Bacurau

8/25/2019 02:51:00 AM |

É engraçado ver como o diretor Kleber Mendonça Filho gosta de provocar seu público com os filmes que entrega, pois mesmo quando entrega algo mais fácil de ser conferido, como é o caso aqui em "Bacurau", ele permeia vértices fortes e cheios de situações que acabamos saindo da sessão chocados com tudo e pensando: será que gostei mesmo do que vi, ou será que se eu reanalisar tudo irei odiar? Mas a priori vendo de uma só vez e vindo aqui já escrever, posso dizer facilmente que o longa é a nossa versão de um faroeste, com pegadas bem próprias do estilo, situações de impacto envolvendo política, recursos escassos, bandidos de ambos os lados, e claro comunidades prontas para se abater e atacar, de maneira que dá para refletir muitos âmbitos que certamente os diretores (que nesse caso além de Mendonça temos Juliano Dornelles) desejavam mostrar. Ou seja, é um filme que não é de fácil degustação, mas que entrega um estilo de fácil apreciação, e o resultado acaba sendo imponente, cheio de detalhes, com bons momentos e que agrada pelo que é mostrado, porém poderiam ter eliminado muitos momentos desnecessários para a narrativa, que ainda assim seria um filme forte e interessante.

O longa nos mostra que pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez. Quando carros se tornam vítimas de tiros e cadáveres começam a aparecer, Teresa, Domingas, Acácio, Plínio, Lunga e outros habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Falta identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa.

Felizmente o longa possui muito mais pontos positivos do que negativos, pois sei bem das qualidades dos longas de Kleber Mendonça Filho, mas sei mais ainda dos pontos que me irritaram, e aqui embora o filme tenha ganhado diversos prêmios internacionais, já fui preparado para ver algumas situações desnecessárias, e que mesmo elas existindo (já vou frisar, e sei que muitos vão reclamar do que falarei: o longa possui diversas cenas de nudez desnecessárias, pois acho lindo nudez quando usada em prol do filme, e aqui é só para chocar sem serventia alguma!) o longa consegue passar por cima desses momentos e fazer cada ato acontecer com primor técnico de história, de envolvimento dos personagens, e principalmente de estilo, pois o filme entrega uma fotografia ampla, momentos de grande violência bem encontrada, e principalmente acaba saindo com resultado de uma ótima invasiva incrível, que acaba acontecendo por mostrar meios de sumir com pessoas, invasões, e até mesmo a falta que faz você não conhecer a cultura de alguma cidade, pois se os gringos tivessem entrado no museu da cidade saberiam bem o que esperar (e isso não é um spoiler!). Ou seja, os diretores montaram sua história com boa técnica, pegaram referências incríveis para que o filme tivesse um conteúdo extra, e principalmente mostraram bem um filme de faroeste com todas as letras, e que certamente muitos enxergarão dessa forma, e sendo assim, o resultado empolga bem, mas que certamente poderiam ter ido mais além.

Sobre as atuações, temos um grande conjunto no filme, pois os protagonistas foram muito generosos com a população local que foi usada de figuração, e os que ficaram em destaque souberam se encaixar perfeitamente com os momentos para que a trama deslanchasse sozinha, de modo que Bárbara Colen entregou olhares estranhos para sua Teresa, sem que sequer ficasse surpresa com nada, encaixando ares próprios e bem funcionais. Sônia Braga trabalhou sua Domingas com atitude e simplicidade para que nos seus atos próprios pudesse até ter leves destaques, mas sem sair do eixo. Thomas Aquino soube dar para seu Acácio/Pacote momentos tensos e olhares prontos para começar uma guerra e chamar a responsabilidade para si quando precisou. E principalmente do lado da comunidade, ainda arrumaram Silvero Pereira pronto para fazer picadinhos com seu Lunga, incrivelmente caracterizado, e com trejeitos próprios para ter o destaque em níveis altíssimos, ou seja, preciso demais. Do lado dos gringos o destaque é claro para Udo Kier com seu Michael cheio de desenvolturas, olhares, e principalmente criatividade para poder puxar o filme para si, ou seja, dando show no que fazia.

Não digo que o processo de composição da trama foi rápido, mas certamente a equipe de arte merece todos os aplausos possíveis por encontrar essa locação incrível de uma cidadela que realmente parece estar desaparecida do mapa, com todas as características de uma comunidade com vida própria e que realmente acaba acontecendo o que vemos no filme, do descaso dos políticos para com as pessoas que vivem ali, aparecendo somente nos momentos de eleição. Ou seja, trabalharam bem cada momento da trama, mostrando bem os costumes da cidade, os personagens icônicos, e junto com uma equipe de maquiagem minuciosa fez as cenas violentas serem de níveis fortíssimos de tiros, sangue, explosões e tudo mais, ou seja, um belo trabalho visual. Destaques cômicos ficou para a super telona na caminhonete que sei que existem essas coisas por aí, mas ficou abusivo demais, e para o drone em forma de nave alienígena, pois poderiam ter feito algo menos exagerado, do restante, a equipe mandou bem demais em tudo. Quanto da fotografia, a aridez do sertão, que mesmo na cena com chuva conseguiu manter o tom amarelado/marrom, com muito vermelho sangue, e envolvimentos precisos nos enquadramentos para que ficássemos tensos e presos junto com cada um dos personagens.

Um ponto bem positivo do longa ficou a cargo da trilha sonora remetendo bem ao nordeste, as tocadas entoadas pelo violeiro da vila, e que com bons atos escolhidos para ajudar na concepção sonora da trama, o filme acabou tendo uma vida além do normal, ou seja, vale conferir cada detalhe sonoro seja musical, ou apenas pelos barulhos da trama.

Enfim, é um filme que vai ter aqueles que vão amar, e certamente terão muitos que irão odiar, de forma que eu diria que fiquei bem no meio termo, pois se tirassem todos os exageros que citei acima, o longa melhoraria muito na minha concepção, mas talvez não atingisse o efeito que causa, e sendo assim, é melhor manter eles (tirando as nudezes desnecessárias que não serviram para nada). Ou seja, recomendo a trama pela essência em si, mas vá preparado para reclamar muito também, mas certamente é um filme que você irá lembrar quando ver algo parecido. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.

PS: Até pensei em dar uma nota menor pelos excessos, mas é um filme que tem marca, e isso é muito válido em um cinema como o nosso aonde ficam muito atrás de referências e não fazem suas próprias, e aqui ele coloca seu dedo na ferida, fazendo suas próprias marcas, então valeu a melhorada na nota.

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