É gostoso quando vamos conferir um filme nacional e saímos da sessão satisfeitos não só com a trama, mas com o resultado causado no público, e com "A Vida Invisível" acho que pela primeira vez vi pessoas chorando emocionadas ao final, com um envolvimento único e maravilhoso de uma trama que funciona não apenas pela dinâmica criada pelo diretor, mas sim por todo o conteúdo, e principalmente pelas ótimas interpretações das atrizes em cima de seus papeis. De tal forma que mesmo com diversas cenas desnecessárias, vemos uma trama densa, que realmente acontecia muito nas famílias antigamente de algum parente desaparecer e por birra dos pais, esse ser dado como morto para os demais, e nunca mais ter qualquer notícia, ou encontrá-los, e assim cada uma vivendo sua vida de forma dura em ambos os lados, vivemos com Eurídice e Guida todos os seus momentos, apaixonamos pelas atrizes e pelas personagens, e ao final a grande dama do cinema nacional Fernanda Montenegro entra para dar o tapinha nas costas e falar, fecha a tela e acende a luz, pois aqui foi tudo, e show. Ou seja, um filme maravilhoso, cheio de situações fortíssimas, que agrada em praticamente tudo, e que tem merecido cada prêmio que levou, e posso dizer que mesmo tendo diversas grandes produções concorrendo, acreditaria na possibilidade do filme ser o 5° ou 6° indicado de Filme Estrangeiro nas premiações, pois tem todo o estilo que os votantes gostam de ver.
O longa nos situa no Rio de Janeiro na década de 1940, aonde Eurídice é uma jovem talentosa, mas bastante introvertida e Guida é sua irmã mais velha, e o oposto de seu temperamento em relação ao convívio social. Ambas vivem em um rígido regime patriarcal, o que faz com que trilhem caminhos distintos: Guida decide fugir de casa com o namorado, enquanto Eurídice se esforça para se tornar uma musicista, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento sem amor com Antenor.
Quem conhece a filmografia de Karim Aïnouz certamente estranhará muito esse seu novo longa, pois ele trabalha uma pegada completamente diferente do que já fez, claro que ainda ousando bastante, mas com um toque mais melancólico e menos desenfreado, de tal forma que podemos dizer que foi até um grande acerto ver seu estilo impregnado em algo mais doce, do que se ele tivesse tentado inserir doçura no seu estilo, ou seja, ele pega algo que seria romantizado e poético, e coloca sofrimento, separações, e tudo mais que pudesse trabalhar o impacto que era e é a vida da maioria das mulheres, de viver sem poder alcançar seu sucesso, seus sonhos, de ser abandonada pela família por voltar grávida de um romance, de viver a esma, esquecida e tudo mais, ao ponto de que vemos o diretor trabalhar todo o cerne da separação sem necessitar separar todos, apenas os elos corretos e apaixonados entre si, que no caso são as irmãs, mas o restante tem de sofrer e viver junto, precisa se prostituir, precisa se estuprada, precisa tudo e mais um pouco. Mas se fosse somente um filme do diretor, veríamos todo esse sofrimento ser desenfreado e ir ao ponto máximo, mas como aqui ele se verteu como disse, o fechamento desmonta o público, envolve de tamanha forma que tudo se encaixa, e mesmo não sendo "bonitinho" como muitos até poderiam esperar, ele emociona e acerta em cheio com a participação forte de Fernanda Montenegro, ao ponto que o resultado é digno de se aplaudir, e a perfeição faz apagar até as cenas completamente desnecessárias de órgãos a mostra, pois o filme em si passaria fácil mostrando estupro, sexo, e tudo mais sem precisar abusar dos artistas, mas é o que muitos falam, e insistem em colocar, e assim sendo se o filme não fosse bom, só ficaríamos aqui discutindo isso, mas fica apenas como algo irrelevante que passou na trama.
Sobre as atuações, diria que Julia Stockler foi direta em sua atuação como Guida, trabalhando um vértice de olhares, de tons de voz, de tanta serenidade com seus momentos que acabamos nos envolvendo demais com o que faz em cena, sendo um grande acerto de estilo, encontrando personalidade demais para seus momentos, e fazendo com que o público entre na vida da personagem, e o resultado disso tudo é algo muito imponente por parte dela, e que não conhecia ela, mas certamente irei ficar de olho, pois mostrou ser uma tremenda atriz. Da mesma forma Carol Duarte entregou com força e sofrimento sua Eurídice, trabalhando de uma forma mais dura de expressões, mas sabendo encontrar cada momento para se destacar, o que não a deixa como surpresa, mas sim como funcional, e isso é algo incrível de acertar em dramas, e ela foi perfeita. Fernanda Montenegro aparece praticamente menos de 10 minutos no longa, e seus olhares, seus momentos, sua síntese para que tudo envolvesse e emocionasse é maravilhoso de ver, de tal forma que não temos nem como não aplaudir o que faz aqui, e talvez mais duas ou três cenas seriam dignas de lavar a sala do cinema. 2019 podemos dizer que foi o ano em que os humoristas deixaram de lado a comédia e atacaram muito bem o drama, de forma que semana passada vimos Rafael Portugal se dar muito bem no filme "Carcereiros", e aqui vemos Gregório Duvivier ser imponente e impactante de maneira a pensarmos no tipo de trabalho foi feito com ele para que seu Antenor fosse de um nível tão determinante para a produção que não conseguimos ver o papel com outro ator, e isso é algo tão raro de acontecer com atores natos, quanto mais com comediantes, ou seja, foi preciso e acertou em cheio. Dentre os demais tivemos ainda ótimos acertos, mas em papeis menores, mas ainda assim merecem destaque Bárbara Santos com sua Filomena precisa nos diálogos e envolvente nos olhares, tivemos Maria Manoella como uma Zélia imponente e direta nas atitudes, mas principalmente os olhares se verteram todos para António Fonseca como um Manoel simples, mas forte de olhares e expressivo como um pai tradicional é, ou seja, perfeito também.
O longa foi muito conciso na parte artística, retratando muito bem uma época com pouca ambientação, mas funcionando nas escolhas das locações para que víssemos cada ato certeiro e preciso de detalhes, trabalhando muito o interior das casas com detalhes marcantes da época, brincando bastante com os figurinos, e principalmente sabendo ampliar a marcação para que o filme tivesse conteúdo além dos diálogos (algo bem raro também nos dramas nacionais), e dessa forma, vemos um filme forte, com cenas duras e bem marcadas, que acabamos sempre pontuando pela narração da protagonista em suas cartas, mas que talvez com algo a mais nem precisaria disso, e o acerto seria o mesmo.
Enfim, poderia falar muito mais sobre cada momento do filme, discutir diversos envolvimentos e cenas marcantes, mas encheria a trama de detalhes que merecem ser sentidos, e não lidos como opinião de alguém, então dessa forma prefiro recomendar que todos vejam o longa, se emocionem com cada cena, e depois parem para pensar em tudo o que viu e pode ligar com a vida atual de muitos, pois embora não seja algo mais tão comum, ainda existe um pouco de tudo no mundo atual, ou seja, funcionando como uma trama atemporal também. Não sei mais quanto tempo o longa irá ficar em cartaz nos cinemas, afinal muito em breve deva estrear na Amazon Prime que comprou os direitos do longa, então quem quiser ver na telona corra, pois acredito que logo mais suma de cartaz fisicamente. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.
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