligente, cheia de humor politizado e que poderia ser feita de inúmeras maneiras, mas encontrou no estilo mais clássico para ser entregue aqui, e acabou acertando bastante.
A sinopse nos conta que para celebrar seu tão aguardado e prestigioso cargo em um ministério, e, esperançosamente, um trampolim para a liderança do partido, a recém-nomeada política da oposição britânica, Janet, está dando uma festa para os amigos em seu apartamento em Londres.
É claro que, neste seleto e íntimo soirée, além do marido acadêmico abnegado de Janet - Bill – um grupo heterogêneo de amigos, escolhidos a dedo, foi convidado: Há April, a melhor amiga americana e amargamente cínica; seu improvável marido alemão, Gottfried; há também Jinny e Martha; e, finalmente, Tom, o banqueiro tranquilo em seu terno impecável.
Inevitavelmente, antes que o jantar seja servido, o ambiente otimista se despedaçará, já que os segredos obscuros começam a ser revelados nesta superfície hostil. Sem dúvida, depois desta noite, as coisas nunca mais serão as mesmas.
O trabalho da diretora e roteirista Sally Potter é basicamente um banquete para ir se deliciando aos poucos com cada cena, cada diálogo, cada ato, aonde vamos conhecendo os personagens, nos surpreendendo com suas atitudes, e principalmente se indignando, pois é impossível imaginar uma tragédia tão bagunçada, e ao mesmo tempo tão orquestrada de situações, de tal maneira que o trailer nos engana um pouco, pois até imaginava acontecer qualquer outra coisa, menos o que é entregue, ou seja, temos tudo bem arquitetado pela diretora, e o resultado soa excelente. Nem posso falar muita coisa sobre o filme, pois tudo acaba sendo um spoiler e estraga bem a ideologia política da trama, a situação envolvendo cada personagem, e principalmente alguns desfechos (que aliás se observarmos bem tem um erro de entregar logo na abertura algo que não deveria estar ali, mas talvez seja uma opção da diretora para já pensarmos o motivo de estar ali!). Agora o filme funcionaria de qualquer forma, mas ainda estou sem entender o motivo do longa ter sido feito em preto e branco, pois não tem qualquer função de linguagem, e isso é apenas um peso para a trama, que até deixa o filme com um ar bonito e clássico, mas nada além disso.
O mais engraçado das atuações, é você enxergar a personalidade de cada personagem estampada nas faces dos protagonistas, que por mais que tentem disfarçar, eles já chegam na casa entregando seus atos, seus estilos, e com isso a diretora nem precisa de apresentações, basta colocar eles para dialogarem, e pronto, já temos o conflito formado. Kristin Scott Thomas está preparada demais para sua Janet, encaixando humor, tristeza e muito impacto para cada ato seu, fazendo ótimos trejeitos e encaixando os diálogos como balas num revólver. Timothy Spall é daqueles que foram colocados no filme pela expressividade que consegue fazer, e suas caras como Bill é daquelas que nos deixam intrigados para saber até onde ele pode ir com cada situação, e claro que sua surpresa é daquelas prontas para explodir. Cillian Murphy chegou na festa com seu Tom de maneira que só ficamos esperando sua explosão e uma tragédia de níveis que sequer conseguiríamos imaginar, mas sua reviravolta desesperadora é tão boa de expressões que acabamos nos divertindo com tudo o que faz em cena. Patricia Clarkson está ali com sua April apenas para criar as intrigas e jogar bombas para cada diálogo feito pelos demais, sendo tão irônica em diversos pontos que acaba mais impressionando pelos atos do que pela personagem em si. Quanto aos demais convidados, todos se saem bem, mas servem mais de eixos do que realmente protagonizam tanto os momentos, e assim sendo melhor não destacá-los.
No conceito cênico a trama é bem simples, estando somente dentro de uma casa ou apartamento de primeiro andar, aonde os personagens passeiam pela sala aonde o destaque é a vitrola do protagonista tocando músicas bem colocadas para dar o ritmo da trama, e claro aonde ocorrem as maiores confusões em grupo, uma cozinha aonde temos uma cena para explodir um incêndio, o banheiro aonde ocorrem as loucuras solo, e o quintal aonde os personagens nos dão o respiro cênico, ou seja, temos os ambientes moldados para cada estilo de ato, e eles funcionam até como personagens do longa, entregando tudo como um eixo pronto para girar e ocorrer cada momento. Como já disse, a fotografia em preto e branco funcionou mais para descolorir o ato e deixar ele com um ar mais clássico, mas nada que fosse impressionante pela essência, mas sim pelo olhar apenas.
Enfim, um longa cheio de estilo, que certamente quem não curtir o estilo mais dialogado vai reclamar do que verá, mas quem gosta de longas de festivais, com muita classe, aonde os diálogos divertem e se moldam, esse sem dúvida é um filme para saborear e sair muito contente com o que verá. Recomendo ele com toda certeza, é bem curtinho e funciona (e claro, irei esperar ver ele num formato de peça teatral, pois vai fazer muito sucesso!). Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com a última estreia da semana, então abraços e até logo mais.
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