Quando um filme consegue trabalhar mais os sentimentos, as essências dramáticas, e entregar sua alma na interpretação de seus protagonistas, retratando uma dura realidade que quase desmancha o teor ficcional para virar quase um documentário, o resultado é único: emociona o público com força e demonstra que a diretora conseguiu passar tudo o que desejava sem forçar, agradando no sentimental, e sendo inteligente para não passar do ponto em momento algum. Digo isso e muito mais de "Cafarnaum" ou "Caos" como legendaram no início, pois é um filme primoroso, com tantos sentimentos, com uma dinâmica tão presente, que com toda certeza o fez merecer cada um dos diversos prêmios que levou, e tenho certeza, que se esse ano não tivesse "Roma" (que para mim foi supervalorizado demais!), esse seria o longa premiado nos grandiosos prêmios americanos.
O longa nos situa em Beirute, nos dias atuais, aonde Zain com 12 anos, já viu o suficiente para se ressentir de sua própria existência. Com muitos filhos para cuidar, seus pais recorrentemente atuam na criminalidade, como encarregar o filho encarcerado a repassar drogas na prisão. Ainda mais alarmante, venderam a filha de 11 anos para um casamento arranjado. Com isso, ele processa os seus pais por tê-lo trazido ao mundo sem os meios adequados à sua sobrevivência.
Alguns diretores sabem trabalhar os sentimentos dos personagens para que seu filme flua de uma forma ainda mais condizente do que o imaginado, e certamente o que Nadine Labaki fez aqui foi algo que foi além de todos os limites pensados, pois ela pegou crianças das ruas de Beirute, que vivem realmente essa situação forte que o país anda passando com famílias desestruturadas, crianças em situação de abandono, refugiados, e tudo mais, para que vivessem isso de modo fantasioso, e o resultado foi algo único, cheio de intrínsecos momentos, que acabam emocionando e causando sensações fortes pela tensão criada com o garotinho, e que a cada cena vamos entrando ainda mais na sua história, e entendendo bem sua decisão de estar querendo processar os pais. Ou seja, o longa em si é invertido para que possamos entender como o garotinho chegou nessa conclusão, e com uma força tamanha nos diálogos, a trama é bem desenvolvida pela diretora, que encontra doçura aonde não existe, e acerta com minúcias todos os seus momentos.
Não precisaria nem falar nada sobre as atuações de cada um, apenas colocando sensacional após cada nome, mas tenho de aplaudir de pé os olhares de Zain Al Rafeea, que se entregou de corpo e alma para o personagem, fazendo bem o que vê nas ruas, e com simplicidade e muita eficiência em cada momento, o jovem mostrou um potencial que espero um dia vê-lo novamente interpretando, pois foi mais do que incrível. Yordanos Shiferaw também encontrou momentos únicos para passar para sua Rahil, que demonstrou sinceridade, desespero, e muito carinho principalmente para os dois garotinhos, de modo que ficamos tristes e emocionados com cada atitude passada pela jovem, além claro de seus olhares serem precisos. Quanto aos demais, todos foram tênues nas situações, para que o filme fluísse, e chamasse a atenção em cada momento que aparecessem, de modo que vamos nos apaixonando e/ou ficando com raiva de cada um, o que fosse necessário, agraciando bem com a mãe que só vive para fazer filhos, o pai que usa eles para ganhar dinheiro e sobreviver, a garotinha simbólica que põe na mente uma oportunidade para o jovem, o oportunista claro do mercado que ganha com trambiques, e claro aqueles que compram vidas para usar como desejar sem pensar.
O contexto visual da trama é fortíssimo, pois a equipe de arte foi para as ruas e nos colocou praticamente no meio da situação, vivenciando a vida do garotinho com a família desestruturada cheia de irmãos que sequer tinham o que comer, trabalhando nas ruas, nos armazéns de donos abusadores, vemos idosos trabalhando para sobreviver, mães refugiadas se dando ao máximo para conseguir um visto para continuar com seus filhos, vemos o garotinho em meio a uma cadeia com homens, mulheres, crianças e tudo mais que se pensar aonde tudo acontece, ou seja, com muita riqueza de detalhes, o lado artístico da trama foi crucial para retratar a dura realidade que desejavam nos passar sobre o país, e acertadamente o resultado foi forte e bem impactante.
Enfim, um longa incrível que beira virar algo documental pela ótima formatação desenhada da situação de vivência, que graças às perfeitas interpretações desenvolvidas por crianças que viveram realmente nesse mundo, resultam em algo emocionante e cheio de personalidade, que saímos da sessão impressionados com tudo, e ao mesmo tempo que tristes pela situação que nos é mostrada, felizes por termos crianças com uma segurança interpretativa, que a diretora nem precisou muito para entregar, mas sim deixou que eles vivessem e lhe mostrassem como é tudo. Ou seja, mais do que recomendo o longa para todos, deixo quase que como uma obrigação que todos vejam e se emocionem com tudo, pois mesmo tendo pequenas falhas (afinal volto a dizer, que não são atores de profissão, e ainda assim souberam se portar muito bem), o resultado é incrível. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...