Imagine todo tipo de loucura possível que possa conter em uma única produção, claro tirando animais bizarros, pois aí a loucura sairia de um ponto impossível de conter! Pois bem, "O Homem Que Matou Don Quixote" tem tudo e muito mais, misturando filmagens, loucura, fantasia, terroristas, russos, vodca, encenações circenses, abstrações poéticas, mineiros, escravistas com armas de choque, e isso é só o que consigo imaginar lembrando, pois as quase duas horas e meia de projeção funcionam bem como era a história de Dom Quixote, algo que soa encantador pela salvação da amada, mas que em detrimento da loucura, misturando com o sol desértico acabava ficando muito maluco de se acompanhar. Porém olhando todos os problemas pelo qual a produção passou nesses quase 30 anos (o diretor Terry Gilliam começou a escrever o roteiro da produção em 1989, tiveram diversos acidentes, trocas de elenco, problemas de ordem judicial, brigas na produção, dilúvio em set, e tudo mais que se pensar), acho que o filme saiu até light, pois no lugar do diretor teria viajado ainda mais nas loucuras para compensar tudo. Ou seja, é um filme maluco, porém muito bacana de curtir, que mistura vários estilos, técnicas, e principalmente fantasia uma história que é sem dúvida uma das mais fantasiosas que já foram escritas, então vá conferir e se divirta, pois vale o tempo na sessão.
O longa nos mostra que quando faz seu filme de conclusão de estudos, o jovem cineasta Toby viaja à Espanha para filmar uma versão independente de Dom Quixote. Para o ator principal, escala um sapateiro da região, que nunca trabalhou no cinema antes. Doze anos se passam, e Toby, agora um renomado diretor de comerciais de televisão, tem a oportunidade de fazer uma superprodução também baseada no livro de Cervantes. Ele retorna à Espanha, começa as gravações, mas logo enfrenta uma crise criativa. Buscando inspiração, tenta reencontrar os atores do projeto anterior. Toby descobre que o sapateiro enlouqueceu, e realmente acredita ser Dom Quixote. Pior ainda, o cavaleiro maluco confunde Toby com seu fiel escudeiro, Sancho Pança.
Diria que o diretor e roteirista Terry Gilliam é realmente daqueles persistente, pois conseguir lançar sua obra criativa de mais de 30 anos atrás passando por tudo o que passou, certamente a maioria teria desistido da ideia, largado mão, e partido para outros filmes esquecendo sequer de um dia ter passado perto desse texto, porém não, brigou com tudo e todos, e conseguiu finalizar entregando agora uma obra que digamos foi bem fora dos eixos, que em diversos momentos pensamos como será que vão conseguir fechar tudo, que a cada novo minuto piora ainda mais todas as ideias possíveis, mas que mostra bem o estilo de Gilliam, com câmeras em ângulos diferentes do usual, muitos personagens aleatórios, e claro muita bizarrice por conta da fantasia completa criada para cada momento, de modo que tudo soa vertiginoso, tudo possui uma abertura mais coerente do que prática, e sendo assim o resultado funciona como algo a mais, que agrada, mas ao mesmo tempo ficamos pensativos: será que gostamos realmente ou fomos enganados, e essa é a grande sacada que faz o filme se encaixar bem em qualquer época que tivesse sido lançado.
Um ponto bem engraçado certamente foi na escolha de Adam Driver para viver o protagonista Toby, pois antes passaram pelo papel Johnny Depp e Ewan McGregor, que possuíam um estilo mais debochado para o papel, mas Driver até que entregou bem os momentos da trama, soube dosar o nível da loucura, e até suas orelhas serviram de piada para o filme, ou seja, acabou caindo perfeito no pacote, encontrando bons olhares e dosando bem as entonações para que o filme funcionasse. Já Jonathan Pryce felizmente caiu como uma luva para o papel de Dom Quixote, de modo que se ele quiser fazer mais outros filmes no papel, certamente lhe darão na hora, sendo até melhor que as outras opções que eram no passado de Jean Rochefort e John Hurt (ambos mortos antes mesmo do filme ser lançado!), ou seja, Pryce pegou um peso imenso sobre os ombros e não decepcionou incorporando cada ato com muita paixão pelo papel. A portuguesa Joana Ribeiro fez boas cenas como Angelica, dando olhares sedutores, incorporando bem o estilo espanhol para a produção, e agradando bastante no papel que inicialmente foi da esposa (que ainda nem era esposa) de Depp, Vanessa Paradis. Stellan Skarsgård fez suas cenas como O Patrão tão rápidas, e sem muitos elos, que qualquer um poderia fazer o papel, e não chega a ser impressionante nenhum ato seu, o que é uma pena. Olga Kurylenko deu um ar bem imponente para a sedutora Jacqui, chamando a atenção até mais do que a protagonista, e isso não é algo que deveria acontecer, mas convenhamos que a escolha aqui foi intencional. Outro que chamou a atenção, embora seja bem secundário o papel, foi Óscar Jaenada como o cigano, e aqui ele certamente se inspirou em tudo o que Depp já fez com seu famoso pirata, pois o estilo lembra demais, e ele acaba agradando por essa simbologia. Quanto aos demais, tivemos personagens aos montes para ficar falando pouco de cada um, e diria que todos foram interessantes dentro de suas proporções, agradando bem, e tendo pouquíssimo destaque apenas ao final Jordi Mollà como o russo Aleksei.
No conceito visual, arrumaram boas locações na Espanha e em Portugal para que o filme tivesse o teor completo que a trama pedia, e junto dessas locações ainda criaram ótimas vilas, arrumaram castelos, montaram muita coisa em meio a um deserto, ou seja, recriaram um mundo completo para as aventuras de Dom Quixote, trabalhando com muitos objetos cênicos bem encontrados, e desenvolvendo tudo com muita sutileza, e claro loucura para que o filme ficasse bem criativo e cheio de detalhes, ou seja, uma trama bem luxuosa, que certamente será lembrada por sua grandiosidade, e claro todas as loucuras que fizeram parte disso. A fotografia praticamente adotou o laranja, vermelho e amarelo como elo próprio da trama, de modo que chegamos quase a sofrer insolação junto dos protagonistas, e o resultado é até bonito de ver refletido nos figurinos.
Enfim, um filme que surge com uma proposta ousada, e que entrega um trabalho muito criativo em cima de uma história maluca, mostrando que mesmo adaptando uma obra, é possível ousar em cima dela, e sair com uma criatividade fora dos padrões, de modo que vemos algo que teria funcionado facilmente se lançado lá nos anos 90 como era planejado, se tivesse dado certo na segunda tentativa nos anos 2000 seria perfeitamente bem conduzido, e que agora ainda agrada com vertentes fantasiosas bem colocadas, ou seja, um filme atemporal, que agrada bastante, mesmo sendo bem maluco, e que quem gosta de propostas malucas acabará se divertindo muito com o que verá. Sendo assim fica a minha recomendação para o filme, e também encerro o dia por aqui, então fiquem com meus abraços e até amanhã com os últimos filmes do Festival Varilux.
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