O cinema de Lars Von Trier é daqueles que dificilmente veremos algo comum, e na maioria das vezes ou você adentra a mente do personagem principal e se conecta a todos os simbolismos que ele propõe durante todo o longa, ou você dificilmente irá sequer pensar em gostar do que verá na telona. E sendo assim, digo que "A Casa Que Jack Construiu" está bem longe de ser uma de suas obras primas, e que acaba soando mais reflexivo de tudo o que já fez, do que espontâneo como costuma entregar suas obras, de tal maneira que conseguimos assimilar muito do que é a mente artística dele, ao se julgar também um pouco culpado pelo seu modo artístico de entregar, quase como um serial killer que picota suas obras para que nossa mente entre na mesma sintonia do criador dos filmes, mas ao viajar demais o resultado acaba deveras apelativo e raspa a ficar somente jogado na tela. Não diria que é algo ruim, pois até consegui me divertir com o que foi mostrado em alguns momentos, consegui conectar vários símbolos dessa e de outras obras suas inseridas não apenas com imagens em determinado momento, mas também em elos soltos da trama, porém o longa passa longe de ser um daqueles que eu falaria para um amigo correr para o cinema para conferir, pois sei que pouquíssimos iriam se apaixonar ou até mesmo entender tudo o que a trama tentou passar.
A sinopse nos conta que um dia, durante um encontro fortuito na estrada, o arquiteto Jack mata uma mulher. Este evento provoca um prazer inesperado no personagem, que passa a assassinar dezenas de pessoas ao longo de doze anos. Devido ao descaso das autoridades e à indiferença dos habitantes locais, o criminoso não encontra dificuldade em planejar seus crimes, executá-los ao olhar de todos e guardar os cadáveres num grande frigorífico. Tempos mais tarde, ele compartilha os seus casos mais marcantes com o sábio Virgílio numa jornada rumo ao inferno.
Sempre é interessante observarmos como Lars trabalha, pois como bem sabemos seu objetivo como diretor é chocar e causar estranhamento do público para com suas obras, e dessa forma mesmo se ele inventar de entregar uma comédia romântica é capaz de algum tipo de bizarrice acontecer para sair do eixo comum. Dito isso, aqui muitos (assim como eu) irão ao cinema conferir o longa achando ser a história de Jack, o estripador, mas a semelhança aqui é apenas no caso de ser um serial killer, e o nome, pois a ideia aqui é transparecer de um arquiteto que enxerga obras de arte na forma de matar, e dessa forma a loucura vai permeando com símbolos onde quer que olhássemos na tela, mostrando que Lars também é coparticipativo na forma criminal, desejando em sua arte fazer o que não pode na vida real, colocando pontadas em série que pudemos ver em suas outras obras, e principalmente sendo criativo na condução de confissão do protagonista para com uma voz, que ao final acabamos até conhecendo quem era a voz numa outra espécie de simbolismo de advogado do diabo, ou seja, é o cinema de Lars numa linha tênue nada fácil de ser assimilada, mas que pode levar a muitas reflexões, e até fazer com que muitos gostem ou odeiem tudo o que verão na telona, mas de uma coisa é certa, jamais ele fará um longa normal.
Sobre a atuação até temos de pontuar as expressivas mulheres que foram vítimas do protagonista, praticamente todas bem burras e chatas ao extremo, sendo alvos fáceis e até irritantes para que o protagonista tivesse até mais motivos para matá-las além de sua obsessão, mas nem vale muito a pena falar de cada uma, e sim apenas dele, o grande Matt Dillon, que fez de seu Jack um cara determinado e que pelo que é mostrado desde garotinho já tinha vontades estranhas de causar sofrimento nos outros, e partir para algo a mais foi apenas um estalo, e o ator trabalhou bem olhares, trejeitos e tudo mais para que seu personagem soasse forte e causasse até certas más impressões, o que um bom psicopata/serial killer deve causar, ou seja, o ator se entregou por inteiro para o diretor usá-lo com muita determinação, e o resultado artístico da atuação ficou muito bem encaixado. Além de Dillon, temos de pontuar não tanto pela sua aparição no final, mas sim pelos ótimos diálogos que Bruno Ganz entregou com seu Virgílio, causando uma certa estranheza de ser algo da consciência do protagonista, mas que prefiro pensar em algo mais confessional, que soa mais forte, e característico de Lars, ou seja, um personagem elo para discutir os crimes do protagonista, e funcionar como espectro maior na conclusão completa da obra.
No conceito visual a trama trabalhou bem em locações estranhas, para que as mortes fossem bem moldadas, mas sem dúvida alguma o grande destaque fica por conta do grandioso frigorífico que o protagonista tem e vai acumulando os corpos que matou ali, nas formas mais bizarras possíveis para se gabar das fotos que manda para o jornal, e claro, para um grande fechamento que já era completamente imaginado, e além disso, o destaque é claro fica para os diversos objetos cênicos e armas que o protagonista usa com seu TOC no nível máximo que acaba até sendo engraçado de ver na segunda morte. A fotografia não brincou muito com tons, trabalhando um pouco com alguns lados puxados para o marrom para dar um clima de época, em outros momentos deixou a escuridão tomar conta até chegar no extremamente avermelhado da exemplificação de inferno da trama, o que mostra um certo estranhamento, mas nada de muito elucidativo.
Enfim, é um filme que não posso recomendar para todos, pois é algo muito diferente do usual, mas que também quem for disposto é capaz de compreender um pouco mais do cinema de Lars, que como já falamos é diferenciado e maluco por natureza. Não digo que é um filme que tenha saído apaixonado pelo que vi, mas também não posso falar que odiei, e sendo assim, diria que é algo diferente e interessante, principalmente por ser incomum pensarmos como um serial killer. Portanto quem quiser, e gostar desse estilo, é algo diferente e bem irreverente que está passando em vários cinemas pelo projeto Cinema de Arte, então fica a dica para quem tiver paciência também, afinal são 155 minutos bem distribuídos. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais um texto, então abraços e até logo mais.
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