Tem filmes que conseguem nos cativar mesmo com uma história que não seja do nosso gosto, e se tem um país que sabe fazer bem dramas densos é a França, claro que também entregam diversas bombas, mas quando acertam a mão vem filmes tão fortes que quando acabam passando a sintonia do começo ao fim, em temas diferentes, e que vão por rumos bem sutis e colocados. Dito isso, posso acrescentar facilmente que se o ano já não tivesse decidido com o melhor filme não falado em inglês, aliás com uma das melhores obras dos últimos anos, certamente o longa "Retrato de uma Jovem em Chamas" seria daqueles que veríamos estourar em todos os prêmios possíveis, pois o longa trabalha o envolvimento das protagonistas de tal forma, que nem precisaria ir para as vias de fato como acaba ocorrendo, mas com símbolos fortes vemos a conexão entre ambas ser moldada desde um começo estranho, passando pelo momento da revolta, até a cativação novamente através de outros meios, e ao incorporar situações de tabus, o resultado consegue ir muito além do que uma pintura de uma pessoa, mas a pintura de uma alma em si, e isso o filme faz genialmente.
O longa nos situa na França, no ano de 1760. Marianne é contratada para pintar o retrato de casamento de Héloïse, uma jovem mulher que acabou de deixar o convento. Por ela ser uma noiva relutante, Marianne chega sob o disfarce de companhia, observando Héloïse de dia e a pintando secretamente à noite. Conforme as duas mulheres se aproximam, a intimidade e a atração crescem, enquanto compartilham os primeiros e últimos momentos de liberdade de Héloïse, antes do casamento iminente. O retrato de Héloïse logo se torna um ato colaborativo e o testamento do amor delas.
Diria que a diretora Céline Sciamma teve dois vértices bem diferentes durante a execução da sua trama, o primeiro até a rejeição do primeiro quadro, enquanto a jovem não sabia de nada a respeito, e o segundo após isso que o filme toma uma rédea que muitos podem até não gostar, mas que acaba mostrando talvez a ideia original da trama. Claro que a sacada da diretora em trabalhar a paixão das protagonistas, o conhecimento corporal e o envolvimento delas é visto desde o começo, e até seria bonito ver completamente tudo no subjetivo, mas não causaria, e ultimamente filmes que não tem causado, não se impõem no mercado artístico, então ao mesmo tempo que o segundo ato funciona de uma forma forte, ele também acaba ficando forçado, e aí é que a diretora soube dosar bem os atos para que seu filme não ficasse apenas jogado, mas soasse representativo, e o acerto foi bem bacana, pois a trama teve um deslanchar tanto das jovens protagonistas, como entrou o elo fraco da casa com algo imponente que muitos vão se chocar, e aí a sacada foi ímpar, pois ao invés de reclamarem da nudez e do relacionamento das jovens, o público recai para a criada, e o filme deslancha sozinho.
Quanto das interpretações, já estamos bem acostumados a ver as protagonistas passeando por nossos cinemas nos diversos festivais franceses, e aqui nenhuma delas desaponta, desde Noémie Merlant com sua Marianne centrada, cheia de trejeitos fortes, mas disposta a quebrar barreiras só com os olhares e atitudes imponentes coloca sua pintora num nível tão forte que vamos na mesma onda dela desde o começo, e assim conseguiu ditar bem o ritmo e as cenas que faz. E da mesma forma vemos Adèle Haenel colocando sua Héloïse como uma mulher aparentemente em dúvida do que quer realmente, praticamente desesperada por ser obrigada a casar, com trejeitos fechados e secos, mas que acaba mudando radicalmente no segundo ato para algo mais envolvente e solta, o que chama a atenção, e funciona bem. Ficando meio de lado, mas trabalhando bem os olhares, e sendo um ponto de segurança do filme para não ser taxado diretamente, temos a pequenina Luàna Bajrami com sua Sophie, e a jovem pareceu mal humorada em tempo integral, com uma cara fechada, mas até descobrirmos seus motivos, e suas atitudes, o longa a oculta bem. E para fechar, tivemos a condessa bem estranha vivida por Valeria Golino, que tenta fazer suas cenas de uma maneira mais ampla, mas não soa muito bem, o que poderia ser melhor feito.
No contexto visual, a trama meio que pareceu isolada demais, não refletindo bem aonde o longa se passa, com um ar bem de Idade Média, puxando para o lado mais soturno, mas ao ver as pinturas feitas, os ambientes bem trabalhados meio que jogados e abandonados, mostrando que a família embora tenha uma casa imensa, precisa desse casamento para voltar a viver após uma morte, ou seja, tudo tem um sentido visual e o resultado é bem moldado. Como é uma época sem energia ainda, o filme contou muito com iluminações de velas, fogueiras, lareiras e as sombras que a fotografia conseguiu trabalhar é algo que deu um tom bem forte para o filme, e juntamente com figurinos mais sérios e imponentes, o resultado é bem bacana de ver e acompanhar, e felizmente souberam trabalhar o ritmo, pois o longa poderia cansar muito.
Enfim, é um filme interessante, forte, mas que acaba funcionando dentro da proposta, que chama a atenção, cria ambientes imponentes, e o resultado marca. Claro que muitos irão virar a cara pelas diversas cenas polêmicas, mas é um filme para um público mais artístico, e assim sendo quem for conferir pelas premiações em si, certamente irá curtir o que verá na telona. Sendo assim, fica minha recomendação. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até lá.
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