domingo, 19 de maio de 2019

Kardec

Sabemos o quanto o cinema nacional costuma pecar com biografias, geralmente exagerando em tons, mostrando coisas fora de eixo, outrora indo por fluxos que apenas valorizam o homenageado, sem trabalhar também parâmetros sobre os egos, e tudo mais que pessoas comuns costumam ter quando crescem, mas isso hoje foi deposto com "Kardec", pois trabalharam bem para representar Hypolite Leon Denizard Rivail, que foi um mentor, ou melhor, um professor cético que buscou métodos para representar tudo o que lia e ouvia de médiuns para criar o que se tornou a doutrina espírita através de seus livros, iniciando com "O Livro Dos Espíritos", depois "O Livro Dos Médiuns", e seguiu afora vindo com outros escritores. Porém aqui o longa se ateve no começo da carreira, mostrando sua briga com a norma escolar de colocar religião no meio do ensino das escolas, vai por mostrar a febre das mesas voadoras na França dos anos 1800, e depois segue já pela apresentação dos espíritos para o professor e sua saga em escrever, editar e enviar seus livros para o mundo afora, e sendo tanta história para contar, o problema ficou com o ritmo para isso, que foi calmo demais, que dentro de uma cenografia de época lindíssima, acaba cansando mais do que empolgando ou emocionando, e assim sendo, só quem realmente se interessar pela proposta acabará conseguindo gostar do resultado, do contrário o sono virá bem forte. Ou seja, poderiam ter trabalhado com mais forca na ação de desenvolvimento, e menos nos conceitos, pois talvez atingisse um público mais abrangente, embora a sala estivesse bem cheia, e como já disse outras vezes, esse nicho espírita tem tudo para entregar longas de sucesso no país.

O longa nos mostra a jornada de Allan Kardec, nascido Hypolite Leon Denizard Rivail, desde quando trabalhava como educador em Paris até iniciar seu processo de codificação do espiritismo ao lado de sua esposa Amélie-Gabrielle Boudet.

O diretor Wagner de Assis estourou em 2010 com "Nosso Lar", e aqui voltando a trabalhar com a base espírita ele acerta mais uma vez, nem tanto pela filosofia e si, mas sim por priorizar a arte em cima da história, e criar um longa de época incrivelmente bem trabalhado pela direção de arte, que se esforçou para que cada detalhe da França dos anos 1800 fosse bem representada, para que fosse mostrado toda a perseguição que a doutrina teve da Igreja Católica, que chegou a acusar as médiuns de bruxas e desejar queimá-las, e principalmente representar as formas de escrita, os encontros, e tudo mais, ou seja, o diretor foi preciso nas escolhas, não exagerou em efeitos como fez em 2010, e com muita sabedoria entregou algo bem roteirizado junto dele e de L.G. Bayão, em cima da obra biográfica de Kardec escrita por Marcel Souto Maior, ou seja, toda uma bela base criada, moldada e entregue com muita personalidade e estilo, só errando um pouco no ritmo que poderia ser um pouco menos cansativo.

Sobre as interpretações, diria que escolheram todos com muito discernimento para que as representações não ficassem caricatas, e o acerto foi preciso, pois diferente do que costuma acontecer em longas de época, aonde tudo parece ser uma novelona, aqui é fácil enxergar a obra como cinema, e isso é agradável principalmente pelas boas interpretações dos artistas, em destaque claro dos dois protagonistas, afinal Leonardo Medeiros se doou por completo com trejeitos cheios de classe, imponência de voz, e com olhares bem coerentes para cada momento acabou demonstrando um Kardec humano, pronto para desafios, e mais do que isso, tendo defeitos apontados, e resolvidos na telona, sem ocultar praticamente nada, ou seja, um acerto de personificação e de atuação. Da mesma forma Sandra Corveloni se doou como esposa, companheira de respostas das cartas e com muito envolvimento fez de sua Amélie-Gabrielle uma mulher exemplar bem simples e expressiva. Quanto aos demais, diria que cada um teve sua grandiosa importância para a trama, desde as jovens médiuns interpretadas por Letícia Braga e Jullia Svacinna, Guida Viana como uma médium mais imponente, e até Genézio de Barros como Padre Boutin.

Agora algo que tem de ser muito aplaudido é sem dúvida a equipe de arte completa, que encontrou locações primorosas para representar a França da época, trabalhou cada cenário como algo único e envolvente, trabalhou os diversos objetos cênicos bem alegóricos para cada momento, obteve figurinos de época precisos para cada ato da trama, e acertou em minúcias para que o filme tivesse a densidade correta agradando como um grandioso filme de grandes estúdios, ou seja, com um orçamento não tão alto fizeram muito milagre, e acertaram demais. Quanto da fotografia também posso dizer que ficou incrível, com muitas cenas somente iluminadas por velas, outras com luzes de contra fortes para dar preenchimento, mas principalmente mantendo o marrom é o vermelho de base em cima de tons amarelados fizeram com que a época tivesse uma classe a mais.

Enfim, um filme artisticamente perfeito, com uma história boa, atuações precisas, e uma direção maestros que só faltou melhorar a dinâmica rítmica para que o filme ficasse perfeito, mas que vale a recomendação mesmo assim para que muitos conheçam um pouco mais da formação de base da doutrina espírita como conhecemos hoje, pois é um estudo bem bacana que tem um grande número de adeptos, e certamente esses irão gostar muito do que verão na telona. Bem é isso, fico por aqui agora, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.

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