Há certos filmes e estilos que não precisam gastar praticamente nada, e conseguem nos envolver de tamanha forma que saímos com o queixo no chão com as reviravoltas que encontram para nos surpreender, e "Culpa" pode ser considerado um dos melhores desse estilo, pois foi nos entregue algo tão incrível, com um único cenário, praticamente só um ator, alguns outros gravando apenas vozes para dialogar com o protagonista, outros sendo meros figurantes de enfeite cênico, mas com situações tão fortes, uma reviravolta impossível de ser imaginada, e uma densidade dramática tão grande, que certamente iremos lembrar tanto do filme quanto do diretor por muito tempo, pois é algo que ao mesmo tempo que não temos palavras para falar do longa, desejamos demais comentar com tantos amigos indicando o longa que não paramos mais de falar. Ou seja, confira, surpreenda, e se prepare para chocar com tudo ao redor do protagonista, e com ele.
A trama nos conta que o policial Asger Holm está acostumado a trabalhar nas ruas de Copenhague, mas devido a um conflito ético no trabalho, é confinado à mesa de emergências. Encarregado de receber ligações e transmitir às delegacias responsáveis, ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, tentando comunicar o seu sequestro sem chamar a atenção do sequestrador. Infelizmente, ela precisa desligar antes de ser descoberta, de modo que Asger dispõe de poucas informações para encontrá-la. Começa a corrida contra o relógio para descobrir onde ela está, para mobilizar os policiais mais próximos e salvar a vítima antes que uma tragédia aconteça.
Em seu primeiro longa metragem, o diretor Gustav Möller conseguiu algo que muitos em anos de carreira nem sequer pensam em conseguir, que é gastar o mínimo do mínimo, colocar um personagem sentado praticamente o filme inteiro dentro de um único lugar, e fazer com que o público fique imóvel junto com o protagonista durante toda a duração do longa desesperados para saber o que vai rolar, se ele irá conseguir ajudar a pessoa do outro lado da linha, o que cada um esconde, porque ele está ali, e muitas outras indagações que vão surgindo, de modo que apenas brincando com intensidades da iluminação, trejeitos expressivos nas vozes dos atores, e um texto incrível, ele foi perfeito na condução que escolheu, e o resultado empolga demais
Certamente receber um roteiro aonde somente você estará em cena fazendo todas as inflexões, com a câmera parada para sua cara o tempo todo, e você ter praticamente toda a responsabilidade do longa funcionar ou não é uma das assinaturas mais difíceis que um ator tem em sua carreira, e aqui Jakob Cedergren não apenas assinou, mas conseguiu entregar seu Asger Holm com tamanha perfeição, encontrando a dramaticidade correta nos olhares, no tom de sua voz, que não tem como não se conectar com ele logo após os primeiros minutos, e maravilhosamente ele conduziu o longa inteiro com primor técnico que poucas vezes vi no cinema, ou seja, deu um show e agradou demais em tudo. Quanto aos demais, temos somente vozes bem trabalhadas para entregar a história, com respirações ofegantes, dinâmicas bem coesas, que mesmo não vendo os atores interpretando, conseguimos imaginar eles, entender cada um, e até mesmo julgar somente com o que nos é entregue, indo até mesmo no pensamento do protagonista, que realmente foi bom em nos convencer do que pensou e assim sendo entrou em nossas mentes com a atuação que fez, e sendo assim, temos de dar destaque praticamente para Jessica Dinage com sua Iben, Johan Olsen com seu Michael, Omar Shargawi como Rashid e Jakob Ulrik Lohmann como Bo, por nos dar bons tons, e claro para Katinka Evers-Jahnsen pela doce Mathilde.
Chega a ser até engraçado falar algo da cenografia, pois não temos praticamente nada, a não ser uma mesa com computadores, aonde o sistema apenas dá a determinação do local do telefonema apenas pela torre de celular mais próxima, alguns outros atendentes ao redor (que podemos olhar até como um erro estranho de não vermos mais ninguém atendendo a outras ligações ou acabamos ficando tão tensos com o protagonista que nem vemos mais nada ao redor), e claro a salinha aonde o protagonista vai para ter uma privacidade maior (talvez para fugir de outras ligações), de resto não temos mais nada para olhar, e aí é que entra a direção de fotografia completamente sagaz, que trabalha o impacto visual usando cada vez menos luz para dar mais dramaticidade na trama, e sempre que a lâmpada vermelha de uma ligação acende, o público praticamente coloca o ouvido na tela para ir junto com o protagonista para dentro da cena tentar ajudar a pessoa do outro lado da linha.
Ou seja, um filme para prender a respiração, causar tensão, e por incrível que pareça sem sair de uma salinha, lembrando até um pouco o hollywoodiano "Chamada de Emergência", mas enquanto lá no segundo ato a ação vira algo baseado em correria, aqui a tensão é impregnada somente nas vozes e na história, o que causa um efeito claustrofóbico incrível e muito interessante de acompanhar. Com toda certeza recomendo o filme para todos, e em breve ele deve entrar em circuito comercial, então não perca. Só não digo que será o melhor da Itinerância da Mostra Internacional de São Paulo por faltar ainda muitos longas para conferir, mas certamente será um dos melhores, mas ainda assim vou dar a nota máxima para o longa pelo motivo de algo com baixíssimo orçamento conseguir um feito tão incrível, e ainda na estreia de direção de um diretor bem novinho. E fico por aqui agora, mas volto daqui a pouco com mais um texto, então abraços e até logo mais.
PS: Talvez tiraria meio ponto por alguns detalhes que poderiam ter trabalhado, pelo efeito dos demais atendentes não terem tantas ligações piscando, mas são detalhes que não tiram o brilho do sufoco e da surpresa da reviravolta, então vamos manter todos os coelhinhos vivos na nota.
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