Que o diretor François Ozon é daqueles que sabem impactar o público com algo forte todos sabemos bem, e que quando pega algum assunto para trabalhar costuma ser enfático no tema e criar bons vértices para que o público se surpreenda, e aqui em "Graças a Deus", que lhe deu o Urso de Prata em Berlim não foi diferente, pois ele foi contundente com diversas histórias para mostrar sua contundente acusação ao silêncio que a Igreja faz em cima dos relatos de padres pedófilos, e usando de diversos artifícios nos conta de casos que ocorreram nos anos 90, porém foram revelados em 2016, e até hoje continuam sem ter um desfecho bem efetivo. Ou seja, a trama dele até nos lembra um pouco "Spotlight - Segredos Revelados", só que ao invés de pousarmos em Boston, aqui ficamos entre Paris e Lyon, porém se no filme americano foram enfáticos com o estilo mais em cima da mídia, com a imprensa revelando tudo, trabalhando com os materiais e tudo mais, aqui o foco foram mais as vítimas, e com isso o elo se perde um pouco em determinados momentos, e fica alongado demais para chegar a uma conclusão mais impactante, o que faz do filme forte de intenção e fraco de entonação, o que é uma pena, pois poderia com toda certeza ser mais duro, ao ponto de que saíssemos da sessão chocados e revoltados com tudo, o que não ocorre.
O longa nos conta que um dia, Alexandre toma coragem para escrever uma carta à Igreja Católica, revelando um segredo: quando era criança, foi abusado sexualmente pelo padre Preynat. Os psicólogos da Igreja tentam ajudar, mas não conseguem ocultar o fato de que o criminoso jamais foi afastado do cargo, pelo contrário: ele continua atuando junto às crianças. Alexandre toma coragem e publica a sua carta, o que logo faz aparecerem muitas outras denúncias de abuso, feitas pelo mesmo padre, além da conivência do cardeal Barbarin, que sempre soube dos crimes, mas nunca tomou providências. Juntos, Alexandre, François e Emmanuel criam um grupo de apoio para aumentar a pressão na justiça por providências. Mas eles terão que enfrentar todo o poder da cúpula da Igreja.
Chega até ser contraditório pensar nisso, conhecendo um pouco das obras do diretor e roteirista François Ozon, mas aparentemente ele deu diversas aliviadas quando o tema iria pegar fogo, desviando o foco para contar um pouco da vida e dos desenvolvimentos de outros protagonistas, tanto que teve alguns momentos que praticamente alguns personagens somem, e isso talvez em um livro ou num longa capitular funcionasse melhor, mas jogado ao comum linear como o filme se desenrola, acabamos nos perdendo um pouco, e esfriando o clima quente conforme era desenvolvido. Não digo que tenha sido errado, afinal o longa conta um pouco de cada um até formar a associação, e muito menos falo que o filme tenha ficado ruim ou sem o nível forte de acusação que Ozon claramente impõe em sua obra, só acredito que poderia funcionar muito melhor de outra forma, que não a entregue, pois a trama impactaria diretamente nas acusações, sem precisar explicitar a vida atual das famílias, ou seja, o diretor quis mostrar que felizmente os protagonistas conseguiram ocultar de sua mente levemente o ocorrido, tendo conseguido conquistar uma família bonita, se desenvolver pessoalmente e tudo mais, mas ao acender a lamparina que estava apagada, precisaram explodir.
Sobre as atuações, diria que todos os atores foram bem concisos nos seus momentos dramáticos de explicitação dos abusos, demonstrando cada um a sua maneira com choro, raiva, explosão, até tendo crises epiléticas, mas em suma todos se mostraram claros, bem direcionados, e com uma sintonia bem simpática, o que não costuma acontecer com os protagonistas de Ozon, ou seja, tivemos aqui um filme mais dócil do diretor, e todos ao menos se saíram bem nos papeis. Melvil Poupaud fez de seu Alexandre, um personagem sério como um executivo mais clássico, e encontrou muitas dúvidas no estilo, trabalhando sempre o pensamento além com olhares fluindo também para esse vazio de pensar, o que acaba chamando muita atenção. Denis Ménochet já trabalhou seu François como alguém mais explosivo, determinado a fazer o caso explodir também, e com uma desenvoltura cheia de movimentos ele acabou tendo bons destaques nas suas cenas. Swann Arlaud como Emmanuel já foi daqueles que ficamos preocupados em destruir o filme, pois ao mesmo tempo que suas crises eram fortes e bem chamativas, ele oscilava demais no âmbito familiar com sua namorada, fazendo com que o filme destoasse demais do caminho que andava seguindo, e diria que foi algo completamente desnecessário, e atrapalhou muito o andamento da trama, mas não por culpa do ator, e sim do roteiro. Agora Bernard Verley nos entregou um Padre Preynat daqueles que muitos sairão das sessões revoltosos, pois mesmo assumindo sua doença, fez cara de cordeirinho, algo muito impactante de se ver num filme, e isso mostra um tremendo acerto do ator, pois qualquer outro ato faria com que o público ficasse com dó dele, e não era essa a intenção do diretor, ou seja, o ator foi genial. François Marthouret também acertou demais como Barbarin, fazendo com que seu cardeal fosse praticamente um advogado daqueles que tentam minimizar as vítimas em prol do culpado, sendo muito incoerente em diversos momentos, e claro dando em seu diálogo o nome do filme ao final, o que causa muita revolta. Quanto aos demais, diria que todos foram bem expressivos e completamente coerentes trabalhando de uma forma bem bacana de ver as diversas mulheres dando muito suporte para seus maridos, e de uma forma muito revoltosa diversos pais e alguns parentes indo na contramão dos filhos em prol da igreja, não querendo acreditar no que aconteceu, ou até mesmo ignorando, ou seja, algo para se discutir muito, mas não tanto pelos atores, e sim pelos personagens em si.
No conceito visual, a trama trabalhou locações bem simples, e outras imponentes, para realçar cada momento, colocando muitas cenas iniciais dentro das igrejas, com missas e tudo mais, trabalhando sempre com fundos escuros e densos para criar a tensão necessária para o filme, e certamente encontrando bons atos nas diversas casas dos protagonistas, com as diversas cenas nas noites mais tradicionalmente católicas como é o caso do Natal, com os familiares à mesa, cheias de detalhes, e claro as reuniões junto aos membros da igreja, sempre cheias de simbologias bem colocadas, e rezas, fora as cenas de memórias mostrando os escoteiros sofrendo os abusos através de cenas simbólicas também bem colocadas para não necessitar serem explícitas, mostrando os jovens sendo chamados pelo padre para rezar, ou fazer diversos outros afazeres em lugares separados dos demais, para acontecer os atos. Ou seja, a equipe de arte foi mais simbólica do que o comum, e isso foi bom para não pesar tanto no resultado, afinal souberam usar inclusive os tons da fotografia para criar as tensões e impactos.
Enfim, é um filme muito bem feito, com uma proposta sólida e determinada que poderia resultar ainda em um daqueles longas que sairíamos da sessão revoltadíssimos querendo explodir tudo ao redor, ou desesperados para gritar para todos os lados, mas com diversas pausas e mudanças de elo, o clima sempre que pesava era amenizado, e com isso o filme funciona dentro do que desejavam mostrar, que é acusar o silêncio da igreja para os casos, e demonstrar algumas atitudes que foram feitas para isso, mas esperava mais do diretor, e talvez por isso não tenha saído tão empolgado. Sendo assim, até recomendo o longa pela mensagem, para que outros vejam, apesar de que as pessoas que necessitam dessa abertura de mente não verão de forma alguma, ou seja, veja, discuta, e quem sabe um dia todos os culpados sejam exonerados, presos e tudo mais, o que dificilmente ocorrerá. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais textos, então abraços e até logo mais.
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