Acho sempre interessante quando conseguem em um único longa brincar com os três meios mais conhecidos de interpretação expressiva para o audiovisual, que são cinema, teatro e TV (no caso novela), e quando isso funciona bem acabamos nos envolvendo e ficando bem felizes com o resultado. Dessa forma posso dizer que "O Beijo No Asfalto" passa bem longe de ser uma trama que vai pegar a todos, e principalmente que vai ser do gosto pessoal da maioria, pois os textos contundentes de Nelson Rodrigues costumam ser difíceis e moldados para um público direcionado, e aqui, Murilo Benício, em sua primeira direção, brincou com esquetes de leitura dramática com os atores, ousou por estilos de uma peça (afinal o texto foi feito para esse estilo), e com pegadas novelescas por misturar muitos personagens com motes próprios, saindo até do eixo principal, o resultado funciona bem dentro da proposta, mas certamente poderia ter entregue uma pitada mais quente e forte, que o público artístico gostaria de ver bastante, e até mesmo quem fosse buscar algo novo sairia bem mais feliz da sessão.
Rio de Janeiro. Atropelado e agoniante, um homem pede a Arandir que lhe dê um beijo na boca. O gesto banal vira matéria sensacionalista pelo repórter Amado, tratando o ato entre os dois homens como escândalo e criando outros efeitos: a polícia investiga uma suposta ligação entre eles; e gera dúvidas em Selminha, sua mulher, e filha de Aprígio, que diz ter presenciado o beijo quando, na verdade, estava de costas.
Diria que para uma estreia, Benício começou muito bem, claro principalmente por entregar um texto prontíssimo debulhado por excelentes atores de grande calibre, mas soube entregar uma arte mista contemporânea, com nuances pontuadas, mas que certamente poderia ter um rumo completamente diferente, por exemplo caso ele vertesse a trama para um tempo mais atual, deixando o longa que tem um contexto forte e que certamente hoje faria grande sucesso também em uma trama clássica mas dentro dos anos bagunçados que temos hoje, e aí sim seu longa seguiria a poética de Nelson Rodrigues, mas cairia como uma adaptação contextualizada e dirigida por ele, pois ele foi seguro no que sabe fazer melhor, afinal já atuou em tantas peças, novelas e longas, que está altamente acostumado a discutir os roteiros em mesas de debate, que poetizar isso, recriar algumas cenas, e moldar dentro de algo tradicional nos deu a impressão de que não desejava ousar, porém como soube encaixar os três estilos bem colocados, unir com uma fotografia maravilhosa em preto e branco para dar um clima mais tenso ainda ao texto, e chamar todos seus grandes amigos e ótimos atores para algo coloquial, mas formidável, acabou resultando em um filme muito bem feito, e assim vamos ficando tensos e também nos divertindo com toda a situação que nos é entregue.
Com um elenco recheado de estrelas do cinema, teatro e TV não tinha como dar errado nada no filme, e com toda certeza poderiam ter colocado até um estudante do primeiro semestre de cinema para dirigir todos que o resultado sairia perfeito ao final, e sendo assim sou elogios até mesmo para os que apareceram bem pouco na trama, até chegar no ponto máximo das ótimas performances de Lázaro Ramos como um Arandir desesperado para se explicar sem que deixem de forma condizente, sempre lhe cortando e deixando em piores lençóis com cada um dos demais. No miolo também temos os dois sagazes delegado e jornalista policial que querem mais é que o mundo se exploda desde que limpem seus nomes e vendam jornais, muito bem interpretados por Augusto Madeira e Otávio Müller respectivamente com seus Cunha e Amado. Stenio Garcia já não tem mais seu brilhantismo de outrora, mas ainda assim seu Aprígio é bem colocado e consegue ter leves momentos de engajamento, mas sem muita explosão. Quanto das mulheres, diria que foram bem colocadas, mas completamente longe do mote funcional que as obras de Rodrigues costumam transbordar, de modo que Débora Falabella e Luisa Tiso acabam soando repetitivas, mas ao menos funcionais para seus atos como Selminha e Dália, mas certamente poderiam ter sido bem mais ousadas e explosivas, que certamente chamariam bem mais atenção. E para finalizar ainda temos a participação de Fernanda Montenegro com um papel praticamente bem secundário com sua Dona Matilde, mas que nas cenas de discussão sobre o roteiro dá um show explicando os momentos que teve em suas apresentações de texto de Nelson Rodrigues.
Sobre a cenografia, temos praticamente um palco em cena, com o desenho artístico mudando para criar os cenários da casa do protagonista, a delegacia, um hotel, uma sala do jornal e uma casa abandonada, e uma rápida cena gravada na rua, além claro de uma mesa oval aonde todos discutem o roteiro na maior parte da trama, e nada mais, brincando muito com elementos cênicos, paredes falsas, equipe técnica aparecendo com microfones e tudo mais, para dar a nuance real de uma peça sendo desenvolvida, o que dá um charme ao mesmo tempo que também demonstra uma despreocupação cênica em favor do que o texto passa. Agora sem dúvida alguma, um dos grandes acertos ficou por conta da fotografia inteira em preto e branco, com uma boa iluminação contrária para realçar os personagens, e dar claro o ar teatral que o longa pedia, ou seja, um total apelo noir incrível de ver.
Enfim, temos um longa interessante de conferir, com um texto impactante, por mostrar como o jornalismo consegue transbordar a mente dos manipuláveis e distorcer um fato aumentando muito, que como disse teria ficado incrível se transportado para a época atual e vivenciado por todos os problemas que estamos tendo no país, mas que ao menos passa a mensagem de forma bem feita, possui uma estética incrível e agrada pelo modelo diferenciado ao menos, e sendo assim recomendo ele para todos que gostem de um cinema mais artístico. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais um texto da outra estreia dessa semana bem curta, então abraços e até logo mais.
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