Quando falamos de cinema de gênero era raro vermos dentro do cinema nacional obras de terror mesmo, pois sempre floreavam com suspenses mais simples, ou senão obras mais experimentais, mas hoje ao conferir "O Animal Cordial" posso dizer que o gore finalmente voltou a ser entregue com força numa obra que funciona bem no lado artístico, mas também se encaixa como grandes obras estrangeiras do gênero de terror para distribuição, com uma alma bem suja e intensa, aonde os personagens vão num crescente desesperador sabendo qual rumo será tomado, mas nunca sabendo o quando e o como, ou seja, para quem gosta do estilo, vamos num deleite de sangue esparramando pela sala do cinema que poucas vezes vimos em um filme nacional, ainda mais com atores tão imponentes da dramaturgia do país. Digo que certamente fui conferir sabendo o que veria pelo trailer, mas não imaginava que seria tão intenso e bem feito, pois outras tentativas do estilo ficaram bem bizarras e erradas, mas aqui antes mesmo de falar mais da produção já parabenizo a todos da equipe, pois o acerto foi iminente, e mesmo com pequenos detalhes, o que vi no cinema é uma obra de primeira linha do terror sujo.
A trama nos situa em São Paulo, aonde Inácio é o dono de um restaurante de classe média, por ele gerenciado com mão de ferro. Tal postura gera atritos com os funcionários, em especial com o cozinheiro Djair. Quando o estabelecimento é assaltado por Magno e Nuno, Inácio e a garçonete Sara precisam encontrar meios para controlar a situação e lidar com os clientes que ainda estão na casa: o solitário Amadeu e o casal endinheirado Bruno e Verônica.
Chega a ser inimaginável saber que o longa foi dirigido e roteirizado por uma mulher, visto as cenas que ocorrem com as personagens femininas, pois certamente muitos julgariam como conceitos machistas e exagerados, mas a diretora e roteirista Gabriela Amaral Almeida conseguiu imprimir um aspecto forte e bem coerente para a situação, trabalhando o impacto visual de cada cena com uma mão certeira e um olhar que poucos veriam, mas que consegue causar e ser real com a situação que a proposta necessita, mesmo que alguns vejam como algo desnecessário. Ou seja, temos algo completamente forte, duro, cheio de sangue pra todo lado, cenas com sexo e tudo mais que uma obra do gênero pede, e ainda um funcionalismo de ângulos, sonoridades e sentidos que certamente quando falarmos mais para frente de algum filme forte nacional, iremos citar esse e sua diretora pelo primor técnico impresso na telona.
Outro fator incrível e inimaginável foi ver um ator que sempre consideramos como alguém com cara de comédia, que costuma fazer sempre caras abobadas como Murilo Benício que já é considerado um ator de primeiríssima linha, fazendo um personagem forte de terror, com impactos dramáticos, impondo uma loucura cênica digna de vermos em atores menos conhecidos e agradar demais com o que faz, chegando ao ponto de vermos realmente um olhar de terror no seu semblante como vimos em psicopatas de grandes filmes, ou seja, podemos considerar seu Inácio como um dos seus melhores papéis da vida. Luciana Paes também se entrega de corpo e alma para sua personagem Sara, de modo que tudo que faz está sempre forte de olhares, tensão e entrega que muitas vezes nem imaginamos o que mais ela pode fazer, e o resultado só vai aumentando de intensidade até termos o seu final perfeito. Dentre os demais todos entregam bons personagens e encaixam momentos precisos para que o filme funcione, de tal forma que o Djair de Irandhir Santos acaba sendo incrível no seus diálogos e trejeitos imponentes e emocionantes, o desespero insano de Camila Morgado com sua madame Verônica, o medo desesperador do playboy Bruno interpretado muito bem por Jiddu Pinheiro, e até mesmo os assaltantes interpretados por Humberto Carrão e Ariclenes Barroso funcionam. Só diria que esperava um pouco mais do personagem de Ernani Moraes, pois sendo um policial aposentado, ele apenas se impôs de uma forma fraquejada e até brincou bem nos trejeitos, mas poderiam ter ido além.
Com uma cenografia bem simples, afinal temos praticamente somente dois ambientes, o salão do restaurante e a cozinha do mesmo, a equipe de arte brilhou mesmo nos detalhes cênicos, com objetos prontos para serem usados como armas para as mortes, e claro, muito sangue para todos os lados, sendo usados de formas inimagináveis, com doses pensadas para um lado artístico tão imponente que sequer pensávamos em ver cenas daquela forma, ou seja, coerência visual bem colocada que funciona com precisão. A fotografia embora seja bem dura, com ângulos fechados para não dar muita vazão de erros técnicos, a trama praticamente fica inteira num tom mais denso aonde é criada toda a tensão, com uma iluminação tradicional de um restaurante, mas sem que ficássemos notando, a temperatura das cores vai aumentando com a grande quantidade de vermelho sangue jogado para todos os lados, ou seja, um trabalho preciso e bem encontrado.
O filme também contou com canções bem fortes para cada momento, mas com uma coerência que chega a ser até engraçada de ouvir, pois alguns acordes conhecidos vindo em timbres diferentes se encaixarem como luva para cada momento, e assim sendo a trilha orquestrada envolve até mais do que as canções conhecidas cantadas que agradam mais como algo diegético que acabaram imprimindo nas cenas.
Enfim, é um filme muito bom, que recomendo com muita certeza para todos que gostam de um terror sujo e bem sangrento, que funciona tanto pela história, quanto pela forma de execução, e que mesmo deslizando em certos exageros, acabará sendo um longa que lembrarei muito quando me pedirem uma indicação desse estilo. Claro que é um filme feito para um público bem específico, mas certamente mesmo quem nunca viu um longa forte de terror conseguirá enxergar nessa obra um grande acerto, e quem sabe uma forma desse estilo funcionar no país. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, afinal ainda tenho mais algumas estreias para conferir nessa semana.
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